terça-feira, 3 de março de 2015

Guiné 63/74 - P14317: Historiografia da presença portuguesa em África (60): O caso da empresa Nunes & Irmão Lda., dos irmãos Gentil e Artur Nunes GENTIL E ARTUR NUNES. (Jorge Araújo)

1. O nosso camarada Jorge Araújo (ex-Fur Mil Op Esp / Ranger, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/1974), enviou-nos a seguinte em 26 de Fevereiro: 

HISTORIOGRAFIA DA PRESENÇA PORTUGUESA NA GUINÉ
-O CASO DA EMPRESA NUNES & IRMÃO, LDA. - 
[GENTIL E ARTUR NUNES]

1– INTRODUÇÃO 

Venho acompanhando com alguma curiosidade a publicação dos diversos postes da autoria do camarada Mário Vasconcelos [1.º-P14164…],estruturados a partir do conteúdo da Revista “Turismo” n.º 2, de Jan-Fev/1956, onde estão anunciadas algumas das casas comerciais existentes, naquela época, na então província portuguesa da Guiné. 

Entretanto, a recente morte do nosso camarada guineense Amadu Bailo Jaló (1940-2015), nascido no mesmo dia que eu, mas uma década antes [10.Nov], levou-me a fazer nova consulta ao baú de memórias e imagens, recuando a 1973 – ano em que Amadu Jaló foi condecorado com a Medalha de Cruz de Guerra de 3.ª Classe. 

Ao recorrer a este elemento de certificação histórica, para recordar a sua CCmds Africanos em desfile militar, em Bissau, quisemos-lhe prestar uma singela homenagem [P14284], uma vez que a ele tinha assistido [desfile] dias antes do início do Julgamento Militar [7DEC1973] relacionado com o «Naufrágio no Rio Geba de 10AGO1972», sendo, por isso, pertinente que o considere no âmbito do programa das comemorações do 1.º de Dezembro desse ano. 

De uma dezena de fotos guardadas desse evento de 1973, reproduzimos metade relacionando-as com cada um dos parágrafos anteriores, e que no seu conjunto servem para legitimar o título desta narrativa.


2– AS FOTOS SELECCIONADAS 


Foto 1 – Bissau> DEZ1973 – A Companhia de Comandos Africanos no desfile militar realizado no âmbito das comemorações do 1.º de Dezembro de 1973, que contou com a presença de efectivos dos três ramos das Forças Armadas em missão ultramarina no CTIG.


Foto 2 – Bissau> DEZ1973 – Elementos da 38.ª Companhia de Comandos [1972/74] no mesmo desfile militar na Avenida da República [hoje Av. Amílcar Cabral] em 1DEC1973.


Foto 3 – Bissau> DEZ1973 – Rectaguarda do desfile militar na Avenida da República [hoje Av. Amílcar Cabral] realizado no âmbito das comemorações do 1.º de Dezembro de 1973. 


Foto 4 – Bissau> DEZ1973 – Peças de Obus integradas no desfile militar na Avenida da República realizado em DEC1973. Ao centro, no painel de publicidade, faz-se referência à firma Salgado & Tomé, empresa que consta na Revista anteriormente citada [2.º-P14167]. 


Foto 5 – Bissau> DEZ1973 – Fanfarra do Exército constituída integralmente por guineenses após concluído o desfile militar na Avenida da República [hoje, Av. Amílcar Cabral], aguardando ordens para destroçar. À esquerda, um polícia sinaleiro [um ícone daquela época]. 

Na rectaguarda dos militares é possível identificar a loja da firma Nunes & Irmão, empresa dedicada ao comércio geral [Importações/Exportações], cuja referência não consta na mesma Revista… Porquê?


3– A BISSAU DOS ANOS 50, QUE EU CONHECI (MÁRIO DIAS) 

A propósito da interrogação suscitada pela ausência de referências na Revista “Turismo”à empresa Nunes & Irmão [foto acima],e na procura de resposta[s] a esta curiosidade em saber o que esteve na sua génese e qual a origem destes compatriotas lusos, realizei, com algum sucesso, uma pequena investigação cujos resultados partilho agora convosco. 

A primeira fonte consultada, como não podia deixar de ser pelo extraordinário espólio histórico que disponibiliza, foi o blogue da nossa «Tabanca Grande», onde o camarada Mário Dias [ex-sargento comando e instruendo no 1.º CSM realizado em Bissau, em 1959 – P2343] nos caracteriza sumariamente a Bissau dos Anos 50 [P2691].  

Com efeito, a firma Nunes & Irmão e as suas instalações sede [edifício da foto 5] são identificadas por Mário Dias na foto abaixo pelo telhado. De referir, que entre as duas fotos [4 e 5] existe uma diferença temporal de duas décadas.


