sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3947: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assassinos (6): Luís Graça, CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)

Comentários e mensagens do Luís Graça, ex-Fur Mil Henriques, ex-jornalista, CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, Maio de de 1969/Março de 1971); foi instrutor e comandante de secção num companhia de soldados fulas; colaborou com o saudoso jornalista de O Jornal, Afonso de Praça (ex-Alf Mil, em Angola) na organização das Memórias da Guerra Colonial, no início da década de 1980; o Afonso dei-me a entender que O Jornal foi pressionado, na época, por gente do Conselho da Revolução, a fechar esta secção incómoda... De qualquer modo, foi uma louvável e pioneira inciativa daquele já extinto e saudoso semanário.

Aproveito para recordar que ficaram lá com montes de cartazes, fotografias e documentos que eu tinha cedido temporariamente para a organização de uma exposição sobre a Guerra Colonial que nunca chegou a ver a luz do dia... O Afonso morreu em 2001. A Visão é herdeira de O Jornal.

Legendas das fotos (acima):

(À esquerda) Guiné > Zona Leste > Contuboel> CCAÇ 12 > Junho de 1969 > Furriéis Levezinho e Henriques, no oásis de paz que era então Contuboel, no bem-bom da instrução de especialidade dada aos nossos queridos nharros da futura CCAÇ 12 (na altura CCAÇ 2590)... No fim da instrução, passado um meio e meio, a companhia, em farda nº 3 (!), estava a levar porrada da grossa, em Madina Xaquili... Em Contuboel, havia tempo para tudo, até para brincadeiras estúpidas ou tão inocentes como esta simulação de um catana a exercer o seu mister no delicado pescoço de um tuga... (LG)

Foto: © António Levezinho (2006). Direitos reservados

(À direita) Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Finete, regulado do Cuor > 1969: Destacamento de milícias e aldeia em autodefesa de Finete, junto ao Rio Geba. Na foto, o furriel miliciano Henriques e dois dos soldados africanos da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, do 4º Grupo de Combate, o Soldado Arvorado (mais tarde promovido a 1º cabo) José Carlos Suleimane Baldé e o Soldado Umarú Baldé, apontador de morteiro 60. Umaru, o Puto, na foto, de pé, de cachimbo: na época teria 16 ou 17 anos

Foto: © Luís Graça (2005). Direitos reservados


1. Pois é, à força de aparecerem em letra de forma, à força de serem repetidas até à exaustão, há ideias feitas, preconceitos, estereótipos, que se tornam ‘verdades’... Oficiais, oficiosas...

Além disso, é sempre abusivo fazer generalizações: terror, desespero, massacres, napalm... Só conheci o TO da Guiné, em 1969/71. E para mais, durante o consulado spinolista. Reconheço que tenho o meu bocadinho de inferno, na terra, em vida... De qualquer modo, seria abusivo, da minha parte, falar de Angola e de Moçambique, e dos seus teatros de guerra, das especifidades do terreno, da organização e da estratégia do IN... Enfim, seria abusivo pôr tudo no mesmo saco: 1961, 1971... No caso da Guiné, por exemplo, Schulz e Spínola...

É preciso contextualizar a guerra, e dar-lhe a dimensão sócio-antropológica, do quotidiano, que não vem nos relatórios, nas estatísticas, nem sequer nos arquivos, nem nos livros de história... É pena que o jornalista da Visão não tenha tido tempo, ao menos, de visitar o nosso blogue...

Sabemos do que falamos, não sei se o jornalista Luis Almeida Martins sabe do que fala... Refiro-mo à experiência de guerra, vivida, no TO da Guiné... Se calhar nem tem que saber, para falar do Spínola, que é uma figura que já faz parte da nossa história...

Tudo isto para te dizer, meu querido Vasco da Gama (o de Cumbijã, não o da Índia), que entendo e partilho a tua indignação. Mais uma razão para, parafraseando o slogan do nosso blogue, "não deixarmos que sejam os outros a contar a nossa história por nós"...

É que quem conta um conto, acrescenta-lhe um ponto... Neste caso, parece que nos querem tirar, não um, mas muitos pontos...

2. Reforço o que disse algures, como editor (porra, também sou gente!):

"Que imagem vamos passar aos nossos filhos e netos ? Nós fomos combatentes, não fomos assassinos!" - parece ser a reacção natural de qualquer um dos nossos camaradas que são veteranos da guerra da Guiné, e que partilham os valores consagrados no nosso blogue...

Por sinal, por ironia, por coincidência ou não, o artigo da Visão, evocativo dos 35 anos do livro do Spínola, Portugal e o Futuro, surge na mesma semana em que camaradas generosos e solidários como o António Camilo (Lagoa), o José Moreira (Coimbra) ou o Xico Allen (Matosinhos / Porto), e mais umas dezenas de outros, ex-combatentes na sua maioria da guerra colonial, seguem, por terra, em caravana, a levar ajuda humanitária a (e a matar saudades de) um povo que nós consideramos irmão...

