Marco de Canaveses > Antiga freguesia de Paredes de Viadores > Festa de Nossa Senhora do Socorro > Estrutura da despesa e receita > Documento s/d c. 1950/60]. Fonte: Arquivo da Quinta de Candoz
Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018)
1. Gosto de mexer nos papéis antigos: cartas, fotografias, faturas, diários, jornais... Estão lá pedaços dos nosso passado, das nossas vidas, individuais e coletivas
Ontem, remexendo nos papéis do meu falecido sogro, José Carneiro (1911-1996), voltei a examinar, com mais atenção, um documento manuscrito, sem data, com a discriminação das despesas e receitas da comissão das festas de Nossa Senhora do Socorro, que se realiza todos os anos, no último fim de semana do mês de julho. É uma romaria antiga, se bem que a capela tenha sido edificada nas últimas décadas do séc. XIX (c. 1875).
Estas terras são antiquíssimas. Já o concelho de Marco de Canaveses é uma criação do liberalismo, remonta a 1852, tendo resultado da anexação dos concelhos de Benviver, Canaveses, Soalhães, Portocarreiro e parte dos de Gouveia e Santa Cruz de Riba Tâmega.
O meu sogro, José Carneiro, foi várias vezes mordomo destas festas, as fr N. Sra. do Socorro, consideradas uma das maiores e mais concorrids festas populares do concelho. O documento que encontrámos deve dizer respeito ao ano de 1960, segundo informação das mulheres da família que nestas coisas têm melhor memória do que os homens.
A minha cunhada Nitas [Ana Carneiro] lembra-se, tinha ela 13 anos já feitos, de andar na festa a angariara dinheiro com as florinhas de papel, com um alfinete, que eram espetadas na lapela do casaco dos cavalheiros, à entrada do recinto. As receitas que daí provieram ainda atingiram uma cifra razoável para a época: c. de 650$00... Mas, mesmo assim, insuficientes para pagar o imposto de selo: selar 35 programas, nas finanças, custava na altura 914$40 (!), uam exorbitância.
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O total de despesas desse ano ultrapou os 24 contos, o quivalente, a preços de hoje, a 10 726 euros. Repare-se, que o foguetório já nessa altura representava quase um terço (31,1%) do total das despesas. Havia 4 fogueteiros, que deitavam fogo à competição, havendo um prémio para o melhor...
Para a contratação de duas bandas de músicas, mais os Zés Pereiras, uns e outros pagos em dinheiro e em géneros, ia a maior fatia do bolo (41,7%):
- Banda de música dos Bombeiros Volunários: 4100;
- Banda de música de Tio Mau: 2500;
- Zés Pereiras: 450
- Carne para os músicos: 1222;
- Vinho para os músicos: 1000.
- Mercearias, e pão:
Subotal: 10191,6.
As duas rúbricas somavam mais de 70% das despesas... Ontem como hoje... Com uma diferença: as bandas filarmónicas tem de competir hoje com os "artistas de variedades" e "bandas de música ligeira" que têm cachês de dezenas de milhares de euros.
Deliciosa é a rúbrica das cavacas: 100 escudos de cavacas (4 quilos) para...os anjinhos (que animavam as procissões...). Ou as dos Zés Pereiras (450 escudos), sem esquecer a GNR que não andava a cavalo nem tinha meio de transporte próprio (400 escudos). Nas despesas com os padres (450 escudos), inclui-se o pregador, que vinha de fora, e cuja obrigação era de arrebatar as almas e de pôr os corações a sangrar...
Apesar da pobreza generalizada (estamos em terras de rendeiros e de grande emigração...), também era vulgar as pessoas ofereceram à Nª Srª do Socorro objetos em ouro (brincos, cordões, fios, pulseiras, etc.), como forma de pagamento de promessas. Essa prática terá aumentado com a emigração e com a guerra colonial, nos anos 60/70. Ainda me lembro de ver, nos anos 70, já no pós-25d e Abril, o andor da santa coberto de notas, escudos, francos, marcos...
As receitas, nesse ano de 1960, foram inferiores às despesas... O prejuízo foi dividido pelos seis mordomos da comissão organizadora (cabendo 961$63, a cada um…).
O meu sogro, além de proprietário agrícola, era construtor de ramadas, ofício que herdou do irmão mais velho. Temos registo da sua facturação de 3 ou 4 décadas. A equipa de ramadeiros era flexível, variando entre 3 a 7, incluindo o próprio construtor e pelo menos um dos seus filhos (primeiro o mais velho, o António que irá para o Brasil e depois para Moçambque, e a seguir o Manuel Ferreira Carneiro, no final dos anos e, mais tarde, nos anos de 1963 a 1967, o José Ferreira Carneiro, o benjamim da família, que também foi mobilizado para Angola (1969/71)
Em geral, o construtor ganhava o dobro dos seus oficiais. Os honorários do construtor vão, nesta época (em que praticamente não havia inflação, até meados dos anos 60) , entre os 30 e os 50 escudos, dependendo do cliente e da distância da obra em relação ao local do estabelecimento principal (que era Candoz, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses). As ferramentas eram dele. O material (esteios, em pedra, e mais tarde em cimento, bem como o fio de arame) eram fornecidos pelo cliente (, o proprietário). Fazia ramadas na região mas também em Trás-os-Montes, nas Quintas do Douro.
Tudo isto para dizer que a soma que ele teve de desembolsar, como mordomo da festa,em 1960, equivalia a um mês de trabalho nas ramadas... Mas a palavra dada para ele era "sagrada",,, Ser mordomo era, de resto, um privilégio e uma honra.
