quinta-feira, 8 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22081: (In)citações (184): O martirológio do Boé - Ainda a propósito da(s) jangada(s) do Cheche e dos mártires do Boé: o Major Luís Vasco Pedras, da Chefia do Serviço de Material e o Fur Mil Abílio Jorge, do BENG 447 (Abel Santos, ex-Soldado At Art da CART 1742)

1. Mensagem do nosso camarada Abel Santos (ex-Soldado Atirador da CART 1742 - "Os Panteras" - Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69), com data de 7 de Abril de 2021:


O martirológio do Boé

I - Acabo de ler no poste P22059 do Virgílio Teixeira o que escreveu sobre a temática da jangada do Cheche e a actividade da minha CART 1742.

Para que não sejam terceiras pessoas a falar sem terem conhecimento da actividade da companhia de que fiz parte, com muita honra, e que defendo com todo o fervor, começo por apresentar a CART e a síntese da sua actividade operacional, embora faltem alguns elementos à História da Unidade. 
Envio mapa do sector Leste com sede em Nova Lamego, que está representado com a cor laranja, o terreno que a companhia calcorreou.

Janeiro

Vamos a factos.
Foto 1 - Jangada de três canoas com pessoal da 1742, que passo a identificar. Da da esquerda para a direita: Sousa, Maurício, Neto, furriel Viola, Fonseca e Clérigo. Há mais elementos mas já não recordo os seus nomes.
Foto 2 - Neto e Fonseca puxando a jangada a braço, era assim que a travessia era feita por não haver motor auxiliar. Reporta-se a terça-feira, 17 de Janeiro de 1968, aquando da escolta à CCAÇ 1790 do Capitão Aparício que foi para Madina render a CCAÇ 1589 que tinha acabado a sua comissão.

Fevereiro

Dia 07 - Mais uma viagem a Béli, a jangada era a mesma.
Dia 29 - Mais uma viagem a Madina, a jangada era a mesma.

Março

Dia 20 - Mais uma viagem a Béli, a jangada continua a ser a mesma.

Esta é a verdade dos factos, a CART 1742 fez a travessia do rio Corubal quatro vezes, ida e volta, sempre na mesma jangada de três canoas, que transportava viaturas e pessoas, nunca vez alguma houve jangada só para transporte de pessoas. Quanto à jangada de duas canoas, nunca a vi.

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II - Emboscada entre Canjadude e Piche

A emboscada foi no 4.º trimestre de 1967 muito próximo do Natal, dia 14 de Dezembro, na qual morreram, o Alferes Gamboa,  da CCAÇ 1586,  e o 1.º Cabo Radiotelegrafista José Alves,  do EREC 1578, tendo ainda ficado ferido um soldado. 

O Alferes Gamboa ficou sem um dos galões e ao 1.º Cabo Alves foi-lhe retirada a correspondência que levava, para enviar à família quando chegassem a Bissau, já que a sua unidade estava a poucas semanas de regressar à metrópole. Essa correspondência foi lida aos microfones da rádio da libertação em Argel, que comoveu e revoltou quem a escutou.
 
O socorro foi feito por dois pelotões da CART 1742 que, chegados ao loca,  nada puderam fazer por aqueles camaradas que perderam a vida no fim da comissão de serviço.

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III - Emboscada a caminho do Cheche

A 24 de Janeiro de 1968 uma coluna que se dirigia ao Cheche com abastecimento para a malta lá instalada, um dos produtos transportados eram bidões de combustível, foi emboscada a meio caminho entre esta localidade e Canjadude, o que causou muitos feridos e a morte a 6 militares, dois continentais e quatro africanos, que morreram carbonizados junto das viaturas em chamas, quando rebentaram os bidões  durante a flagelação do IN.

A CART 1742, às 4.30 horas do dia 25, com dois pelotões, foi em socorro dos camaradas, onde foram encontrar um cenário dantesco, pessoal gritando, outros gemendo, viaturas queimadas. O nosso pessoal necessitou de colocar lenços no rosto devido ao cheiro a carne queimada, mas apesar de tudo que vimos, e como soldados que somos, reagimos, começando organizar a retirada do local para sairmos daquele inferno, rumando a Nova Lamego, onde chegamos dia 26 pelas 16 horas com um espólio macabro.

