Bom dias camaradas
Porque há coisas que a memória não esquece, hoje é um daqueles dias.
Se acharem por bem coloquem para que se HONRE a memória daqueles nossos companheiros.
Um abraço
Armando Faria,
Fur. Mil.
CCAÇ 4740
Os dias sucedem-se num “correr” sem fim e deles nem tudo a memória regista, mas…
Ficam-nos momentos inolvidáveis que a gente se deleita em recordar…
Outros que nós desejaríamos apagar para sempre…
Mas foram esses dias e são essas memórias que nos construíram…
Hoje recordamos o dia 02 Março de 1974 e fazemos memória daqueles que dali partiram do nosso convívio.
“DITOSOS OS DIGNOS DE MEMÓRIA”
Guiné - Região de Tombali - Cufar - Horror, impotência e luto.
Foto: © António Graça de Abreu (2009). Todos os direitos reservados.
“A 02 Março, pelas 16h30, é accionada uma mina anticarro no percurso de acesso ao porto de Cufar-Rio Manterunga pelo jeep do Pelotão de Intendência 9288.
O jeep “voou”, os corpos dos seus cinco ocupantes ficaram espalhados em redor num cenário dantesco tal foi a violência da carga explosiva que o atingiu.
A cratera aberta no solo ficou com um diâmetro de cerca de 2 metros por quase outros tantos de profundidade, pude confirmar como especialista de MA, fiz o reconhecimento ao local nos minutos que se seguiram.
Ali de imediato foi ceifada a vida de 4 homens, o soldado caixeiro RODRIGO OLIVEIRA SANTOS, natural de Romariz, Santa Maria Da Feira, onde está sepultado, mais 3 estivadores africanos que foram sepultados no cemitério de Cufar.
A registar mais 01 ferido grave, o Fur. Mil. CARLOS ALBERTO PITA DA SILVA, que face à gravidade dos ferimentos sofridos veio a falecer no HM 241 a 17 Março.
Era natural do Monte, Funchal, e está sepultado no cemitério das Angústias.
Guiné - Região de Tombali - Cufar - Porto do rio Manterunga - 2 de março de 1974 - Batelão ao serviço do BINT (Batalhão da Intendência, de Bissau), em chamas, depois de ter accionado uma mina.
Foto: © António Graça de Abreu (2009). Todos os direitos reservados.
Pelas 22h00, com o baixar da maré dá-se novo rebentamento, agora é uma mina que estava colocada no leito do Rio Manterunga, foi accionada pelos barcos que estavam a ser descarregados no porto, tendo originado a morte de mais 3 civis estivadores e ferido 13 que são recolhidos, há ainda a registar 18 civis considerados mortos, carbonizados ou desaparecidos".
Muitos de nós estávamos lá!
Armando Faria,
Fur. Mil.
C CAÇ 4740
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Nota do editor
Último poste da série de 10 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14002: Efemérides (180): A grande invasão a Conakry foi há 44 anos - Artigo da autoria de Luís Alberto Bettencourt publicado no "Açoriano Oriental" (Luís Paulino)
6 comentários:
Foi horrível esse dia. Estava em Catió a manter segurança à abertura da estrada Catió/Cufar e no dia seguinte visitei o local.Fiquei horrorizado tal o cenário encontrado. Se não estou em erro, o batelão levava bidões de combustível que ao explodirem tornaram o cenário dantesco. De Catió eram visíveis as chamas da explosão. Aos sacrificados, o respeito pela sua memória.
José Maria Araújo
ex-Alferes Mil.Bat.CAV.8320/72
Caro camarada Armando Faria
A esta distância temporal resta-nos fazer como agora fizeste:
não esquecer,
recordar,
para honrar a memória daqueles que tombaram e que não podem, nem devem, ser esquecidos.
Abraço
Hélder S.
São palavras de Mário Beja Santos a meu respeito na recensão ao meu Diário da Guiné, jamais publicadas neste blogue, mas que estão seu livro "Adeus, até ao meu regresso" Lisboa, Âncora Editora, 2012, pag. 399:
"Estamos já em Março de 1974, a comissão está prestes a findar. ele (António Graça de Abreu) não fala de outra coisa. Regista novos desastres de guerra, não é protagonista, mas vai ver. (...)E dá-nos um quadro apocalíptico do rescaldo de uma mina anti-carro que fora accionada entre Cufar e o porto do rio Mantemungo (deverá ser Manterunga!)
