Queridos amigos,
O relato que se segue é já da I República, o manuscrito foi datilografado em 1931. O Capitão José António de Castro Fernandes, natural da Índia, faz-nos um empolgante registo da região de Buba, de que foi administrador. Percorreu rios e braços de mar, é uma vivência e um saber feitos de comprovada experiência, como se poderá ver.
Depois do Geba, o Corubal é um rio da minha vida, pelo que fui ao Xitole, ao Xime, à Ponta do Inglês. E a experiência que tive, em novembro de 2010 quando percorri de mota a estrada Xime-Ponta do Inglês foi inesquecível, eu ia embevecido por aqueles campos frondosos em torno do Corubal, que atravessei em várias direções com a G3 nas mãos, quem aqui combateu conhece o significado da Ponta do Inglês, Ponta Varela, Poidom, Buruntoni.
Uma das tristezas que guardo dessa viagem é não ter ido a Ponta Luís Dias, Tabacuta, Mina e Galo-Corubal, vindo depois por Xitole, e regressando a Bambadinca por Moricanhe, Taibatá e Amedalai.
Prometi a mim mesmo que será itinerário obrigatório na próxima viagem, o Corubal é muitíssimo belo.
Um abraço do
Mário
Meu Corubal, meu amor (1)
Beja Santos
Nos Reservados da Sociedade de Geografia de Lisboa consta um dossiê assim apresentado: Província da Guiné – Relatório de autor ignorado (mas que julgamos ter sido elaborado pelo antigo administrador de Buba, Capitão José António de Castro Fernandes, natural da Índia, cujo filhos residem, ainda, na Guiné. O original existia em poder do falecido Capitão Alberto Soares, antigo Administrador do Concelho de Bolama, combatente das campanhas de pacificação. Quem datilografou em 1931 diz que faltam as primeiras páginas, o que reproduz inicialmente está cheio de tracejado, é manifestamente incompreensível. O manuscrito, como iremos ver, é da década de 1910.
E o que é compreensível começa exatamente com o rio Corubal, deste modo:
“O rio Corubal é muito profundo mas cheio de baixos; e maior profundidade apresenta na margem esquerda ou na margem do lado do Forreá. Não é navegável senão para barcas que não demandem mais de duas braças de água, e isto mesmo até Xitole, e dali até próximo à cachoeira de Cussilinta, perto de Gambessé, com bastante dificuldade e perícia, por parte do respectivo piloto do barco.
Impedem a navegação, além das diversas cachoeiras e o banco que forma logo à entrada defronte de Gampará e, que na baixa-mar, se vê que é, em uns quilómetros de extensão, os bancos de areia e lodo, que, segundo as estações e outras circunstâncias, e entre estas o macaréu, são arrastados pela caprichosa natureza, em diferentes sentidos, afirmando os pilotos práticos neste rio que um banco encontrado num mês nem sempre se encontra, passados dias, no mesmo local, pelo que a navegação, mesmo até ao Xitole, deve ser feita cuidadosamente. Na época pluviosa, acresce a este inconveniente de mudanças de baixos a vertiginosa corrente do rio que atrasa e dificulta bastante a navegação.
A dificuldade de não se ter ainda conseguido a navegação além das cachoeiras dá ocasião a que variados produtos, designadamente arroz, que em grande quantidade se planta e colhe no Alto Forreá (parte do Boé) sejam desviados para o território francês, onde fazem a permuta, principalmente na época das chuvas, durante essa época torna-se impossível conservar-se em estado de ser transitado um caminho que eu mandei abrir na cambança de Juda – Maganacho até Xitole”.
O relator apresenta-nos agora o rio Grande de Bulola ou de Buba, dizendo:
“É antes um braço do mar do que rio propriamente dito. Muitos anos se julgou que tinha comunicação com o rio Corubal, sendo talvez o motivo de o chamarem Rio Grande. Nas suas margens divisam-se extensas e graciosas colinas cheias de verdejantes matas e uma infinidade de cibes (palmeiras). Estas margens cortadas quase a pique, com bastante altura, oferecem assim dispostas um seguro abrigo aos navegantes contra os tornados (ciclones especiais da costa da Guiné, tendo por foco a Serra Leoa).
Bastante profundo e sem baixos, pode ser facilmente navegado por navios de longo curso até próximo do rio Regina, onde, pelo constante assoreamento, formou-se um baixo que uma sonda o encontra a duas braças de profundidade, porém, passado este baixo, pode continuar-se a navegar até próximo de Buba, em navios que não demandem mais de quatro braças, se bem que, com muita cautela se deve fazer, por causa do constante e progressivo assoreamento do rio desde o referido baixo do rio Regina até Buba.
