quinta-feira, 15 de julho de 2021

Guiné 61/74 - P22373: Tabanca do Atira-te Ao Mar (7): "Círio" à Senhora dos Remédios, Cabo Carvoeiro, Peniche, 13/7/2021 - Parte I: "Pagadores de promessas"

Foto nº 1 > Peniche > Santuário de Nossa Sra dos Remédios > Adro > 13 de julho de 2021 > O grupo de "romeiros" fotografaddos no adro, tendo ao fundo a achada principal da igreja: da esquerda para a direita (...e para "memória futura"), o Joaquim Pinto Carvalho (Porto das Barcas, Lourinhã) o António Pinto da Fonseca (Estrada, Peniche),o Joaquim Jorge (Ferrel, Peniche), a Esmeralda Silva Costa (irmã do Jaime) e o marido, Francisco Costa (Lourinhã), a Lurdinhas (a prima do Jaime e da Esmeralda) (Seixal, Lourinhã), a Alice Carneiro (Lourinhã), o Jaime Silva (Seixal, Lourinhã) e o José Carvalho (Roliça, Bombarral). O fotógrafo foi o nosso editor, Luís Graça.



Foto nº 2 > Peniche > Santuário de Nossa Sra dos Remédios > Adro > 13 de julho de 2021 > Os "quatro magníficos", os "romeiros" que vieram a pé desde a Praia da Areia Branca e chegaram à meta: da esquerda para a direita, Maria do Céu Pinteus, Joaquim Pinto Carvalho, Jaime Silva e Esmeralda Silva Costa.



Foto nº 3 > Peniche > Santuário de Nossa Sra dos Remédios > Adro > 13 de julho de 2021 > Painel de azulejos afixado na parede do lado sul, com listagem, por ordem alfabética, dos círios que aqui vêm (ou vinham) tradicionalmente.  O painel foi oferta da Misericórdia de Óbidos e remonta a 2008. Oito das povoações que realizam (ou realizavam) círios, num total de 33, são da Lourinhã (Atalaia, Areia Branca, Miragaia, Moledo, Reguengo Grande, Reguengo Pequeno, Toledo e Vimeiro)... Só um é da terra (Peniche), o que vem dar razão ao provérbio popular, "Santos da casa, não fazem milagres"...



Foto nº 4 > Peniche > Santuário de Nossa Sra dos Remédios > Terreiro >  13 de julho de 2021 >  Jaime Silva, um "pagador de promessas"...


Foto nº 5 > Peniche > Restaurante "Toca do Texugo" >  13 de julho de 2021 >   O José Carvalho, um "barão do K3", que veio expressamente do Bombarral, para se juntar, na parte final,  aos "caminheiros" da Tabanca do Atira-te ao Mar... Viu, a tempo, a notícia no nosso blogue (*)...  Aqui à conversa com o régulo Joaquim Pinto Carvalho, seu vizinho do Cadaval... Contemporâneos na Guiné , descobriram agora que andaram no mesmo colégio, pelo menos um ano...



Foto nº 6 > Peniche > Santuário de Nossa Sra dos Remédios > Terreiro >  13 de julho de 2021 > Sala de oferendas, onde se acendem velas à Virgem e se depositam ex-votos.


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2021). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Os tabanqueiros da Tabanca do Atira-te ao Mar andam agora... "numa" de peregrinações, romarias, romagens, círios, caminhadas a pé até a um lugar de culto sacro-profano... desde que seja num raio de 20/30 km... 

Uns movidos pela fé, outros para pagar promessas antigas, outros ainda pela nostalgia da infância, e a maior parte... pela simples vontade de (con)viver!... Bolas, três anos de tropa e guerra e, agora, ano e meio de pandemia, não há cristão que aguente!... É caso para erguer as mãos aos céus e perguntar: "Que mal fiz eu a Deus ?!... Se foi o pecado original, bolas, já está mais que pago pago ao fim de tantas e tantas gerações!"...

Há dias foi o "círio" ao Senhor Jesus do Carvalhal (c. 26 km / cinco horas, da Lourinhã ao Carvalhal, no concelho vizinho de Bombarral). Anteontem, 13,  foi a "romaria" à Sra. dos Remédios, em Peniche, a caminho do Cabo Carvoeiro (c.18 km / 4 horas, pela orla costeira, partindo da Praia da Areia Branca, e seguindo por Paimogo, São Bernardino, Consolação. Peniche, Remédios).

A organização foi da parelha Joaquim Pinto de Carvalho / Jaime Silva, dois "antigos combatentes", o primeiro na Guiné (alf mil at inf, CCAÇ 3398, e CCAÇ 6, Bula e Bedanda, 1971/73) e o segundo em Angola (alf mil paraquedista, BCP 21, Angola, 1970/72), e ambos membros da nossa Tabanca Grande.

O Jaime contou-nos, em grupo, que foi pagar uma promessa, atrasada, de meio século. E ele não me levará a mal que eu partilhe aqui esse "pequeno segredo"...com a Tabanca Grande.