Foto 6 - Bissau> Anos 50> Perspectiva da Avenida da República [hoje, Av. Amílcar Cabral] obtida a partir da torre da catedral já ao final do dia. O primeiro edifício, de que se vê pouco mais que o telhado, é a sede de uma das importantes firmas comerciais da Guiné: Nunes & Irmão. Mais ao fundo, do lado direito, o cinema UDIB e o palácio do governador na praça do Império. O edifício da Associação Comercial (hoje PAIGC) situado na mesma praça, ainda não existia (MD), [P2691, 27Mar2008 – com a devida vénia].


4– HISTÓRIAS DE VIDAS PORTUGUESAS NUM POBRE PARAÍSO

Uma segunda fonte de informação, e que acabou por esclarecer as questões de partida, foi obtida por via de uma reportagem realizada por jornalista (?) do matutino Correio da Manhã, publicada em 15 de março de 2009, com o título abaixo repetido [www.cmjornal.xl.pt].


A reportagem faz a ponte entre o antes e o depois da independência da Guiné-Bissau, onde se afirma que os portugueses “chegaram há muitos anos e resistiram a todos os conflitos nesta antiga colónia portuguesa. Aconteça o que acontecer, nada os fará regressar a Portugal. Insurgem-se até contra a imagem exterior da terra que adoptaram. Para estes portugueses, a Guiné-Bissau, país entre os dez mais pobres do mundo, é um pedaço do paraíso na Terra”.

Quanto à história de vida da família Nunes, fundadora da firma Nunes & Irmão e, depois, da Residencial Coimbra, os testemunhos foram divulgados na entrevista dada por Francelina Nunes, nora de Gentil Nunes. Este e o seu irmão Artur Nunes acabariam criar a sua primeira empresa nos anos vinte do século passado.

Transcrevemos, na íntegra e com a devida vénia, o que está escrito sobre a história de vida desta família de portugueses.

“Francelina Nunes, 64 anos, [1945-] deixou Góis, em Coimbra, em 1964, com apenas 19 anos, para juntar-se ao marido, repetindo um trajecto iniciado pelo sogro, Gentil Nunes, e o irmão, Artur Nunes, nos primeiros anos do século XX. Em 1920, depois de trabalharem na mais famosa empresa do País naqueles anos, a Casa Gouveia, conseguiram juntar um pé-de-meia que lhes permitisse criar uma empresa.

Assim nasceu a Nunes & Irmão, uma imagem de marca da Guiné com rosto luso. A residencial Coimbra é a face mais visível deste projecto empresarial, com 86 anos de vida. "Somos a terceira geração da família à frente dos negócios", diz Francelina Nunes, muito longe de se arrepender de, há 44 anos, ter deixado Portugal. "Foi fácil gostar da Guiné porque, quando cheguei, Bissau era uma cidade viva e o clima era óptimo.

Nestes anos todos, a única tragédia foi a guerra de 1998, entre Nino Vieira e Ansumane Mané. A guerra colonial era feita longe daqui, no campo, esta aconteceu mesmo na cidade. E foi horrível".

Francelina surpreendeu-se com a sua própria coragem, entre os escombros de Bissau, quando empreendeu acções merecedoras da condecoração do então Presidente da República, Jorge Sampaio: "Tivemos muita gente refugiada em nossa casa e, talvez por isso, o Presidente tenha decidido condecorar-me. Se nunca passámos fome foi porque tivemos ajuda humanitária. As organizações sabiam que havia muita gente aqui e ajudavam-nos".

Habituada a ver portugueses chegarem a Bissau, Francelina garante que há uma excelente relação entre os nacionais e os forasteiros. "Quase todos os portugueses que vêm para cá fazem-no no âmbito de projectos e chegam com vontade de ajudar este povo. Converso com muitos, que se hospedam no nosso hotel, e nunca vi nenhum muito contrariado por aqui estar. A verdade é que também não se metem na vida política local".

Francelina diz que a imagem que a comunidade internacional tem da Guiné-Bissau é distorcida: "Sabemos que isto não é um mar de rosas, mas passam imagens tristes do país. Mesmo na Europa, a vida não está fácil. Se um europeu não tiver um bom ordenado e uma vidinha organizada, também passa por dificuldades. Bissau enfrenta problemas com a luz e a água, mas em matéria de alimentação, móveis e bens de primeira necessidade, não falta nada. Não se formam filas em lado nenhum, tudo pode ser comprado. A Guiné não é um país pobre. Pobres são aqueles que nem têm uma folhinha verde".