De Buba até à sua confluência com o rio de Bolama, na Ponta Colónia, faz um percurso aproximado de 50 milhas, em constantes ziguezagues, formando pontas ou antigas e ricas feitorias que existiram em número superior a 60 e que aqui atraíram, outrora, pelo seu importante comércio e pela facilidade de navegação do Rio Grande, navios de longo curso. Em algumas pontas vêem-se ainda restos destas feitorias com as suas cisternas, armazéns, prisões, etc, feitorias, que, senão fora as lutas havidas lá pelos anos de 1882 a 1885-86, entre Fulas e Biafadas, ainda hoje existiriam, e o Rio Grande não teria perdido a sua importância e nem estaria na decadência em que hoje se encontra; se bem que, ainda se espera pelo constante repovoamento dessas pontas, que nos últimos dois anos se tem acelerado bastante, vem a aproximar-se, pelo menos, da sombra do que foi.
Tem este rio ou braço de mar um grande número de afluentes, alguns importantes pela sua profundidade e largura, principalmente no praia-mar, onde se encontra mais de 3 a 5 braças de profundidade, sendo pena que na baixa-mar fiquem por completo desaguados, conservando, apenas, em certos lugares, bacias que têm servido de ancoradouros a barcos à espera da praia-mar para dele saírem”.
O Capitão Castro Fernandes é minucioso, não se contentou em descrever o rio de Buba, dá-nos igualmente a relação dos afluentes que ele percorreu em lancha a vapor ou em escaler a remos: rio Regina, rio Banin ou de Mato-Grande, rio Buduco, rio Tinto, rio Cumbijan, rio Mansole, Rio Ocaz, Canal da Ilha Seca, rio Bissilão. Diz que o rio Regina é bastante largo, o rio Banin situa-se na margem direita, lado do Quínara, o Buduco é bastante largo, tem um braço do lado direito para o Posto Administrativo de Fulacunda.
Como é minucioso, deixa no seu relatório que julga importante:
“À entrada deste rio, encontra-se um grande baixo de pedra, deixando ver na baixa-mar um grande recife, pelo que se torna bastante perigoso, sendo por este motivo e ainda para se poder seguir a favor da corrente que se entra no rio depois de principiar a enchente e antes do recife ficar coberto; o rio Tinto fica na margem esquerda no Rio Grande; o rio Cumbijan é bastante largo e profundo, atravessa a circunscrição de Cacine".
E o nosso relator comenta:
“Não o conheço por mar, mas por várias vezes estive nas suas margens, no local de Cumbijan, onde existe um estabelecimento comercial. Na época pluviosa, dizem ser perigosa a navegação, devido a grandes troncos de árvores arrastadas pela corrente. Durante as chuvas constantes e torrenciais, transbordando as superfícies pantanosas, formam-se no Forreá vários regatos que junto com as nascentes existentes, correm para este rio Cumbijan; o Mansole é um afluente do rio de Bolama, bem como o rio Salanca ou de Nhala, este com largura de mais de 400 metros e extensão até à Ponta de João Preto; falando do rio Ocaz, diz que contornado a ponta de Nhala, fica do outro lado a povoação Balanta de Bissásema; regista que entre o Quínara e o Ilhéu do Rei, um pouco mais para cima, fica a Ilha Seca. Entre esta ilha e o Quínara é o canal da Ilha Seca".
E regista:
“Na entrada tem um baixo; contudo, um barco que não demande mais de duas braças o transpõe na praia-mar facilmente e sem perigo algum. Passado este baixo, o canal acusa, invariavelmente, cinco ou seis braças folgadas. Na saída para o rio Geba, perto de Jabadá, há um outro baixo nas mesmas condições do da entrada”.
(Continua)
Rápidos de Cusselinta, rio Corubal
Fotografia de José António Sousa publicada no site http://geoview.info/, com a devida vénia.
Che-Che, rio Corubal
Fotografia retirada da rede social Pinterest, com a devida vénia.
O Corubal visto da Ponta do Inglês
Tirei esta fotografia em novembro de 2010, acompanhou a viagem do Tangomau, pertence ao nosso blogue.
____________Nota do editor
Último poste da série de 19 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19307: Historiografia da presença portuguesa em África (140): As tribos da Guiné Portuguesa na História, pelo Padre A. Dias Dinis (3) (Mário Beja Santos)
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