Na extraordinária recensão, um pouco antes, Mário Beja Santos escreve, a meu respeito:
"É uma prosa que impressiona pelo poder de ocultação, o repórter/narrador mistura-se com a turba armada, ou ouve depoimentos dos combatentes, momentos há em que gera a simulação de que andou nos confrontos ou que lhe assiste o imperativo de ser o cronista da guerra que os outros fazem."
Recomendo ao Mário Beja Santos, pessoa de bem, homem honesto e bem formado, intelectual de excelência, que leia o que escrevi em Cufar (e vivi!) no meu Diário da Guiné, a 3 de Março de 1974.
Abraço,
António Graça de Abreu
Do blogue da Ccaç. 4740, retiro o testemunho do furriel, António Farinha, sobre os dias 2/3 de Março de 1974, em Cufar.
"Há momentos que jamais esqueceremos...! A história é feita desses momentos, factos e registos que nos modificam.
Dessa forma, vão-se juntando novos factos ou dados duma realidade em que eu estive presente.
Concordo com o que aqui é referido, mas..., talvez não fique mal acrescentar mais alguma coisa sobre o que sucedeu.
Durante muito tempo vivi o pavor dos acontecimentos ocorridos nessa data, particularmente, junto aos barcos.
Procurei esquecer, esses acontecimentos e o trauma a que fui sujeito. Em sonhos tive alguns pesadelos, mas... já passou!
O primeiro livro que li, onde voltei a recordar esses acontecimentos, chama-se:
"Diário da Guiné - Lama, Sangue e Água Pura - do nosso companheiro António Graça de Abreu (Ex-Alferes Miliciano).
Confesso que a emoção foi grande e não contive as lágrimas ao recordar essa passagem.
O segundo livro que li, onde aborda essa questão, chama-se: C. CAÇ. 4740 - "Leões de Cufar" - A História da Companhia Vista pelo ex-Furriel Miliciano Armando Faria.
Sei que pouca (ou nenhuma) importância tem, saber quem estava, no momento do rebentamento nos navios, a montar segurança nesse porto (e a pequena distância dos mesmos a observá-los). Mas..., se assim o entenderem, numa nova edição dos vossos livros, podem acrescentar mais qualquer coisa sobre o assunto.
Coube-me, no período entre as 18H00 e as 24H00, do dia 02/03/1974, montar segurança no porto de atracagem, junto s esses batelões (navios). O Ex-Furriel Miliciano, António José Nunes Farinha, com um grupo de companheiros açorianos, estava próximo dos navios quando ocorreu o rebentamento. Valeu-nos a prudência, a sorte, o sexto sentido e os acontecimentos anteriores para que o nosso destino fosse diferente daqueles que morreram, desapareceram ou ficaram feridos (como resultado desse rebentamento). Era hábito, em situações anteriores, ficarmos a conversar com os estivadores (por vezes sobre os navios) e a beber umas cervejas que eram dadas como perdidas ou extraviadas.
Nesse dia, a minha ordem (quiz assim o destino) foi de que ninguém ficava junto aos navios; houve alguns protestos e a aceitação do que pretendia. Montámos, na bolanha, a pequena distância dos navios, uma emboscada. Desta forma víamos os navios e as ocorrências que previa acontecerem. Estávamos protegidos e esperava que houvesse um ataque do PAIGC aos navios. A minha especialidade, Armas Pesadas de Infantaria, e a percepção do que tinha acontecido anteriormente, levou-me a que deixa-se um ou dois morteiros 81 apontados para a margem oposta ao local onde estavam os navios. Dessa forma, caso fossemos atacados, bastava pôr granadas nos morteiros para um batimento da zona.
Tudo o resto é do conhecimento geral. Não pretendo falar mais sobre isso.
Eu (e os homens que comigo foram) estavamos próximo dos navios (estavam à nossa vista), aquando do rebentamento (em 02/03/1974), cumprimos (em segurança) a nossa missão. Não bebemos cerveja, salvamos as nossas vidas.
A todos um abraço deste leão de Cufar.
