quarta-feira, 26 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P990: A tragédia do Quirafo (parte III): a fatídica segunda-feira, 17 de Abril de 1972 (Paulo Santiago)

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Picada de Quirafo > Fevereiro de 2005 > Restos da GMC da CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74), que transportava um grupo de combate reforçado, comandado pelo Alf Mil Armandino, e que sofreu uma das mais terríveis emboscadas de que houve memória na guerra da Guiné (1963/74)... Foram utilizados LGFog e Canhão s/rc. Houve 11 militares mortos, 1 desaparecido... Houve ainda 5 milícias mortos mais um número indeterminado de baixas, entre os civis, afectos à construção da picada Quirafo-Foz do Cantoro. A brutal violência da emboscada ainda hoje é visível, mais de três décadas, nas imagens dramáticas obtidas pelo Paulo Santiago e seu filho João, na viagem de todas as emoções que eles fizeram em Fevereiro de 2005.


Fotos: © Paulo e João Santiago (2006)

III parte do texto A tragédia do Quirafo (1)

Em 2 de Abril de 1972, lá vim pela segunda vez passar férias ao Puto. A 3, segunda-feira de Páscoa, havia o Compasso na aldeia, e aconteceu uma valente borracheira.

Os meus pais tinham alugado um apartamento em Coimbra, tinha uma irmã em Direito e assim passei as férias naquela cidade, fazendo umas saídas rápidas a outras paragens. Por volta de 20, não sei precisar ao certo, estou no café Internacional, junto à Estação Nova, com o meu amigo Julião, ex-Alf da CCAÇ 2701 (2). Entra o meu colega Esteves, da Escola Agrícola, e também Alf Mil em Fulacunda, se não me engano, chegado para férias na véspera, que vem sentar-se à nossa mesa. Perguntou-me onde estava a minha unidade, dizendo-lhe que no dia 2 tinha ficado parte em Galomaro e a restante no Saltinho.

Noto que embatucou. Pergunto:
- Passa-se alguma coisa ?
- Eh pá - responde-me - em Bissau constava que morreram muitos militares numa emboscada no Saltinho.

Venho cá fora comprar o Diário de Lisboa, volto para a mesa, abro o jornal e no local onde vinha a necrologia da guerra vinha escrito: Morreram em combate na Guiné: Alf Mil Armandino (resto do nome e naturalidade)... Seguia-se um Fur Mil, de que não recordo o nome, mais os nomes e naturalidades de mais quatro ou cinco militares.

Eu e o Julião ficámos transtornados. Voltei a ler os nomes, sentindo alguma descompressão por não ser ninguém do 53. Nos dois dias seguintes vieram mais nomes publicados de mortos na Guiné: só conhecia um, o Demba, o comandante da Milícia em Madina Buco.Tinha o resto das férias estragadas, ía ser um mau fim de comissão.

Devo notar que o Spìnola não se encontrava na Guiné quando aconteceu a emboscada, havia aqui mais um arremedo de eleições Presidenciais e haveria alguns elementos mais moderados do regime que tentaram substituir o venerando Thomas pelo Caco. Correu esse boato.

Regressei ao Saltinho onde fui encontrar um ambiente de cortar à faca e onde já estava reunido todo o Pel Caç Nat 53.

Os factos passados antes e após a emboscada foram-me relatados pelos meus Furriéis Dinis e Martins e pelos 1ºs cabos Cosme, Pina e Sanhá. O Fur Mil Mário Rui teve um desempenho de grande valor e coragem que o deixou fortemente abalado psicologicamente. Mais tarde no reordenamento de Contabane, dormíamos no mesmo compartimento, ele tomava dois Vallium por noite para conseguir dormir. Das poucas vezes que estive com ele, aqui em Portugal, notei que continuava ainda muito apanhado pela actividade que teve em 17 de Abril de 1972.

Em 10 de Abril de 1972, por ordem do comandante de Batalhão [BCAÇ 3872], C. Lemos, executada de imediato pelo proveta Lourenço (1), começou a abertura da famigerada picada, ligando o Quirafo à foz do Cantoro. Era uma segunda-feira.

Continuaram com os trabalhos durante a semana, interrompendo no Sábado e Domingo. Segunda-feira, 17, voltou a sair, para os trabalhos um Gr Comb comandado pelo Alf Mil Armandino, transportado numa GMC e num Unimog 404. Pararam em Madina de onde levavam 2 secções de milícias e pessoal civil para proceder à desmatação do itinerário que estavam a abrir.

Há uma informação que me transmitiram e que sempre tive dificuldade em acreditar ser possível, mas ainda em Fevereiro de 2005, em Madina, voltaram a confirmá-la. Dizem-me que ao chegar a Madina, o Demba, comandante das milícias, disse ao Armandino que um caçador na véspera, Domingo, tinha encontrado um local já perto do Quirafo, onde no Sábado um grande grupo do IN estivera emboscado à espera da tropa. E dizia mais:
- A população não quer ir e será melhor desistir da picada.

Qual a razão que levou o Alf Armandino a não acreditar ? Porque quis prosseguir, utilizando até algumas ameaças para obrigar os civis a subirem para a GMC ? Não tenho uma explicação racional para esta atitude.

Prosseguiram. Segurança nula. Imaginem uma GMC carregada a monte com militares, milícias e população civil numa zona de perigo.

Perto do Quirafo o condutor da viatura apercebe-se de um turra armado atrás de um baga-baga. Trava e rebenta o fogachal. Apesar de não terem entrado completamente na zona de morte, morrem logo uns civis aos primeiros tiros e roquetadas . A confusão foi infernal. O Alf Mil Armandino abriga-se atrás da roda da frente da viatura, é detectado, atiram uma roquetada na roda que lhe fica nas costas e é o fim.

O Unimog que vinha sem ligação nenhuma com a GMC fez meia volta aos primeiros rebentamentos. Há uns militares que se deitam no chão da viatura, mas há um 1º cabo de transmissões que, a certa altura, se levanta, salta com o AVP1 às costas, apanha um tiro no braço e corre em direcção aos atacantes. É apanhado à mão. O IN logo de seguida aponta uma canhoada (é verdade, uma emboscada com canhão S/R!!!) para o centro da viatura, estavam lá oito homens e umas granadas de bazooka, ficaram queimados e desfeitos.

Não consigo escrever mais hoje. Continuarei.

Paulo Santiago

Guiné > Zona Leste > Sector de Galomaro > Saltinho > Contabane > Pelc CAÇ 53 > 1972 > O Paulo Santiago com o canhão sem recuo 82 B-10.

Foto: © Paulo Santiago (2006)

Guiné > Canjadude > 1974 > Posto de controlo do PAIGC, vendo-se um grupo de guerrilheiros armados com duas armas míticas e temíveis: a Ak 47 ou Kalash e o LGFog RPG-7.

Fonte: João Carvalho / Wikipédia > Guerra do Ultramar (2006) (com a devida vénia)

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Notas de L.G.

(1) Vd. posts anteriores:

23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)

25 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P986: A tragédia do Quirafo (Parte II): a ida premonitória à foz do Rio Cantoro (Paulo Santiago)

(2) A CCAÇ 2701 (Saltinho, 1970/72) foi substituída pela CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74).: vd post de 25 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P985: CCAÇ 3490 (Saltinho), do BCAÇ 3872 (Galomaro, 1971/74)

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