sábado, 12 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3049: Estórias Avulsas (17): As cadelinhas de Jumbembém (Artur Conceição)

Artur Conceição
Sold Trms Inf e Cond Auto
CART 730
Bissorã, Farim e Jumbembém
1965/67


Na foto > O Loke, um Golden Retriever que estava num canil da Holanda por ter sido abandonado, foi adoptado pelo meu sobrinho Rui, temporariamente a viver naquele país, vive hoje em Portugal rodeado do maior carinho. (C.V.)
Foto: © Rui Pereira (2008). Direitos reservados


As cadelinhas de Jumbembém
(Até os animais sofriam)
Por Artur Conceição

Uns camaradas da minha Companhia apanharam durante uma saída, duas cadelinhas que haviam ficado órfãs. Como eram ainda bebés foi preciso alimentá-las com muito cuidado para que resistissem.

Eram a alegria do pessoal, porque como qualquer mamífero brincavam o dia inteiro mesmo com aquela temperatura. A pelagem era igual à dos Golden Retriever e era muito brilhante porque de vez em quando as bichas tinham direito a ração de combate, e a conserva torna o pelo dos cães mais luzidio.

Um certo dia, ou melhor uma certa noite, veio um cachorro vadio dos que andavam no mato, cheios de fome e doença, e ferraram as duas cadelinhas, transmitindo-lhe raiva. Tiveram de ser abatidas e queimadas perante a tristeza de todos.

Em ataques de surpresa, com cães pelo meio, não dava jeito a nenhuma das partes em conflito, e daí que os cães não fossem animais muito simpáticos, principalmente fora do nosso acampamento, embora houvesse animais bem mais perigosos.

A partir desta situação, embora continuasse a gostar de animais, fiquei com muito receio de ser mordido e apanhar raiva.


Vista aérea de Jumbembém
Foto: © Alf Mil Roda da CCAÇ 14 (2008). Direitos reservados


Quando fui para Guiné a bordo do Timor as Companhias que iam no barco, 762 e 763, já iam com farda verde. Como eu ia com destino à 730 que ainda tinha ido de amarelo eu ia também de amarelo. Isto levou a que no final da comissão eu andava a destoar de todos os outros, e fui alvo dos mais variados comentários principalmente dos que chegavam, tais como: - Deve estar mesmo a ir embora, outros diziam, deve ter levado uma “porrada” e nunca mais daqui sai, terá metido o Chico ? e outros parecidos. Mas era também uma foram de ser respeitado uma vez que a antiguidade também era um posto.

Sensivelmente a um mês do regresso, vinha eu com o meu amigo Manuel Carvalho de uma taina num Restaurante de um Casal de Alentejanos, que tinham uma filha bem bonita, e que ficava na estrada que ligava o QG ao Hospital Militar, logo a seguir à Granja Agrícola mas do lado contrário.

Era já meio da tarde; vínhamos bem comidos e melhor bebidos, quando de repente aparece pela frente e direito a mim um cão com um aspecto assustador. A minha primeira reacção foi apanhar uma pedrita para lhe atirar no sentido de lhe mudar a direcção. Só que tive azar e acertei-lhe numa orelha. O animal estava de tal maneira mal tratado que gritou como se tivesse levado uma grande pedrada.

No mesmo sentido, e logo atrás de nós vinha um carro civil que transportava o Senhor Director da Granja Agrícola, que de imediato saltou da viatura e me ordenou que entrasse. Argumentei que estava fardado e que não me era permitido entrar num carro civil.

O argumento foi aceite, mas tive de ir de imediato para o QG, que era a minha morada, para onde o Senhor Director se dirigiu. Quando lá cheguei já o encontrei a falar com o Oficial Dia a quem já tinha apresentado a queixa verbal. Depois de uma repreensão, ordenou-me que no dia seguinte pelas 9 horas estivesse na Granja para falar comigo. Ainda disse ao Senhor Oficial Dia que não punha lá os pés, mas o Senhor Capitão disse-me que era melhor não fazer isso porque ele era unha com carne com o Governador e que com um bocadinho de sorte eu ficava na Guiné mais uns tempos.

Em Bissau estava-se bem protegido de ataques, mas devo dizer que não foi das noites que dormi melhor.

Pelas 9 da manhã do dia seguinte, fardado a rigor, lá fui direito à Granja sem saber muito bem o que me ia acontecer.

Fui recebido no Gabinete do Senhor Director, mandou-me sentar, e após um longo interrogatório sobre a minha vida militar, sobre os locais por onde tinha andado na Guiné, onde não me esqueci de frisar de que os cães nos denunciava especialmente em saídas nocturnas e também a história das cadelinhas de Jumbembem, também algumas perguntas relativas à parte da vida civil até à idade do sarampo, até que chegou a pergunta sobre a minha naturalidade.

Quando lhe disse que era de Vouzela logo percebi que nada de muito mau me iria acontecer.

Nunca cheguei a saber qual a naturalidade do Senhor Director, mas que tinha muita admiração pelas pessoas de Vouzela isso era verdade, só não compreendia como é que alguém de Vouzela, que era terra de tão boa gente, tinha tido aquela atitude. Apenas argumentei que analisar o carácter de alguém só por atirar uma pedra a um cão ao fim de dois anos de guerra não seria a melhor forma.

Ao fim de uma hora de moral, e depois de me desejar um bom regresso, mandou-me em paz depois de oferecer um cartão dos seus, para se um dia na vida civil necessitasse de ajuda o poderia procurar.
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Nota de CV:

Vd. último de poste de Artur Conceição de 10 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3045: Convívios (72): Em Campia, Vouzela, homenageando os esquecidos da guerra (Artur Conceição / José Manuel Lopes)

1 comentário:

Anónimo disse...

Caro Artur,

Fizemos a viagem para a Guiné no mesmo barco "Timor", zarpando de Lisboa no dia 11 de Fevereiro de 1965.
Desculpa este comentário,mas julgo que há uma pequena gafe na tua descrição.
Nessa viagem do "Timor", seguiram as C.CAÇ. 762, 763 e 764, todas de amarelo, pois eu fazendo parte da 763, todos iamos de fardamento de "caqui" amarelo. Não devo estar errado, mas julgo terem sido as últimas Cias. a seguirem para a Guiné de fardamento amarelo.Desculpa esta rectificação, mas julgo a estória ficar mais completa.

Um abraço do sempre amigo,

Mário Fitas