segunda-feira, 23 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18865: (Ex)citações (342): O patacão da guerra: 1043 contos de 'ajudas de custo [de embarque] e adiantamento de vencimentos' foi quanto levantei em agosto de 1967 para o meu batalhão (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)



Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > Contando o patacão....O fur mil op esp José Casimiro Carvalho [, nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, hoje régulo da Tabanca da Maia], .. Não, não se pense que foi ganho ao jogo (vermelhinha, lerpa...) ou através do "conto do vigário"... Era "dinheiro honesto", daquele que custava... "sangue, suor e lágrimas"... Mesmo assim, quem não conhecer o Zé Casimiro até pode (ou podia) ser levado a pensar que ele estava a contar o "conto do vigário" ao seu  querido paizinho, ao queixar-se a vida, no TO da Guiné, não dava para juntar patacão...

Guileje, 4/2/73 [Carta]

Paizinho: (…) Aqui quase não dá para juntar dinheiro. Eu recebo 1300$00 por mês [, o resto ficava depositado no banco, na metrópole].  100$00 vão para a lavadeira, cerca de 700$00 vão para o bar, para o alfaiate fazer calções, ajeitar roupa ao corpo, cerca de 50$00 por mês. O mês passado, 2 calções ligeiros que mandei fazer, foram 80$00 e, é claro, um gravadorzito que comprei e que é indispensável, também custa… Alguma caça que se compra para não se passar fome, também é dinheiro, selos, cartas, fotografias, etc.

Como vê… mas vai-se passando e não preciso de mais dinheiro. Claro que este já é o suficiente. Também os furriéis pagam umas cervejas de vez em quando aos soldados, uma garrafa de champagne (50$00) ou de vinho do Porto (35$00) que nós lhes oferecemos, assim como Alfero dá. É uma espécie de PSICO. É mesmo necessário tudo isto para nós os levarmos. Acredite, quem sabe somos nós que aqui andamos. (…) (*)



Foto (e legenda): © José Casimiro Carvalho (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]:


1. Comentário de Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) (*)

Respondendo ao pedido do Luís, fui procurar mais dados, não encontrando grandes coisa, a não ser um lapso significativo, assim:

Em carta minha datada de Santa Margarida, 23 Agosto de 1967, para a então minha namorada, rezava assim o meu espanto:

"Agora interrompi para fazer aqui umas contas de quanto vamos levantar para pagar as 'ajudas de custo e o adiantamento de vencimentos': São 1.043.350$00. Já viste bem quanto se gasta com esta guerra?". 

Está escrito na carta que estou a ler agora.

O erro é grande, em vez de 1400 contos foram 1043 contos. E isto para ajudas de custo e um mês de vencimento. Segundo me lembro, não tendo a certeza, por isso quem souber que responda por favor, as ajudas de custo de embarque, correspondia a um mês de vencimento, logo este valor eram de 2 meses, e assim um mês de vencimento para um batalhão, rondava os 521 contos aqui na metrópole, isto é os 1043 contos na Guiné.

Agora é pôr o conversor da Prodata, e ver quanto dava hoje em 'OUROS'. Não esquecer a inflacção que se viveu em Portugal após o o 25A, que chegou a 35% ao ano.

O valor de 1043 contos dava uma média per capita de 1739$. Eu lembro-me que ganhava como alferes entre 5.500 e 6.000 escudos, não tendo a certeza. Isto era muita massa, para um salário mínimo dessa época de pouco mais de 500 escudos mensais.

Virgílio Teixeira

2. Comentário do editor LG:

Obrigado, Virgílio. Fui ao conversor da Pordata e verifiquei que  os teus 1043 contos, em 1967, equivalem a 363.268,46 €, "a preços de hoje" (, ou seja, tendo em conta a depreciação da moeda)... Se um batalhão tiver 600 homens (4 companhias a 150 homens cada uma), dá qualquer coisa como 605 euros por cabeça... 

Quanto aos teus 5,5 ou 6 contos mensais (, vencimento de um alferes no TO da Guiné,) corresponderiam hoje a 1.915,61 € / 2.089,75 €. (***)

PS - Já agora, Virgílio, é bom recordar que não havia salário mínimo, antes do 25 de Abril, nem muito menos mensualização dos salários (com exceção da função pública e de algumas grandes empresas de serviços)... 