Enfim, outros tempos, outras gentes, outros princípios, outros valores!... E outras formas de sociabilidade e de de lazer.
Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Candoz > 7 de Dezembro de 2007 > A Linha de Caminho de Ferro do Douro, entre o Juncal e Mosteiró, vista da Quinta de Candoz.
Foto (e legenda): © Luís Graça (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Marco de Canaveses, Paredes de Viadores, Adro da Igreja de Nª Sra. do Socorro > 7 de setembro de 2013 > Festa da Família Ferreira > Fotografia de grupo... Pelas nossas contas, e pelas fotos, teremos tido nesse ano mais de uma centena de presenças. A a nossa grã-tabanqueira Alice Carneiro é filha de Maria Ferreira e José Carneiro.
Foto (e legenda): © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Nota do editor:
Último poste da série > 28 de outubro de 2018 Guiné 61/74 - P19142: Manuscrito(s) (Luís Graça) 147): Tinha 14 anos em 1961, o "annus horribilis" de Salazar e da Nação... Depois do desastre da Índia, em 18-19 de dezembro de 1961 e de cinco meses de cativeiro, o general Vassalo e Silva e outros oficiais foram expulsos das Forças Armadas, em 22 de março de 1963... Era um aviso sério para os que combatiam em África.
3 comentários:
Bom dia Luís,
Nesse tempo, 1960, tinha eu 17 anos, e já contribuinte da segurança social (caixa de previdência) há 5 anos, pagava por um cafézinho quente de saco, 14 tostões! alguém sabe o que é isto, não consigo converter eu Euros...
No café do Águia Douro na Praça da Batalha no Porto, às 8 horas da manhã, era a hora de entrar ao trabalho, enchiam aquelas grandes caldeiras, que depois abrindo a torneira saía um café divinal, com um cheiro que nunca mais senti. No Inverno era um antídoto. Depois já no meu local de trabalho, o patrão Gomes, já ia ao cofre, colocando meticulosamente o segredo e depois abrindo aquele tanque de guerra com várias voltas da roda, tirava de lá a sua garrafa de vinho do Porto, e lá bebíamos os dois um copo dele, e estava aberta a sessão de trabalho. Por acaso mais tarde nunca fui grande apreciador de vinho do Porto, talvez porque este ritual se manteve durante mais 6 anos.
Mas antes em 1955, ano da minha entrada na 'escravatura e da exploração da mão de obra infantil', noutra empresa, sem direito a vinho do porto, iniciei o meu vicio do cafézinho, num café para quem conhece A Rua Alexandre Herculano (no Porto) chamado 'LOBITO' e custava então uns 12 tostões. Como já era Inverno foi majestoso. Há duas semanas tive de ir para aquelas bandas à procura de um transformador para o meu velho computador, e lá passei, o Lobito estava ainda lá, conheci-o em 55, tinha aberto em 54, e sem me apetecer fui sentar-me e tomar o café, vulgo para os das bandas do sul, de bica, e que bem me soube e relembrar que tinha conhecido aquela casa há 63 anos. Falei com o dono, ele nem era ainda nascido nessa altura, tomou de trespasse, mas não ligou muito a este simbolismo. Pedi que me desse a factura para recordação minha e paguei com uma moeda de 2 euros, mas ele fez-me o troco de 1 euro, ou seja paguei pelo café 1,65€. Não vou fazer as contas mas talvez o preço de todos os cafés que lá tomei durante 3 anos. Histórias.
E quando havia algum dinheiro, em vez de fazer a minha deslocação a pé, de casa à Batalha, era no mínimo 1 hora, ia por vezes de eléctrico, se chovia muito, o bilhete custava então 4 tostões, com direito a apertos de todo o lado, em especial das meninas mais velhas do que eu, nunca vou esquecer estas coisas. Hoje um miúdo mete-se num Porsche ou Ferrari e vai para a escola fazer praxes......
Boas Festas,
O contador de histórias,
Virgilio Teixeira
Tempos duros, muitos de nós não tivemos tempo de ser crianças...
Vorgílio, tens aqui um conversor de escudos para euros (para valores desde 1960)...
https://www.pordata.pt/Portugal
14 tostões em 1960 seriam, a preços de hoje... 6 cêntimos!
Boa continuação das festas. Luis
Não pode ser esse valor, algo está errado...
6 cêntimos são hoje o equivalente a 12 escudos!! certo?
Eu ganharia nesse tempo pouco mais de 150 escudos, trabalhava 6 dias por semana, mais ou menos 26 dias por mês. Se gastasse 12 escudos num único café por dia, a meio do mês já tinha todo o meu salário gasto só em cafés, e o resto?
Esta coisa do conversor, e com a entrada do euro, distorceu estas contas todas.
Se me dizem que seriam 0,6 cêntimos ainda acredito. Sei que com aquilo que ganhava dava para o café, às vezes para o transporte, e ainda para unas sandes para o lanche.
Eu com 14 anos em 1957, comecei a frequentar a escola comercial à noite e ia logo após o trabalho, não ia para casa comer, tinha de me desenrascar com qualquer coisa, até chegar a casa à meia noite mais ou menos e depois jantar. E assim não dava. Há qualquer coisa a distorcer isto, às vezes nem me lembro o que eram 14 tostões!!! E fico mal como um futuro Economista.
Boa noite,
Ab, Virgilio
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