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IV - A morte do major Pedras

Aquando de uma operação que a CART 1742 fez ao Monte Siai no dia 12 de Janeiro, com contacto com o IN, e que provocou alguns feridos graves nas NT, entre eles o Alferes Magalhães, o Enfermeiro Aníbal, o Martins de transmissões e o Aguiar, conhecido por Arrifana (por ser natural desta freguesia do concelho de S. João da Madeira), que foi ferido e apanhado pelo IN. (Levado para Conakry, foi um dos camaradas libertados na Operação Mar Verde.)
 
Após termos repelido o ataque de que fomos alvo, deslocamo-nos para o aquartelamento do Cheche, local de reunião estabelecido pelas chefias militares, e já muito próximo do ponto de reunião ouvimos o som de rebentamentos, no lado contrário do Monte Siai, rebentamentos esses que foram provocados pela primeira viatura da coluna que vinha evacuar a companhia para Nova Lamego.

O Major Pedras, que pertencia ao Serviço de Material do QG, vinha nessa coluna assim como o Furriel Jorge que pertencia ao BENG 447, e que na altura se encontravam em Nova Lamego, onde aproveitaram a “boleia” para verificarem as instalações do aquartelamento, em especial a célebre jangada que ainda hoje provoca opiniões divergentes. 

Essa coluna caiu num campo de minas AC/AP do IN, instalado a pouca distância do quartel. O Major Pedras seguia sentado ao lado do condutor e o Furriel Jorge na caixa de carga da GMC, que estava equipada como rebenta-minas com materiais pesados e sacos de areia.
 
A mina foi acionada pelo rodado da frente da viatura, do lado do condutor que pertencia à CART 1742, que foi ejectado da mesma e caiu no meio do mato sem ferimentos, já o Major após o sopro, bateu com as pernas na parte interior do habitáculo da GMC de onde foi retirado para evacuação. O Furriel Jorge e um soldado africano foram cuspidos, caindo no meio do campo de minas e armadilhas, tendo ambos ali mesmo falecido.
Eu junto da GMC da CART 1742 que acionou a mina AC que vitimou o Major Pedras, o Furriel Jorge e um soldado guineense.

Aproveito para rectificar duas afirmações do Virgílio Teixeira. Diz ele que o Major Pedras foi morto por uma bazucada mas não é verdade, como acima digo, foi vitimado pelo rebentamento da mina, tendo falecido no dia 15 de Janeiro no HM 241.
 
Também diz que um soldado condutor que passou várias vezes naquele local e que assistiu a tudo, lhe contou que ajudou a transportar o Major Pedras para o héli. Como foi isto possível se após algum rebentamento toda a coluna pára e quem está para trás não avança? Ninguém saía do sítio em que se encontrava, fico admirado com o Virgílio por corroborar com tais afirmações.

6 comentários:

Anónimo disse...