António Farinha "
Agora digo eu, António Graça de Abreu.
O que nos vale é termos neste blogue um figura com a estatura, moral, intectual e cívica, um grande senhor como o Mário Beja Santos para nos explicar -- em admiráveis recensõs - a natureza da guerra que todos vivemos e o nosso comportamento debaixo de fogo, neste caso o meu. Diz Mário Beja Santos, a propósito do meu Diário da Guiné: "É uma prosa que impressiona pelo poder de ocultação, o repórter/narrador mistura-se com a turba armada, ou ouve depoimentos dos combatentes, momentos há em que gera a simulação de que andou nos confrontos ou que lhe assiste o imperativo de ser o cronista da guerra que os outros fazem."
Os mortos (dezanove naquela noite em Cufar) merecem-me uma eterna dignidade e respeito.
Alguns vivos, que sobre nós escrevem não merecem nada.
Abraço,
António Graça de Abreu
Caro Graça de Abreu
Voltei a passar por este 'post' e li o teu último comentário.
Oh António, mas que raio de contradição é esta?
Dizes, e muito bem, que "os mortos merecem-me uma eterna dignidade e respeito". Merecem-te e merecem-me e acho que isso é inquestionável. Estou perfeita e inteiramente de acordo contigo.
Mas, até por isso, porque raio te foste aproveitar desta evocação (o tal respeito pelos mortos), para desbobinares, mais uma vez, as tuas 'mágoas' contra o MBSantos? Achas isso bem?
Já disse, já escrevi, já reescrevi, que tenho em grande apreço o teu livro com o teu diário da Guiné. Foi ele que me conduziu a este Blogue e que me fez voltar a lembrar aqueles tempos, aquelas paragens, aquelas gentes.
E não só por razões 'sentimentais'. É, quanto a mim, um interessante e muito valioso registo de impressões pessoais, a 'quente', sobre os acontecimentos que estavam a decorrer. Nele, o autor dessas memórias, tu próprio, registou as impressões e as percepções que tinha no momento, certamente aqui e ali, influenciados pelos conceitos que tinha (que eventualmente teria...) e também pelas vivências vividas, passe a redundância.
São relatos que ajudam a 'ver', a perceber o que se passou.
Foste 'puxar' as referências feitas aos teus escritos. Muito bem. É justo e é merecido.
A seguir apetece-te 'malhar' no Beja Santos e repetes o que tinhas escrito no comentário anterior.
Não estou aqui a dizer que não terás razões de queixa.
Não digo que não tens direito à indignação quanto te sentes ofendido.
Não digo que não te deves defender do que considerarás 'agressão intelectual'.
O que acho é que já era tempo de se ultrapassar (e resolver) essas pendências e não utilizar este 'respeito pelos mortos' como arma de arremesso.
Aceita um abraço
Hélder S.
Obrigado, Hélder, pelas tuas palavras. Dizes:
"Tenho em grande apreço o teu livro, o teu Diário da Guiné. Foi ele que me conduziu a este Blogue e que me fez voltar a lembrar aqueles tempos, aquelas paragens, aquelas gentes.
E não só por razões 'sentimentais'. É, quanto a mim, um interessante e muito valioso registo de impressões pessoais, a 'quente', sobre os acontecimentos que estavam a decorrer. Nele, o autor dessas memórias, tu próprio, registou as impressões e as percepções que tinha no momento, certamente aqui e ali, influenciados pelos conceitos que tinha (que eventualmente teria...) e também pelas vivências vividas, passe a redundância.
São relatos que ajudam a 'ver', a perceber o que se passou."
Agora lê o que escreve o Mário Beja Santos a propósito do meu Diário da Guiné, quando tenho comigo, para sempre, na alma, a morte daqueles dezanove homens, em Cufar, noite de 2 para 3 de Março de 1974:
"É uma prosa que impressiona pelo poder de ocultação, o repórter/narrador mistura-se com a turba armada, ou ouve depoimentos dos combatentes, momentos há em que gera a simulação de que andou nos confrontos ou que lhe assiste o imperativo de ser o cronista da guerra que os outros fazem."
Estamos entendidos?
Não odeio ninguém, mas desprezo algumas pessoas.
Abraço,
António Graça de Abreu
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