1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Outubro de 2025:Queridos amigos,
O Boletim começa por realçar a expetativa na criação de uma companhia de alumínio para a Guiné e Angola, tudo tinha a ver com bauxite, depois surgiu a legislação sobre a concessão das explorações petrolíferas, são estas as duas matérias gordas de 1958, o ano em que chega o novo governador, Peixoto Correia. Tanto quanto nos é dado a perceber, o Boletim não primava por grandes investigações, tinha um conselheiro técnico, Artur Augusto Silva, a quem seguramente se devem as análises sobre a economia da República da Guiné e a problemática da mecanização do caju; de resto, e estamos só a falar de 1958 e 1959, reproduzem-se artigos de O Arauto, transcreve-se a legislação da Guiné, discursos do governador, revelam-se as exposições feitas ao Governo e aos serviços públicos. E assim concluí o primeiro volume dos Boletins desta Associação referentes a 1958 e 1959.
Um abraço do
Mário
Uma publicação guineense de consulta obrigatória:
O Boletim da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné – 2
Mário Beja Santos
Vimos no primeiro texto em que circunstâncias surgiu em 1958 o Boletim de uma Associação que tinha estatutos aprovados desde 1951. Deu-se realce à Companhia Lusitana do Alumínio da Guiné e Angola, mais adiante falou-se das possibilidades petrolíferas do subsolo da Guiné, o empenho do Ministro das Colónias, Raul Ventura, a publicação de dois Decretos, as companhias envolvidas, Norte-americanas, britânicas e alemãs, a opção foi a Esso Exploration Guiné Inc, foram negociações difíceis quanto aos investimentos que a Sociedade tem de fazer e às regalias financeiras que deve dar ao Estado; haveria um prazo de cinco anos para a fase de pesquisas. E dizia-se no Boletim: “Supondo que vem a provar-se a existência de petróleo na área da concessão, de todo o petróleo bruto extraído 12,5% pertence à Província da Guiné, que poderá recebê-los em dinheiro ou em petróleo. Mas supondo que por qualquer eventualidade a província tem interesse em poder comprar mais petróleo, está estabelecido o contrato que a Guiné terá o direito de adquirir metade dos petróleos que do seu subsolo forem extraídos e dar-lhes depois o destino que melhor entender. A realizar-se esta aspiração que modificará radicalmente a estrutura económica da Guiné, são de prever que surjam e se avolumem outros problemas e que esta Província tenha de encontrar, na multiplicidade de caminhos que se lhe oferecem, aquele que nos conduz à felicidade.”
Em Boletim posterior, o Presidente da Associação alertava:
“A vinda em larga escala de empregados da Companhia poderá trazer como consequência um encarecimento do custo de vida. Ora, a verdade é que enquanto a economia da Guiné se basear na produção de oleaginosas para exportação, não será possível melhorar as condições materiais dos seus habitantes, o que será de recear um aumento do custo de vida. Haverá uma maior afluência de moeda no mercado e abundância de dinheiro na mão de alguns. É possível e até aconselhável tomarem-se desde já todas as medidas para evitar a especulação. Não pense o público que a simples presença na Guiné de uma Companhia americana é suficiente para encher de dinheiro os bolsos dos que nada produzem e nem pense que será fácil encontrar emprego em qualquer das modalidades de ação da Companhia. De início, a maior parte dos empregados e operários será especializada, pelo que não poderá ser recrutada na Guiné. De positivo, só podemos contar com o pagamento à Província do arrendamento da superfície o que, não sendo muito, já representa para a Guiné a possibilidade de aumentar os cambiais disponíveis.”
Um ponto curioso que se vai registar nos Boletins de 1959 são as transcrições que se fazer do jornal O Arauto de artigos sobre a mancarra, o problema da cultura do algodão, a cultura orizícola, transcrevem-se as intervenções do deputado da Guiné, Comandante Teixeira da Mota, a correspondência do presidente da Associação tanto com o Governador como com dirigentes dos serviços.
Em 1 de abril de 1959 o novo Governador, Peixoto Correia, presidiu ao Conselho do Governo, o Boletim transcreve o seu discurso, de que se retira a seguinte passagem:
“A nossa exportação é constituída quase exclusivamente por oleaginosas – 90% da tonelagem total e 80% do valor realizado. Dedicam-se por isso os maiores cuidados às culturas do amendoim, coconote e óleo de palma. Há novas culturas em expetativa, a Brigada da Junta de Exportação de Algodão permanecerá mais um ano na Guiné. Ensaia-se a cultura do gergelim. Há a possibilidade de se produzir açúcar, há diligências para a industrialização do caju.”
O Governador enumerou os serviços de ensaios agrícolas e referiu o trabalho que estava a ser feito pela Fazenda Experimental de Fá.