O DESASTRE DO CHE-CHE (PARTE II)
Cumprimento o Abel Santos, pelo desempenho e pormenor dos seus comentários, e fica claro que não quero falar em nome de ninguém e casos que não conheço no terreno.
Infelizmente, nunca tive a oportunidade de viver no terreno, as experiências terríveis de combates, minas, emboscadas, apenas levei com bombardeamentos no quartel, e chegou.
Começo por dizer que não estamos aqui a julgar ninguém, nem nada, eu apenas me limitei e fazer eco daquilo que se dizia, mas nunca vi nada, porque não tinha de estar lá nem ver.
Muito menos quero fazer da minha intervenção casuística, um caso de justiça ou investigação.
O Abel não confirmou, mas pelas datas da sua estadia em Nova Lamego, estivemos lá na mesma época, sem dúvida. Como a cidade era relativamente grandinha, não dava para se ver ou encontrar tanta gente que lá fazia o seu serviço militar.
Vou fazer um reparo, que pode confirmar-se ser engano, ou troca de números, pois, segundo diz, a sua CART 1742, foi substituir em 14SET67 a CCAV 1963???. Erro gráfico.
1 – Caso Gamboa: Como disse estive com ele, conforme foto já divulgada nos postes, pouco antes da sua morte. Fiz várias vezes, colunas, entre NL-PICHE-NL, e nunca aconteceu nada de especial, graças a Deus. Tive conhecimento da trágica morte deste amigo, uns dias depois, e cada um conta à sua maneira, como aliás tantas vezes aqui se contradizem uns aos outros.
E já agora, acho que não vi isso aqui escrito, mas falou-se que os terroristas, lhe arrancaram o coração, e no seu lugar colocaram os galões de Tenente que ele trazia consigo, pois estava à espera da sua promoção para breve, o que nunca chegou a acontecer, infelizmente.
2 – Caso Major Pedras: Conheci-o na messe de oficiais, embora diga-se que não sabia na altura qual era a sua função, o que se confirma agora, pois já falei com as minhas fontes. Este soldado condutor, que fazia parte de um grupo restrito dos petiscos, fez várias colunas para o Cheche, Madina e Beli, conduzindo a sua GMC. Ele contou, exactamente o que o Abel diz, o Major Pedras do Serviço de Material, ia na viatura da frente juntamente com o Furriel Jorge, da Engenharia, que nunca conheci, julgo eu. Este ex-militar contou-me há cerca de meia dúzia de anos aquilo que ele presenciou, nos termos em que contei e não vou repetir. Mas se o Abel estava lá, deve ter a sua versão, que, com bazuca ou com minas e armadilhas e emboscadas, o certo é que ele foi gravemente ferido e evacuado, acabando por falecer no HMP241. E que tendo o tal soldado condutor ajudado a transportar o corpo para o Heli. Como não conheço estes factos, fico por aqui, e tanto faz para o efeito.
3 – A jangada: Já foram aqui apresentadas várias versões da jangada, do acidente, que nada tem a ver com essa da foto 1. Como não estava lá, nunca a vi, ficam as imagens que vão aparecendo nos Postes.
Com isto termino a minha intervenção.
Obrigado pela chamada aos postes desta tragédia que nunca deveria ter acontecido.

Virgilio Teixeira


Tabanca Grande Luís Graça disse...

Obrigado, Abel, obrigado, Virgílio. Peça a peça vamos reconstruindo os factos que ocorreram na nossa guerra, na guerra de todos, independentemente de quem era quem (posto, arma, especialidade, etc.). ´

Nem todos podíamos estar ao mesmo tempo no mesmo lugar, daí a importância do testemunho de quem viu e viveu, mas também de quem ouviu falar, estando na mesma região, conhecendo os sítios, os atores, etc.

Mantenhas. Luís Graça

João Carlos Abreu dos Santos disse...

... da memória publicada, sobre a emboscada sofrida no dia 24Jan1968 pelas NT, cito:
- «causou muitos feridos e a morte a 6 militares, dois continentais e quatro africanos.»
No entanto, consultados os registos disponibilizados pela CECA/RHMCA, apenas constam nomes de 5 (cinco) militares, sendo dois "continentais" e três "africanos", conforme segue: Jaime Vinhais Teixeira (1Cb atirador da CCac5) e Mário Augusto da Silva (Sld atirador da CCac1586); e Chimatam Baldé (Sld atirador da CCac5), Intumbo Quasse (Sld atirador da CCac1586) e Mussa Baldé (Sld atirador da CCac5).
Paz às suas almas.

Manuel Passos disse...

Um abraço camarada amigo Abel.

Manuel Passos disse...

Um grande abraço camarada amigo Abel..

Anónimo disse...

Caso Major Pedras! Olá camaradas o meu nome é Custodio Nogueira, fui cabo cozinheiro entre Janeiro /67 e Janeiro/69 na messe de oficiais do Batalhão de Serviço de Material onde conheci o Major Pedras. Infelizmente por pouco tempo mas deu para perceber quanto era uma excelente pessoa!
A messe era numa vivenda ao lado de onde hoje se situa a embaixada de Portugal e lembro-me de o Major ter um cão que levou lá para a messe (pastor alemão que se a memória não me atraiçoa se chamava Xicote) e me ter pedido para tomar conta dele enquanto não regressasse mas passado um dia recebemos a infausta notícia que deixou todos os que o conheciam na mais profunda tristeza!Espero que esta memória ajude de alguma forma a completar a história do Major Pedras
Paz à sua alma!