sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1508: LFG no Cumbijã, marujos contra infantes ? Acidentes de guerra (Pedro Lauret)



Guiné > Região de Tombali > Rio Cacine > O Pedro Lauret, oficial imediato da LFG Orion (1971/73), a navegar no Cacine. Em segundo plano, o comandante Rita.

Depois de ter completado o Curso de Marinha na Escola Naval (1967/71), o Pedro Lauret foi promovido a Guarda-Marinha em Julho de 1971, tendo embarcado para a Guiné, em Setembro de 1971. Aí exerceu o cargo de Oficial Imediato do NRP Orion. Na sua comissão na Guiné (1971/73) exerceu intensa actividade operacional em todos os rios e braços de mar navegáveis pelo navio (Cacheu, Geba, Buba, Tombali, Cumbijã, Cacine, Bijagós).

Foto: © Pedro Lauret (2006).Direitos reservados.

1. A propósito da última crónica do nosso Palmeirim de Catió (1), mandei aos nossos dois marinheiros, Manuel Lema Santos e Pedro Lauret, o seguinte SOS, com pedido de esclarecimento:

Queridos marinheiros: Peço para darem uma vista de olhos a esta crónica… O nosso Palmeirim troca o Cumbijã pelo Geba e as LGF pelas corvetas… Fiz a devida correcção… Mas queria a vossa douta opinião… E depois a Marinha a matar os nossos infantes, também não é coisa que se faça… Aconteceu, podia acontecer… (?). Saudações, com água doce e salgada. Luís

2. A resposta do Pedro Lauret (2) foi gentilíssima e célere. Aqui fica:

Caro Luís,

Não tenho conhecimento do episódio que é narrado, nem sequer tal assunto foi ventilado no tempo da minha comissão. De qualquer forma vou tentar investigar o que aconteceu para depois vos comunicar. Talvez o Lema Santos, que fez a sua comissão antes de mim, tenha ouvido falar no incidente.

Tenho alguma dificuldade em perceber a situação operacional que poderia estar por detrás de tão grave incidente. As LFG estavam armadas com duas peças Bofors de 40 mm, peças anti-aéreas, de ritmo de fogo de 120 munições por minuto. Como peças anti-aérea estavam preparadas para efectuar tiro tenso, ou seja, para aproveitar utilmente a parte rectilinea inicial da trajectória. O tiro contra-costa fazia-se sobretudo tudo em situações defensivas, com o IN à vista - tiro contra as margens ou para o orla da mata em clareiras.

Não possuíamos mecanismos de tiro contra alvos fora da visão directa dos apontadores. Ou seja, não havia condições para, de forma útil, efectuar tiro contra alvos fora do alcance visual, ou seja, tiro curvo. Nem as peças estavam vocacionadas para tal fim. Só seria possível se dispusesemos de uma direcção de tiro que permitisse posicionar as peças relacionando o movimento do navio, as coordenadas do alvo e os elementos de tiro.

Tanto quanto sei, quando foi necessário efectuar tiro contra costa foram utilizadas as peças de fragatas, no início da guerra, por exemplo na Operação Tridente [, na Ilha do Como, Janeiro a Março de 1964] ou posteriormente e raramente a peça de 120 mm do Navio Hidrográfico Pedro Nunes.

Acidentes numa guerra como foi a da Guiné existiram e não é de admirar, a proximidade dos combatentes era grande e as comunicações nas nossas FA nunca foram o seu forte!!! Numa operação em que estão envolvidos muitos meios, a coordenação deve ser perfeita, caso contrário os acidentes são inevitáveis. Todos estamos lembrados do Vietname e mesmo agora no Iraque.

Basta por vezes um conjunto de circunstâncias se conjugarem para o acidente ocorrer, por exemplo, o meu navio [, a LFG Orion,] foi uma vez flagelado pela artilharia de Binta.

Recebemos uma mensagem, ao fim do dia, para apoiar Binta que estava a ser flagelada com grande intensidade. Subimos o rio e um pouco a montante da clareira do Tancroal, vimos claramente as saídas do IN. Abrimos fogo intenso tendo calado aquele grupo atacante.

Em Binta o pessoal ouviu rajadas e uma chuva de tracejantes pouco habitual que presumiu ser do IN e abriu fogo. Fomos contemplados com uma salva de obus (salvo erro, de 14), que rebentaram na margem muito próximo de nós, com uma imponência de pôr em sentido o mais valente marinheiro. Suspendemos o tiro continuamos a subir o rio em direcção a Binta sem mais qualquer incidente.

Um abraço
Pedro Lauret
Capitão de Mar e Guerra, na reforma,
antigo imediato do NRP Orion,
Guiné (1971/73)

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1502: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (8): Com Bacar Jaló, no Cantanhez, a apanhar com o fogo da Marinha

(2) Vd. também o último post do Pedro Lauret: 12 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1423: Questões politicamente (in)correctas (15): Na guerra não vale tudo (Pedro Lauret)

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