Sendo um Boletim de interesses económicos, realça-se a secção de contencioso e consulta, as exposições feitas aos serviços, faz-se a transcrição da legislação da Guiné que importa à agricultura, comércio e indústria, noticia-se a criação da Escola Comercial e Industrial, que terá um curso de cinco anos. Mas o noticiário associativo também tem carácter social. É assim que se faz uma notícia sobre a presença do Sr. Aly Suleiman há cinquenta anos na Guiné. “De uma atividade fora do vulgar, o Sr. Aly Suleiman é bem o patriarca da numerosa colónia libanesa aqui estabelecida e a firma que fundou e dirige é uma das mais poderosas organizações comerciais da Província onde possui mais de trinta estabelecimentos comerciais, numerosas embarcações de cabotagem e algumas dezenas de camiões para transporte dos produtos do seu comércio. É, na ordem de grandeza, o quatro exportador de mancarra da Guiné.”
Bem curioso é um artigo que se publica sobre a República da Guiné:
“Calcula-se a reserva de bauxite da Guiné, das regiões de Boké e Fria em mais de 280 milhões de toneladas. Mas a bauxite, exportada em bruto, não é fonte de grandes rendimentos e o essencial para a industrialização de bauxite com vista à produção de alumínio reside na energia hidroelétrica. Neste capítulo, a Guiné encontra-se em boa posição, pois é considerada o celeiro de água da África Ocidental Francesa, com os inúmeros rios que aí nascem e as suas quedas de água. Calcula-se que, com facilidade, a Guiné possa produzir, nas duas barragens do rio Konkouré 5 biliões de KW por ano, o que corresponde a uma produção de 250 mil toneladas de alumínio, isto é: uma produção que iguala a atual produção francesa metropolitana. Porém, tem-se verificado ultimamente que a União Soviética não só se desinteressou das fontes externas de bauxite como a tem lançado nos mercados internacionais a preços que não permitem qualquer concorrência. Daí uma diminuição de produção do Canadá e, consequentemente, um retraimento de investimento de capitais estrangeiros na indústria do alumínio na Guiné.”
O artigo refere ainda outras riquezas da República da Guiné como reservas de ferro, uma produção de diamantes, um conjunto de fábricas ligadas a óleos, descasque de arroz, conservas de frutos, produção de bananas, plantações de café. O grande óbice económico é o da Guiné estar privada nos seus mercados tradicionais por se ter afastado da chamada “comunidade francesa”.
Terminamos com uma referência à castanha do caju, tudo tinha a ver com uma firma brasileira que oferecia ao comércio e indústria locais máquinas descascadoras de caju e de despeliculagem. Até então, referia-se no Boletim, todas as tentativas feitas para mecanizar a indústria do caju tinham falhado. “O processo que se afigurava mais viável consistia no descasque por meio da passagem da castanha, primeiro por vapor de água sobreaquecida e, logo em seguida, por um compartimento onde era produzido o vácuo, o que obrigava a castanha a abrir-se por si, sem ofender a polpa. No Governo do Sr. Almirante Sarmento Rodrigues, deu-se um extraordinário incremento à plantação de feijoeiros na Guiné e agora toda a Província deve produzir para cima de 1500 toneladas de castanha de caju, que só é aproveitada em reduzidíssima escala e por métodos mais do que primitivos.”
O autor da notícia manifestava uma grande expetativa no processo de mecanização proposto pelos brasileiros, poderia ser assim que o problema do descasque se resolvesse. Mas como esta maquinaria era de elevado preço seriam necessários capitalistas da metrópole. “Parece-nos duvidoso pois que estamos habituados a ver as reticências com que os capitalistas portugueses investem os seus dinheiros em África. Não seria possível a criação na Guiné de uma sociedade por acções, com a participação do Estado? A pergunta aí fica.”
Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné: ler-se-á num Boletim de 1959 que “Chegou de Lisboa o ilustre artista Sr. José Escada que a Bissau se deslocou para vir decorar a nossa sede – três painéis decorativos alusivos às atividades da Guiné. O nome de José Escada é reconhecido hoje como um dos artistas plásticos de maior prestígio e talento da segunda metade do século XX.”
(continua)
_____________
Notas do editor:
Vd. post anterior de21 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27449 : Notas de leitura (1866): Uma publicação guineense de consulta obrigatória: O Boletim da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné (1) (Mário Beja Santos)
Último post da série de 27 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27469: Notas de leitura (1868): "Os Có Boys (Nos Trilhos da Memória)", de Luís da Cruz Ferreira, ex-1º cabo aux enf, 2ª C/BART 6521/72 (Có, 1972/74) - Parte VI: a IAO em Bolama: "Eh, pá, estás morto!... Atira-te para o chão, que estás morto!" (Luís Graça)




Sem comentários:
Enviar um comentário