Mas atendendo a que as jornas, no interior do país, nessa época, ainda andavam nos 20$00 / 25$00 diários (por exemplo, na construção civil de ramadas, no Marco de Canaveses), os teus valores (500 escudos mensais) não estariam longe da realidade...
_________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 28 de outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3370: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (6): O nosso querido patacão

(**) Vd. poste de 20 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18860: Os 81 alferes que tombaram no CTIG (1963-1974): lista aumentada e corrigida (Jorge Araújo)

(...) Comentário de Virgílio Teixeira:

Por falar em dinheiro, por acaso sabem quanto o meu CA do batalhão levantou em Setembro de 67 para pagar ao pessoal todo, +/- 600 homens, ainda em Santa Margarida?

Vou dizer que eram 1400 contos, aquilo que o Ronaldo e companhia ganha sozinho em poucos segundos na guerra dele.

Esta verba seria na Guiné dobrada para o dobro, face ao aumento de 100%, isto é não chegava a 3000 contos. (...)

(...) Comentário de Tabanca Grandeão [Luís Graça]

Esses dados são muito interessantes, arranja mais...   1400 contos em 1967 equivaliam hoje a 467,8 mil euros...ver o conversor da Pordata...

12 comentários:

Valdemar Silva disse...

Virgílio
No final do mês passado fui ao médico do SNS para obter receitas de medicamentos para o meu problema DPOC.
O médico era outro em substituição do meu Médico de Família.
Este Dr. José Mendes, depois de conversa cigarros pr'aqui e Guiné pr'acolá, também
esteve na tropa na Guiné e dentro dos anos que por lá nós passamos.
Ele, não como médico, disse-me que tratava do processamento dos vencimentos de toda a tropa que depois seguia para a informática em Angola.
Não sei se ele era do teu tempo.
É uma pequena informação dentro deste assunto do patacão.
Ab.
Valdemar Queiroz

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

É verdade os vencimentos de toda a tropa eram processados em Angola.
A nível metrópole e TO daquelas PU os vencimentos eram preparados.
Daí que qualquer alteração demorasse mês e meio a dois meses a ter efeito.
Não sei qual era a vantagem. Talvez provar assim que "Portugal era grande e muito maior a sua alma, na integridade de um país uno e indivisível".
Nunca entendi porque é que cada PU não era auto-suficiente para a preparação e processamento dos vencimentos dos que "se cobriam de glória na defesa da integridade do solo pátrio e protegiam dos perigos do comunismo internacional as populações preta, branca e mestiça, cujo único crime era querer continuar a viver em paz à sombra da bandeira verde rubra"

Um Ab.
António J. P. Costa

Anónimo disse...

Vamos por partes, tentar responder a várias perguntas pertinentes, pois tudo que diga respeito a patacão é do mais pertinente.
Perguntas a quem puder responder, para começar, e quem pergunta isto é um profissional do SAM.
1 - Eu não sei ao certo, quem tiver conhecimentos exactos agradecia, pois falar de +/- também eu sei: Quanto ganhava na Guiné - 100% de aumento - um Alferes miliciano, e um Furriel Miliciano, e um Cabo, e um soldado?
2 - Quanto - isto é a % do vencimento bruto - que se podia deixar na metrópole e por diferença o que ficava lá para os copos e meninas - lavadeiras etc -?

(continua) ......
VT/

Anónimo disse...