Quando ele regressou de Angola, "são e salvo", depois de uma dura comissão, sobretudo no Leste, que lhe deu direito a uma cruz de guerra, a mãe, naturalmente aliviada mas emocionada, confessou-lhe:
– Agora, meu filho, temos que ir a pé à Senhora dos Remédios, pagar a promessa...
– Ó senhora minha mãe, temos que ir ?!...Que história é essa ?... Eu não fiz nenhuma promessa!... E muito menos a de ir a pé à Senhora dos Remédios!
– Ó filho, fui eu que pensei por ti!...
– Então, vá a mãe, que eu estou cansado de andar a pé pelas chanas do leste de Angola...

Fez-se silêncio, criou-se um impasse... Mas a mana mais nova, a Esmeralda, que estava a assistir à conversa, veio salvar a honra da família:
– Ó mano, se não te importas, eu vou por ti!...

E foi, com a mãe, a pé, do Seixal da Lourinhã até aos Remédios, em Peniche,  pagar a promessa à santa, que era devida pelo facto de o Jaime ter regressado "são e salvo"... Enfim, uma "história bonita"...

Quase cinquenta anos depois, em homenagem ao gesto solidário da irmã mas também à grandeza de alma e coração da mãe (já falecida), o nosso camarada Jaime Silva planeou este "círio" (sem vela...). E liderou o grupo dos 4 magníficos que, partindo às 7h30  da Praia da Lourinhã, e seguindo pela costa, chegaram, frescos e felizes, à meta, por volta das 12h30, com uma "paragem técnica", pelo caminho... para "verter águas" e beber um café... (Fotos nº 1 e 2).


2. Os "círios" e os "pagadores de promessas"

Nos anos 60/70 do século passado, os nossos santuários (a começar, "naturalmente", pelo de Fátima) eram locais, muito concorridos, por peregrinos, muitos deles "pagadores de promessas", como os militares, regressados do Ultramar, e/ou suas famílias... (Isso está devidamente documentado nas reportagens da RTP antes e depois do 25 de Abril: Soldados em peregrinação a Fátima (11 de julho de 1965); Peregrinação a Fátima ( 13 de agosto de 1969); Silva Cunha recebe peregrinos da Guiné (22 de maio de 1972);  Assistência aos Peregrinos em Fátima (17 de novembro de 1975)...

"Manifestações de fé" do povo português, escreviam em títulos de caixa alta os jornais da época (, mais apolegéticos do que críticos, e sobretudo rigorosamente vigiados pelos "senhores coronéis da comissão de censura"), sobre as peregrinações a Fátima (Nossa Senhora do Rosário), que ocorriam ao dia 13 de cada mês, entre maio e outubro.

Fátima era então (e continua a ser) o mais "mediático" e "popular" santuário mariano do país. Mas havia (e há)  outros, inúmeros, alguns não  menos conhecidos do que Fátima, de Norte a Sul do país: São Bento da Porta Aberta (Terras de Bouro), Sameiro (Braga), Bom Jesus do Monte (Braga), Nossa Senhora dos Remédios (Lamego), Nossa Senhora da Abadia (Amares), Penha (Guimarães), etc.  todos no Norte, curiosamente...

Outros há, espalhados pelo país, que também eram (e continuam a ser) procurados pelos fiéis, embora a uma escala mais reduzida, local e regional... É o caso, por exemplo, do Senhor Jesus do Carvalhal (Bombarral) e da Senhora dos Remédios (Peniche) ou ainda o da Nossa Senhora da Misericórdia (Misericórdia, Moita dos Ferreiros, Lourinhã)...

O êxodo rural, a emigração (interna e externa), a guerra do ultramar / guerra colonial, a industrialização e urbanização do país, a par do aumento da escolaridade, tiveram reflexos na mudança de "usos e costumes", incluindo as normas e as práticas da religiosidade dos portugueses...

Com a emigração e a guerra do ultramar / guerra colonial, muitas terras ficaram  sem homens adultos... E a incerteza dos tempos terá ajudado a retomar e/ou a fomentar práticas mais tradicionais de religiosidadee como as "peregrinações" e o "pagamento de promessas"... Ia-se a Fátima ou à Senhora dos Remédios (tanto em Lamego como em Peniche) "pedir graças" e "pagar promessas", que a religi~so dos portugueses também era a do "deve e haver": dás-me isto (o "milagre" da cura ou do regresso de um filho da guerra, "são e salco") e eu pago-te (em orações, penitências, ex-votos, dinheiro, géneros...).

Numa época em que a mobilidade ainda era reduzida, e o poder de comnpra reduzido,  e ir a Fátima ficava longe e era caro, ia-se de preferência aos santuários da região, a pé, ou de carroça (só depois de motocultivador, tractor e carro...).

Em todo o lado, este culto é sacro-profano, realizando-se de preferência no verão, findo o essencial dos trabalhos agrícolas... Não é só uma "manifestação de fé", tem sempre uma componete lúdica e festiva. As romarias no Norte metem sempre muito fogo de artifício, música, comes & bebes...

Mas voltemos ao início da nossa conversa... ou ao ponto em que estávamos...

(Continua)
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Nota do editor:

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