quarta-feira, 21 de julho de 2021

Guiné 61/74 - P22392: Historiografia da presença portuguesa em África (272): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (9) (Mário Beja Santos)

Sociedade de Geografia de Lisboa > Pormenor da Sala Portugal no decurso de uma exposição


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Novembro de 2020:

Queridos amigos,
Não foi ao acaso que aqui se traz à colação um relato apresentado pela geógrafa Suzanne Daveau referente à expedição científica à Serra da Estrela organizada pela Sociedade de Geografia de Lisboa em agosto de 1981, ela não deixa de referir que a Sociedade, fundada em 10 de novembro de 1875, tinha por finalidade "promover e auxiliar o estudo e progresso das ciências geográficas e afins em território português". Acontece que a finalidade acabou por ser praticamente direcionada para as explorações africanas e a geógrafa deplora que a Sociedade continuava a maltratar os propósitos iniciais, quanto ao território português. E daí passamos para 1900, dentro em breve este período que envolve epopeias de ocupação e pacificação deixará de ser tratado em atas de sessões, elas vão desaparecer com a morte de Luciano Cordeiro e vamos nos próximos textos apresentar o relato dos últimos acontecimentos de 1900, fazendo a súmula de alguma da bibliografia existente sobre este período.

Um abraço do
Mário


O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (9)

Mário Beja Santos

Não se pode perder de vista que na génese fundacional da Sociedade de Geografia se cruzam o entusiasmo emergente pelos conhecimentos geográficos dentro do país e na abordagem recente do III Império, a África que se está a descobrir, a ocupar, a pôr administração e a constituir negócios. Volta-se atrás exatamente porque se encontrou um texto de Suzanne Daveau, eminente geógrafa, casada com aquele que é considerada a figura proeminente da Geografia em Portugal no século XX, Orlando Ribeiro. Ela revelou num artigo o que foi a expedição científica à Serra da Estrela organizada pela Sociedade de Geografia de Lisboa, em agosto de 1881. Saem de Lisboa 42 membros, vão de comboio, foram aclamados por numerosa assistência, está lá o Presidente do Conselho de Ministros. Passam por Coimbra e a Mealhada e no dia seguinte tomam o comboio da linha da Beira Alta, vão até Celorico da Beira. Almoçaram em Santa Comba e quando chegaram a Carregal do Sal foram saudados por alguns dos cavalheiros e os artistas da Filarmónica da terra. Celorico a expedição toma a estrada para a Guarda. Vão fazer o resto do trajeto a cavalo, no dia 4, com almoço em Manteigas e chegam pelas dez da noite ao lugar do acampamento, no planalto superior da Serra da Estrela, a 1850 metros de altitude. De que trata a expedição?

Vão-se dedicar a observações científicas variadas, estão sempre a ser visitados por um arraial de pessoas. Os expedicionários são geralmente lentes de diversas escolas, oficiais superiores do Exército, há até mesmo clínicos distintíssimos. E fica-se a saber que a expedição foi muito dispendiosa, talvez a razão principal por que não se voltou a repetir.

Recorda a geógrafa a tal finalidade da Sociedade de Geografia, “promover e auxiliar o estudo e progresso das ciências geográficas e afins em território português”. A Direção da Sociedade, numa representação ao rei D. Luís, declarou: “Entre os graves problemas que as Ciências Geográficas e a economia comercial têm modernamente posto a caminho da civilizadora e humanitária solução […] avulta, Senhor, a exploração científica, o estudo geográfico na sua mais lata aplicação do grande sertão africano”. A representação da Sociedade junto do monarca destinava-se a apoiar o projeto da Expedição Portuguesa ao Interior da África Austral, expedição que será efetivamente levada a cabo de 1877 a 1879, por Serpa Pinto, Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens.

Voltemos à Serra da Estrela. Tudo começara com a iniciativa de Marrecas Ferreira, Capitão de Engenharia e professor da Escola do Exército, proposta que foi apresentada em 5 de julho de 1880 por Luciano Cordeiro. Mas como explicar que a Sociedade de Geografia tenha excecionalmente tomado interesse e gasto um ror de dinheiro numa expedição de índole caseira?

