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quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

Guiné 61/74 - P27513: 1º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente (Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe e Angola, 10 de agosto - 3 de outubro de 1935), de que foi diretor cultural o jovem e brilhante professor Marcello Caetano - Parte VI: o guarda-roupa feminino





Fotogramas > "1º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente", documentário de San Payo (1936) > Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Agosto de 1935 > Damas e cavalheiros dançando a rigor a morna... E trajados a rigor.


Cortesia de Cinemateca Digital, documentário "I Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente", realizado em 1936 por San Payo. Disponível aqui:

https://www.cinemateca.pt/Cinemateca-Digital/Ficha.aspx?obraid=1378&type=Video



O elogio da "Monte-Carlo Beach", a praia artificial de Monte-Carlo, o sítio mais chique da Europa...Artigo de Maria de Eça, a propósito da chegada da época  balnear, da "elegância da nudez" ( feminina), e dos benefícios do sol e do mar...Estas imagens eram  muito ousadas para a época, num país parolo, provinciano, conservador, e vigiado pelos censores...  Estamos nos primeiros anos do Estado Novo, impante e triunfante.  Mesmo uma década depois, nas praias portuguesas os fatos de banho, femininos e masculinos, obedeciam a uma bitola...e as infrações estavam sujeitas a coimas.



Fonte: Excerto de. Maria de Eça - As praias portuguesas e estrangeiras". Ilustraçáo, nº 232, 16 de agosto de 1935, ág. 25  (Cortesia de Hemeroteca Municipal de Lisboa)

 

1. Voltemos ao nosso "1º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente" (*)... Foi há 90 anos... 25 anos começávamos nos a ir para a guerra... Para Angola, Índia, Guiné, Moçambique...

De repente, vendo o filme, as cenas do baile no Liceu Infante Dom Henrique, no Mindelo, dado em honra dos "excursionistas" (maioritariamente "cavalheiros", só 20% é que eram senhoras...), veio-nos à cabeça a pergunta: como era a moda, e nomeadamente feminina, naquela época ? O que é que as senhoras vestiam a bordo numa viagem daquelas, de quase dois meses, com escala por Cabo Verde, Guiné, São Tomé, Angola e, no regresso, Principe e Madeira ?

Com a ajuda da IA (Gemini / Google), apurámos alguns apontamentos interessantes, que passamos a condensar.

Em 1935, as senhoras que faziam essas longas viagens de navio para as colónias portuguesas em África eram, de facto, poucas. Eram maioritariamente esposas de funcionários coloniais, militares, médicos, grandes comerciantes ou fazendeiros ricos.  Em 1935 os "africanistas" propunham-se  desmistificar África, tornando-se apelativa para as senhoras... A colonização portuguesa até então era maioritariamente masculinas. Não ficava bem as senhoras serem... doutoras ( nem muito menos colonas).

Neste caso, eram sobretudo familiares dos estudantes e professores a quem se destinava o cruzeiro (de lazer, turismo, educação e propaganda). "Uma lição portuguesismo", dir-se-á no fim, em jeito de balanço. Quem ? O jovem professor Marcello Caetano.

De um modo geral, estas  viagens em si, num paquete da Companhia Nacional de Navegação (CNN) ou da Companhia Colonial de Navegação (CNN), não eram vistas como um  verdadeiro "cruzeiro" de férias no sentido moderno do termo, mas sim como um evento social, de grande formalidade. 

A roupa (masculina e feminina) refletia isso mesmo.

Falando das senhoras, o guarda-roupa para uma viagem que podia durar várias semanas tinha de ser vasto, funcional e, acima de tudo, elegante, cobrindo diferentes momentos do dia e a transição para o clima tropical ( incluindo a praxe da travessia do Equador para os novatos).

(i) O contexto: a moda de 1935

Temos de esquecer as "flappers" de 1920. Em 1935, a moda era muito mais curvilínea, feminina e elegante, influenciada pelas estrelas ou "divas" do cinema de Hollywood (como Greta Garbo ou Marlene Dietrich).

Silhueta: a cintura voltava ao seu lugar natural; as  saias eram compridas (a meio da perna ou mais longas para a noite) e fluidas. O corte em viés (bias-cut) era a grande inovação, fazendo com que os tecidos (como o crepe de seda) se moldassem ao corpo de forma elegante (e, inevitavelmente,  erótica).

Ombros: os ombros eram frequentemente realçados, por vezes com pequenos enchumaços, mangas com folhos ou detalhes.

(ii)  O guarda-roupa a bordo (em alto mar)


A vida no navio era pautada por regras sociais rígidas. O que obrigava uma senhora a trocar  de roupa várias vezes ao dia. E nisso esgotando-se a sua energia. De resto, não tinha mais nada que fazer. As diversões a bordo eram limitadas.

  •  De Dia (manhã e tarde no "deck")

O vestuário de dia era "prático" (para os padrões da época), mas sempre impecável.