Que me perdoem os jornalistas portugueses, mas eu não vi a grande imprensa (rádio, televisão, jornais) - com excepção de alguns jornais regionalistas, como o Diário As Beiras, de Coimbra - dedicar um bocadinho da sua preciosa atenção a esta expedição humanitária nem aos seus preparativos, aos meses e meses de trabalho, anónimo e voluntário, e que exemplifica bem o que é o melhor do povo português, o seu sentido de nobreza, compaixão, generosidade, ecumenismo e solidariedade. Andamos todos distraídos com a crise... (que é sobretudo de valores!).

PS 1 - Não posso esquecer aqui o Carlos Fortunato, o Carlos Silva e o resto da malta da Ajuda Amiga (da região de Lisboa), que seguem de avião este fim de semana, a caminho de Bissau, também em missão humanitária e turismo de saudade. Para todos eles, que são os melhores de todos nós, aqui vai um Alfa Bravo do tamanho deste pequeno grande Portugal.

Amigos e camaradas, "partam mantenhas" com aquele povo gentil que não guarda ressentimentos nem ódios do tempo em que nos combatemos uns aos outros, portugueses e guineenses contra outros guineenses (mas também contra alguns portugueses, alguns cubanos, alguns caboverdianos)...

PS 2 - Escreve-me telegraficamente o Zé Teixeira, da Tabanca de Matosinhos, ontem, às 14h59, alvoraçado:

"Mensagem do Zé Manel. 'Estamos a almoçar em Gabú. Estas pessoas são maravilhosas. Estou muito feliz'.

"Falei com ele de seguida. Está emocionado com o acolhimento de pessoas que nunca viu na vida, pois nunca esteve em Gabú. Abraço. José Teixeira"


3. Mail enviado ao Director da Visão:

Caro director da Visão:

Sou leitor, de longa data, da Visão e editor do blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné. Fui objectivamente um combatente do exército colonial português, comandei soldados fulas. Fui actor crítico e testemunha atenta. Sofri violentas emboscadas, no mato, com algumas dezenas de baixas (entre mortos e feridos graves). Tive acidentes de viação em acções militares. Voei, com a minha GMC, debaixo de uma mina anticarro. Fizémos e interrrogámos prisioneiros. Aprisionámos população civil do PAIGC...

É pena que o Luís Almeida Martins (que assinou o artigo 'Portugal e o passado' da Visão, nº 833, de 19 a 25/2/09), não tenha tempo, ao menos, de visitar, de vez em quando, o nosso blogue... Sabemos do que falamos, não sei se o jornalista sabe do que fala... Refiro-mo à experiência de guerra, vivida, no TO da Guiné, o nosso Vietname... Se calhar nem tem que saber, para falar do Spínola, que já morreu e já faz parte da nossa história... Agora o jornalista não pode confundir combatentes com assassinos.

Atenciosamente, Luís Graça


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Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 26 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3943: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assassinos (5): Quero exprimir a minha revolta (Fernando Franco)

4 comentários:

Anónimo disse...

Luis Graça,
A história destes 34 anos passados, tem deixado imensas interrogações na cabeça de imensos combatentes, mas tem deixado muitas mais interrogações na cabeça daqueles que de uma maneira ou outra evitaram participar num episódio importantíssimo da história de Portugal, que falta escrever.

Mas como a verdadeira guerra e seus motivos ainda não foi escrita, são precisamente aqueles que não intervieram nela que a tentam escrever.

Assim como outros a tentam escrever por questões ideológicas que não tinham nada a ver com os povos em causa mas com causas internacionais.

A guerra tem que ser escrita por quem a sofreu.

Esperemos que este blog seja incrementado com esta polémica.

Antº Rosinha

Sotnaspa disse...

Luís

Assino por baixo.

Respeito a quem o merece.

Nós, ... os do vietname Português, somos merecedores.

A. Santos
SPM 2558

Anónimo disse...

UMA COISA É CONTAR-SE O QUE SE OUVIU ( E FEITA POR OUTROS, NOMEADAMENTE JORNALISTAS...)OUTRA COISA É VIVER-SE OS ACONTECIMENTOS E CONTÁ-LOS COMO OS SENTIMOS!
Victor David
Baixinho do Dulombi CCAÇ 2405 GUINÉ 1968-70!
Não fui assassino ( nem dei um único tiro); fui combatente forçado porque não tive meios económicos para fugir...NÂO SOU NEM FUI TRAIDOR Sr. jornalista da VISÃO!

Anónimo disse...

O Luís Almeida Martins foi um rapaz dos meus tempos de Faculdade de Letras de Lisboa, 1968/1972, ele de História (creio), eu de Germânicas.
Deve ter a idade de muitos de nós, uns sesenta anos. Depois foi durante muito tempo jornalista em O Jornal e director da revista História (primeira fase) e, há já uns bons anos, jornalista na Visão.
Tenho-o por um jornalista honesto, conotado com uma certa esquerda a que também pertenci.
Mas, como já reconheceu, foi tremendamente infeliz nas afirmações que fez.
Deficiente informação, trabalho de investigação mal feito, injustiça para com todos nós que passámos pela Guiné.
Apenas uma curiosidade.
Gostava de saber que tipo de serviço militar calhou em sorte ao Luís Almeida Martins? Será que escapou à guerra com o 25 de Abril?
Ou soube escapar antes?
Um abraço,
António Graça de Abreu