quinta-feira, 20 de outubro de 2005

Guiné 63/74 - P232: Cooperação, caridade ou negócio ? (3) (Paulo Salgado)

Escola de Dugal, no Olossato, na região do Cacheu.

© Paulo Salgado e João Faria (2005)

Texto enviado de Bissau, através do bombolom do Paulo Salgado:

A proposta do João Tunes é excelente: partilhar um pouco do nosso sentido (ou sentimento?) de solidariedade é algo que dignifica e honra quem o faz, e minora parcelas de penúria, para não dizer miséria.

O que se passa em S. Domingos [que fica no norte, na região do Cacheu], conforme ele descreve, é o registo de um acto singelo de ajuda que parece (?!) ter viabilidade. Acredito que tenha êxito, se acompanhado ao longo do tempo por algum guineense que mereça confiança e que garanta o eventual pequeno projecto.

Estes gestos só alcançarão os objectivos dos doadores (passe a expressão) se permanecerem no tempo, se acompanhados. A hipótese de uma ONG – só com grande credibilidade (eu sei, que estou cá, como é) - mas ainda assim, preferível a um guineense.

Garanto-vos que é assim.

Há a hipótese das igrejas (católica, adventista, evangélica e outras); têm aqui escolas que sobrevivem, com muito mérito porque conseguiram construir-se à custa de sacrifícios pessoais dos missionários, sejam eles quais forem – sacrifícios físicos e psicológicos - e das dádivas de muitos homens e mulheres que, com contributos diminutos ou vultosos, asseguram uma permanente ajuda, com coerência, e na certeza de que os lápis ou cadernos não vão ter ao mercado do Bandim.


Guiné-Bissau > Guiné-Bissau > Bissau > 2001: Mercado de Bandim, símbolo de um país onde predomina a economia informal (e o Estado não cumpre as suas obrigações mínimas em sectores fundamentais como a saúde e a educação). É aqui, em Bandim, nas imediações de Bissau, que vai parar uma parte substancial das doacções, em géneros, da cooperação internacional. LG.

Foto: © David Guimarães (2005)

Por isso, os poucos euros que pudéssemos juntar poderiam ser encaminhados para uma escola apoiada no terreno por uma estrutura mínima. Esta seria uma hipótese que, pessoalmente, me agradaria mais. As crianças aprendem português e outras matérias, e a ser rigorosas e disciplinadas. Se não, acontece o que está ali na foto (escola do Dugal).

Outra possibilidade de colaboração – esta bem mais exigente do ponto de vista da entrega pessoal de camaradas e amigos - seria uma ajuda financeira a um qualquer bolsista que fosse fazer um curso a Portugal (o meu receio – confesso que já vi muitas situações dolorosas e empobrecedoras para o País – é esse alguém ficar e nunca mais regressar para ajudar o seu Povo).

Pensai nisso. Eu tenho hipótese de falar com o Jorge Neto (que deve estar aqui ao lado a trabalhar, neste fim de sexta-feira, na sua actividade intelectual).


Ajuda portuguesa à escola de Dugal, no Olossato.

© Paulo Salgado e João Faria (2005)

As ajudas – assumam elas a realidade ou dimensão que assumirem – têm que ser concretizadas num determinado contexto. Muitas vezes chegam ajudas em contentores que, infelizmente, não são canalizadas para o seu destino: para a educação ou saúde. Poderia contar-vos alguns casos, alguns mais antigos, outros recentíssimos, de doações mal encaminhadas, não inseridas numa verdadeira dinâmica.

Independentemente da proposta amiga, e já concretizada, o Humberto tem uma acção meritória. Eu próprio já fiz isso no Olossato, em Dugal e a verdade é que, suspensa a ajuda, ou interrompida, tudo volta à estaca zero.

Lembro-me da 'distribuição dos alimentos' que o cabo Costa fazia no destacamento do Maqué ou mesmo ali em Nhacra – porventura isso aconteceria um pouco por toda a parte onde houvesse aquartelamentos. Não nos iludamos: saciámos a fome, com muito carinho... Ainda há dias um homem que encontrei no Cumeré, jovem era no tempo da guerra, me falava da sopa dos tropas, imaginai! – mas verdadeiramente, a 'ajuda' que podemos dar tem que cimentar-se em coisas concretas e duradouras.).

A propósito destas coisas permito-me deixar-vos um poeminha:

Por detrás da sebe
da tabanca
uma criança espreita.

Faço-lhe um adeus
aberto
e um sorriso nos une
para sempre…!

Paulo Salgado, Bissau, 15 de Outubro de 2005.

Créditos fotográficos: © Paulo Salgado e João Faria (2005)

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