Assunto: Processamento de vencimentos.
Vamos localizar no tempo estes assuntos, até fim de Maio de 1969, tudo passava pelos CA dos batalhões, havia a figura do Chefe do Conselho Administrativo. Com a extinção dos CA dos Batalhões de reforço, acaba esta figura, e passa a haver apenas um Tesoureiro, cuja função é levantar o patacão no BNU e distribuir pelas respectivas Unidades, que passaram a ser independentes a este respeito. Isto começa em Junho de 1969, e pode haver aqui um pequeno período de adaptações, que não se passou comigo.
Os CA até essa data não processavam vencimentos, era tudo feito pelos Sargentos das Unidades, das PU, e depois passava pelo CA para apresentação final de contas globais.
Não me consta, ou seja, nunca ouvi falar que os vencimentos eram processados em Angola, só se foi a partir desta data limite, Maio/69. Mas nada sei sobre isso.
Quando acabou a minha função foi uma grande dor de cabeça, pois arranjaram-me um tacho nos Adidos, como Chefe do CA da Unidade Depósito de Adidos, que funcionava à moda antiga, pois não era batalhão de reforço, atenção a estes pequenos pormenores.
Eu meti logo baixa na Psiquiatria, para fazer uma cura de sono, e foi aí que vi coisas incriveis, que agora não são aqui chamadas.
Depois, porque recusei esse emprego, já sabia que aquilo era uma fonte inesgotável de problemas, e eu estava a 2 meses do fim da comissão. Fiquei então encostado como Adjunto do CA. E assim já pude entrar nas operações especiais no fim de carreira, ostras nas esplanadas, camarão nas mesmas, passarinhos no Zé d'Amura, viagens de motorizada por Bissau com encontro sempre marcado no Clube de oficiais de Santa Luzia, incluindo inevitavelmente a piscina, e as minhas loucuras de ir até Nhacra, Safim e tentativa de chegar a Mansoa de motorizada - 50 cc - ou seja a minha guerra passou a ser outra. Não vou agora falar no Pilão, poucos dos nossos soldados tiveram essa oportunidade única de conhecer este ambiente que agora se vê nos filmes.
Espero não ofender ninguém digo isto para ser verdadeiro comigo próprio, podia contar aqui histórias de colunas militares etc, que ninguem sabia a verdade. Isto é para a história, mas eu tinha direito a isto, porque dei cabo da minha tola nesta vida das contas, porque se não desse conta do recado, ficava lá até acertar tudo, o que aconteceu a muitos.

VT/.



Juvenal Amado disse...

Patacão....patacão.. ora deixa-me cá ver ....... 400 pesos ficavam na metrópole por isso penso que ficava com 560.

Uma ida a Bafatá almoçar como mandava o figurino com charuto e whisky no fim, lavadeira, uma bazuca no Regala, tabaco para o mês inteiro umas cervejas na cantina e pouco mais.

Ao patacão, perdia-o de vista que era um instante.

O resto do mês era petiscar latas de sardinha e cavalas com a criatividade ornamental do meu camarada Caramba ou Lourenço pira.

Mas vim de lá tão bem habituado, que cá também nunca não tive muito

Anónimo disse...

Agora para o amigo Valdemar, não conheci o José Mendes, ele deve ser mais novo pelo menos um ano na Guiné, em 69 até Maio não era assim. Os processamentos eram feitos pelos sargentos das companhias e pelotões independentes, e não me consta que fosse para Angola para a Informática. Desconheço a existência da Informática nesta época de 67/69. Só se foi nos anos seguintes. Não me parece que a tropa tivesse informática, quando muito umas máquinas automáticas de escrever folhas e calcular salários.
Isto porque, em 1-11-69, entrei para uma empresa Sueca Multi Nacional, que se instalou em Portugal, eu fui o primeiro a entrar e dei vida à empresa, sou/era o nº 1. Esta empresa tinha na Suécia - que estava avançada de nós mais de 50 anos em tudo, até nas Suecas e amor livre, ainda me lembro desse nome - já tinham um tipo informática, e cuja produção era planeada lá e enviados para cá, as fichas de acompanhamento das peças, e os respectivos cartões perfurados, quem se lembra disso, que eram lidos por uma máquina ainda rudimentar, mas era tudo impresso via computador, com impressoras de agulhas. Os vencimentos ainda foram processados durante muitos anos à mão, isto é à máquina. Como existia um sistema de prémios de produção, havia uma pessoa especializada para fazer esses calculos, à mão, não era por falta de dinheiro ou meios, não existia ainda essa treta. Lembro-me de ver nos Bancos, as c/c dos clientes, em folhas muito grandes, onde eram impressos os dados dos movimentos com umas rudimentares máquinas automáticas, que viriam a ser no futuro os computadores.
Esta é a minha versão, estou disponivel para ser contrariado, pois tenho ainda mais elementos para contar, só que leva muito tempo.
Os serviços da tropa tinham qualquer coisa avançada para controlar isto tudo, mas falar de informática não creio.
VT/.

Anónimo disse...