Vestidos de dia: eram feitos de tecidos mais robustos mas elegantes, como crepe, lã leve (na saída da Europa) ou seda, tinham mangas (curtas ou a três-quartos) e saias a meio da perna; os padrões  eram discretos ou de cores lisas (como azul-marinho, bege, bordeaux);

Conjuntos (fatos de saia e casaco): muito populares; um casaco cintado com uma saia a condizer; era um visual muito "arranjado" para passear no convés ou almoçar.

Acessórios essenciais:

Chapéu: absolutamente obrigatório para sair ao sol no convés; podiam ser cloches (ainda em uso) ou chapéus de aba mais larga, que se tornavam populares;

Luvas: quase sempre usadas, mesmo de dia; de couro leve ou algodão;

Sapatos:
fechados, de salto baixo ou médio, frequentemente de duas cores (estilo "spectator");

Desporto (ou "sport" como então se dizia) (para atividades no convés): os navios tinham áreas de lazer (jogos de "shuffleboard", ténis de convés); para isto, existia o "traje sport", que era o mais informal que se usava em público;

Pantalonas (calças): a grande novidade, os  "pijamas de praia" (calças largas e fluidas, de cintura subida) eram o auge da moda chique para relaxar no convés; eram feitas de linho ou algodão e muitas vezes com padrões náuticos (riscas, âncoras); 

Vestidos-amiseiros: de algodã,  mais simples, muitas vezes de riscas azuis e brancas (o estilo "riviera" ou náutico).

  • Noite (jantares e bailes)

Este era o ponto alto (tal como nós cruzeiros modernos): o  jantar era um evento de gala, especialmente na primeira classe, já de si reservada a uma.minoria privilegiada.

Vestidos de noite: eram longos, arrastando-se muitas vezes pelo chão;

Tecidos nobres: seda, cetim, veludo (para as noites mais frescas no Atlântico Norte) ou crepes pesados;

Corte:  o  "corte em viés" era rei; os vestidos eram fluidos, marcando a silhueta; as costas decotadas eram muito comuns e consideradas o cúmulo da elegância.

Acessórios:

Estolas: de pele (raposa) ou seda, para cobrir os ombros;

Joias: brincos compridos, pulseiras, colares;

Luvas compridas: de seda ou cetim, quase sempre acima do cotovelo;

Pequenas malas de mão ("pochetes"): elaboradas, de metal ou tecido bordado.

(ii) A chegada aos trópicos (Cabo Verde, Guiné, São Tomé, Angola)

À medida que o navio se aproximava do Equador e o calor aumentava, o guarda-roupa mudava drasticamente; as lãs e sedas pesadas eram guardadas nas "malas" (baús de viagem).

O que predominava:

Branco e marfim: estas eram as cores dominantes; refletiam o sol e eram um símbolo de estatuto (mostravam, por exemplo, que se tinha criados para lavar a roupa, que se sujava facilmente);

Tecidos leves: o linho era o tecido de eleição, apesar de amarrotar facilmente;  algodão piqué e a seda crua ("shantung") também eram muito usados;

Vestidos "safari":
embora o "safari suit" fosse mais masculino, a influência era vista em vestidos-camiseiros de linho branco ou bege, muitas vezes com cintos e bolsos utilitários;

Proteção solar:
esta era a maior preocupação;

Chapéus de aba larga
: essenciais; de palha ou tecido leve;

Capacete colonial ("pith helmet"): embora hoje seja um símbolo controverso (associado ao colonialismo europeu e aos sangrentos safaris), em 1935 era comum tanto para homens como para mulheres em certas situações, como uma forma prática de proteção contra o sol intenso; as senhoras usavam versões mais leves e elegantes, muitas vezes forradas a seda;

Óculos de sol: tornavam-se um acessório de moda, além de funcionais;

Em suma, as senhoras (uma minoria) que em 1935 viajavam para a África, ainda negra e misteriosa, levavam um guarda-roupa que projetava elegância europeia, estatuto social e uma tentativa (nem sempre eficaz nem confortável) de adaptação ao clima tropical, mantendo sempre a máxima formalidade. 

Por outro lado, as senhoras  das classes alta e média-alta, que faziam estas viagens nos navios da CNN ou da CCN, com destino a África (e neste caso, o 1º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente) poupavam-se, evitando o sol, a poeira, a terra batida, os insetos, etc., nem sempre saindo para "visitas de estudo" que só interessavam aos homens (neste caso, alunos e professores).

 Imaginamos que ficavam, resguardadas (nos hotéis), a beber chá, a cavaquear, a jogar  às cartas...  Enfim, o culto da frivolidade...

Nessa época, elas ainda não tinham um papel ativo na sociedade, na economia, na política, na cultura...E não trabalhavam. A mulher que  trabalhava (nas fábricas e nos campos) não tinha direito ao tratamento... de "senhora".

(Pesquisa: LG + Net + IA)



(**) Último poste da série > 7 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27398: 1º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente (Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe e Angola, 10 de agosto - 3 de outubro de 1935), de que foi diretor cultural o jovem e brilhante professor Marcello Caetano - Parte V: preços só para meninos ricos ou gente da classe média-alta... Hoje daria para dar a volta ao mundo em 100 dias.

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