Pretendia-se com esta expedição científica conhecer a geologia, a fauna e a flora da região, o seu relevo orográfico, formação das torrentes e sua influência nos vales adjacentes, particularmente sobre os do Mondego e Zêzere; possibilidade e vantagens do estabelecimento de um posto meteorológico; sondagens das lagoas, temperatura e densidade das suas águas; riqueza mineralógica e potencialidades da sua exploração; por fim, encontrar vestígios arqueológicos e conhecer as tradições locais. Saber-se-á mais tarde que um dos promotores da expedição foi Sousa Martins, tinha concebido o projeto de montar na Serra da Estrela sanatórios para os tísicos portugueses. Nos preparativos da expedição organizaram-se doze secções científicas, cada uma com o seu programa de trabalho. A expedição foi inconclusiva, Suzanne Daveau refere apreciações críticas duras de que a Sociedade de Geografia ignorara praticamente os temas da Geografia Portuguesa, e diz-se mesmo que o Boletim da Sociedade de Geografia se ocupava primordialmente da História e descrição das colónias portuguesas. Os geógrafos queixavam-se da longa demora em serem aceites como sócios da Sociedade de Geografia. E voltemos ao virar do século XIX. Curiosamente logo em 8 de janeiro de 1900, é pedida a revisão das matérias e conteúdos de Geografia Colonial. Em fevereiro, a Comissão Americana propõe a celebração do Centenário do Descobrimento da América do Sul, prestando-se assim homenagem a Pedro Álvares Cabral. E um sócio propõe uma visita à Igreja da Graça, em Santarém, seria assim uma respeitosa homenagem aos restos de Pedro Álvares Cabral.

O Conselheiro Ferreira do Amaral é reeleito na presidência, o Banco Nacional Ultramarino apoia a participação portuguesa à Grande Exposição de Antuérpia, tida como a mais brilhante e notável representação colonial portuguesa que se tem apresentado em exposições internacionais. Aliás, como vem em várias atas das sessões, passa a ser intensa a participação da Sociedade em encontros internacionais. Retira-se da ata de 5 de março as razões do louvor ao Major Sousa Machado, através do requerimento do Sr. Domingos de Oliveira, que tem o seguinte teor:
“Senhores e Consócios. A vossa Direção considerando os relevantes serviços prestados ao país e à civilização pela intrépida exposição militar organizada em Moçambique, e cometida à inteligente e patriótica direção do ilustre oficial do nosso Exército, o Major Manuel de Sousa Machado, seu comandante;
Considerando quanto representa de esforço e decidida coragem, conduzir uma coluna de soldados europeus, auxiliares e carregadores, muitas léguas pelos adustos sertões africanos que circundam Quelimane, e se prolongam pelo alto Ruo, margens de Chirua até à lagoa Chiuta, e depois pelo vale de Lujenda em direção ao Muembe, quartel principal do destemido e poderoso Mataca, rebelde e revoltado;
Considerando quanto era importante o prestígio do nome português, abatido naquelas paragens pelo desastre que vitimou ali o tenente Valadim, que infligíssemos severo castigo àquele tão audacioso régulo, contra o qual o governo inglês nos fazia sucessivas reclamações em virtude das suas incessantes razias;
Considerando que um tal facto, realizado por forma tão brilhante, deve ser-nos de legítimo orgulho e incentivo, quando notamos outros mais poderosos deterem-se ante dificuldades iguais às que a expedição venceu; o que é para nós prova, aliás desnecessário, de que ainda não se apagou nos portugueses, nem o fogo, nem o génio, nem o valor daqueles que foram dilatando a fé e o Império por terras de além-mar;
Considerando ainda que foi devido à habilidade verdadeiramente tenaz do Major Sousa Machado, auxiliado por todos os seus companheiros de armas, que o País, o Exército e o seu bravo Regimento 5 de Infantaria, puderam inscrever no seu livro de ouro, mais este assinalado feito das armas portuguesas, digno do galardão de todos nós;
E tendo em atenção que os altos poderes do Estado concederam ao nosso prezado consórcio e brioso Major Machado o mais ambicioso prémio que pode ornar a farda do soldado português, o fulvo cordão da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito; a Sociedade de Geografia, sempre pronta a devidamente considerar os patrióticos e relevantes serviços dos seus consócios, prestados na causa colonial, concede ao seu sócio o Major Manuel de Sousa Machado a mais elevada distinção que a sua lei orgânica lhe permite usar”
.

E o Major Sousa Machado passou a ser sócio honorário sem que o Sr. Renato Batista tivesse referido a nota de serviços do Major Sousa Machado, falando da região dos lagos da África Central, é uma narrativa histórica muitíssimo curiosa para culminar no desempenho brilhante de Sousa Machado.

Nesta mesma sessão é apresentada uma proposta para a ereção dos Jerónimos como Panteão Nacional. E como veremos adiante, em 5 de maio realiza-se uma sessão solene comemorativa do Centenário do Brasil, preside o rei D. Carlos.

(continua)

Imagem da Serra da Estrela
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Nota do editor

Último poste da série de 14 DE JULHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22371: Historiografia da presença portuguesa em África (271): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (8) (Mário Beja Santos)

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