Agora aqui vai para o Luís, sobre os salários em Portugal.
Como disse atrás eu fui o Director geral desta empresa sueca, fui eu que admiti os mais de 200 operários, por acaso, os homens eram todos novos e acabados de chegar a maioria do nosso Ultramar, não tinham emprego.
Eu já tinha uma experiência grande desde os 12 anos, e aos 26 já tinha 14 anos desta área administrativa/financeira/gestão.
Quando a fábrica abriu em meados de 1970, já tínhamos empregado mais de 100 pessoas, e correu o boato e bem que ali é que se pagava bem, eu era assediado por todos e por todas, pois também empregávamos mulheres, isto é, só pessoal jovem, mas nunca me deixei ir na embalagem. Depois se puxarem por mim ainda conto mais qualquer coisa, mas tenho de seguir as rigorosas instruções do nosso mayoral Luis, que tem insistido comigo para eu não escrever demais, preservar a familia, não falar em nomes nem em coisas que não tenha a certeza, e disso ele sabe muito, por isso vou ser comedido, embora escreva que nunca mais acaba. Muitos desses novos operários para a nossa metalo-mecânica, estavam empregados nas fábricas texteis da zona, cujo salário normal - Eu sei que não havia Salário Minimo Institucionalizado, SMN - rondava os 500$ para pessoal especializado. Eles iam para os Suecos ganhar no minimo 800$ ou seja mais 60% o que causou sério alarme nas redondezas. Tivemos reuniões com os empresários Texteis da zona, para não inflaccionar tanto os salários. Mas alguns operários, com a ganância dos prémios, nem iam à casa de banho e chegavam a ganhar mais 100% do salario base.
Ninguém ganhava o salário base, todos ganhavam acima, havia prémios para todos, daí o afluxo para entrar na empresa a qualquer custo.
Não estou a elogiar os Suecos, porque os gajos vieram para cá simplesmente explorar a mão de obra barata, comparativamente com a Suécia, e depois ainda com a agravante de vir a saber que eles foram os principais financiadores do PAIGC, foi dificil esta convivência.
Agora para harmonizar melhor os dados, eu posso dizer que no meu emprego anterior à tropa, já ganhava 1850$, está nas folhas da segurança social. E não foi mais, porque os patrões já sabiam que tudo era precário por causa do serviço militar obrigatório, e davam-se ao luxo de não aumentar os salários, eu já ganhava isto 2 anos antes.
VT/.


Anónimo disse...

Para comentar o António Costa, eu acho que já escrevi o suficiente, não me consta que os vencimentos fossem processados em Angola, não no meu tempo. Porque as PU não podiam processar os seus vencimentos se podiam defender a pátria com unhas e dentes? Sim tens razão. Acho que isto era para eliminar ou diminuir a probabilidade de fazer aldrabices com isto tudo, mesmo assim não penso que estivesse tudo muito correcto.
Eram impossível controlar tudo, com gente a entrar e sair, havia pano para mangas.
Mas, não afirmo nada, só estou a comentar.
VT/.

Valdemar Silva disse...

O Computador era uma máquina IBM 1400 que estava instalado em Angola.
Embora seja chamado IBM 1400 por ser esse o número de série, mas o Computador usado pelo Exército era o IBM 1401 a primeira máquina do mundo com capacidade intrínseca de processamento.

Valdemar Queiroz

Anónimo disse...

Agradeço esta informação preciosa. Claro que a IBM é que lançou as primeiras máquinas automáticas de processar dados. Falta saber ainda em que data é que iniciou as suas funções, e se realmente processava os vencimentos da tropa da Guine, nos anos de 67 a 69?

VT/.

Valdemar Silva disse...

Não consegui saber ao certo o ano da implementação do tratamento informático do processamento dos vencimentos em Angola. Julgo que teria sido durante o ano de 1969.

Referi-me a um artigo de Isabel Gorjás Santos 'Computador da Guerra Colonial em Exposição', de 1/11/2006, publicado no 'O Público'.

Valdemar Queiroz

Anónimo disse...

Então poderá estar certo, a partir do 2º semestre de 1969, talvez. Mas nem sempre as noticias dos jornais contêm fontes seguras, eles querem é publicar qualquer coisa, mas admito, embora não sabendo nada disso.
Virgilio Teixeira