Francelina não pára o novelo cor-de-rosa que desenrola sobre o país de adopção. "Pode haver um ou outro roubo de telemóvel, mas aqui não acontece nada de especial. O problema aqui é a instabilidade política. Há sempre um golpe ou outro problema parecido e isso contribui para que os brancos sintam medo".

O amor de Francelina Nunes pela Guiné é secundado por Alexandre ‘Xia’ Nunes, 40 anos [1969-], um dos dois filhos de Francelina e extremamente popular na cidade. Tanto ele como o irmão, Miguel, 44 anos [1973-], nasceram na Guiné-Bissau, embora os estudos tenham sido feitos em Portugal. Em 1990 optaram pelo país de origem. "Estudei em Coimbra até ao 2.º ano de Informática, mas decidi regressar. Durante 12 anos de escolaridade, estudei sempre com a ideia de voltar à Guiné e não estou nada arrependido. A vida na Europa é muito cansativa, há demasiado stress. Tenho lá muitos amigos e percebo que a vida deles não é nada fácil". ‘Xia’ defende que a Guiné é um país de oportunidades, à espera da estabilidade política.

"Em Portugal pensam que isto é o fim do mundo, é uma ideia transmitida às pessoas que não corresponde à realidade. Não devem ser as coisas fúteis, como cinemas e centros comerciais, motivos de escolha de uma terra".

Na opinião deste luso-descendente, os guineenses são os mais hospitaleiros entre todos os naturais dos países africanos de expressão portuguesa. Só a instabilidade política trava o arranque definitivo do desenvolvimento do país. "Cada vez que há uma situação como esta, que redundou nos assassínios de Nino Vieira e Tagmé na Waié [no início deste mês], os investimentos estrangeiros deixam de ser feitos e volta tudo à estaca zero. É chato um governo estabelecer contractos com a Guiné-Bissau e de repente cair tudo por terra porque houve uma mudança de dirigentes, em apenas três ou quatro meses. Assim é difícil, mas acredito que a Guiné-Bissau tem condições para evoluir". 

‘Xia’ Nunes reconhece, no entanto, que há dois pólos de desenvolvimento que devem merecer atenção especial, para atrair estrangeiros: "O principal problema é a falta de escolas e hospitais. Qualquer pessoa que venha trabalhar para aqui quer ter os filhos consigo. Tem de haver escolas e serem complementadas com uma boa política de saúde. Não há necessidade de, por tudo e por nada, às vezes coisas mínimas, se ter de transportar um doente para Dakar ou Lisboa. Por que razão hei-de estar aqui e ter os filhos em Coimbra?".

Quanto à Residencial Coimbra, esta localiza-se no centro da cidade de Bissau, junto à Catedral de Bissau, sobre a firma Nunes & Irmão, Lda. [foto 5]. Compõe-se de 16 quartos amplos, equipados com casa de banho privativa, duche, água quente, água e luz, ar condicionado, cofre, mini bar, tv, video e dvd. Quartos duplos e quartos simples, alguns voltados para a Avenida Amílcar Cabral [antiga Avenida da República], outros voltados para um terraço tropical interior. Dispõe, ainda, de sala de pequenos-almoços, ampla, voltada para a avenida principal e de uma sala de convívio com bar, mesa de jogos, internet, tv e um amplo terraço para lazer e repouso. 


5– FOTOGALERIA DA RESIDENCIAL COIMBRA





Depois da triangulação entre três temas e algumas fotos, resta-me terminar citando o que é habitual dizer-se nas tertúlias: “as conversas são como as cerejas…” isto é, encadeiam-se umas nas outras, o mesmo acontece com a escrita… é difícil parar.

Um forte abraço, com amizade, do
Jorge Araújo.
Fur Mil Op Esp / Ranger, CART 3494
___________

Nota de M.R.: 

Vd. Também o último poste desta série em: 


1 comentário:

Hélder Valério disse...

Caro amigo Jorge Araújo

Trabalhinho de casa feito com esmero!
Pois gostei de ler.
É assim que se vai consolidando a nossa memória e o reavivar das recordações.

Evidenciaste a publicidade à casa "Salgado e Tomé". Conheci. Comprei lá o meu relógio Tissot que trouxe no regresso. Tinha entrada para o largo onde estava o "Zé d'Amura".

Quanto ao que se apresenta da "Nunes & Irmão", tendo em conta os relatos do "Correio da Manhã", parece-me justo que aquela família seja digna de respeito pela forma como conseguiram, a pulso, manterem-se e sobreviverem passando por todas as circunstâncias que conhecemos.
As opiniões dos filhos são muito significativas e, na realidade, se os guineenses conseguirem manter alguma estabilidade ainda podem ter esperança.

Abraço
Hélder S.