Highgate Cemetery
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 19 de Outubro de 2016:
Queridos amigos,
Não tenho qualquer rebuço a sugerir a quem visitar Londres uma visita ao Imperial War Museum, uma casa de património fantástico sobre as duas guerras mundiais e onde é possível ser confrontado com a insânia de ditaduras e guerras, a exposição que ali estava patente sobre o Holocausto é um soco no estômago.
Como o programa turístico era assumidamente low-cost procurava-se o muito bom e o mais barato possível, nisso Londres é pródiga: permite entrar em lojas de antiguidades, passear em estações ferroviárias impressionantes, deambular por circuitos imperiais que fazem recordar a Inglaterra rainha dos mares. E era sonho do turista ir a Highgate, conversar com Marx que previu muito mas não podia prever tudo, nem a sociedade de consumo nem o digital, mas só por má fé é que se pretende iludir como ele foi determinante na ideologia contemporânea.
Um abraço do
Mário
Central London, em viagem low-cost (3)
Beja Santos
O segundo dia de turismo libertário em Londres começa num local de culto: o Imperial War Museum, é a segunda vez que o visito, a primeira era quase uma visita de trabalho, precisava de elementos para o meu livro “Mulher Grande”, um importante historiador português, já condenado pela leucemia, vinha aqui visitar este glorioso museu na companhia de celebridades da historiografia britânica. Quando por aqui andei, nessa altura, comovi-me com cartas, as derradeiras cartas, que muitos militares endereçavam às suas famílias, a seguir iriam tombar nos campos de batalha. A entrada é impressionante, olhamos instantaneamente para os céus, estão aqui os aviões da batalha de Inglaterra, com destaque para o Spitfire e o Hurricane, mas podemos ver as entranhas de uma V2, aterrorizou Londres em 1944, atingia quarteirões inteiros, o visitante tem à sua disposição filmes impressionantes.
Há muito para ver: o acervo sobre a I Guerra Mundial é inumerável, seguem-se exposições sobre a família em tempo de guerra, o período da ascensão das ditaduras e da II Guerra Mundial, uma extensa secção sobre segredos de guerra e paz e segurança entre 1945 e 2014, há um andar com cinemateca e filmes de guerra e o último andar reservado ao público é um documentário avassalador sobre o Holocausto. À cautela, e para não me empanturrar até ao ponto de ficar com dores de cabeça com tanta informação, assento arraiais na I Guerra Mundial. E aí tive motivos para larga meditação.
Estive muito tempo especado diante desta foto. Na minha guerra tive que atravessar passadeiras como esta. A escassos quilómetros de Missirá havia a ponte de Sansão, constantemente se impunha renovar os cibes e as pranchas para permitir a circulação dos unimogs. A época das chuvas tornava a circulação num calvário, muita prudência para lá, muita para cá, logo a seguir uma imensíssima reta que devia ser picada a pente fino. Olho para estes homens e regresso umas décadas atrás ao meu modo de vida, eles cercados por uma natureza desoladora, a vida nas trincheiras exigia limpeza a toda a volta, a angústia em que vivíamos, pelo contrário, era dulcificada pelo coberto florestal, sempre frondoso e assustador, em qualquer ponto lá ao fundo podia sair fogo. E olho para esta fotografia e fica-me o absurdo universal de todas as guerras, na retina e para lá dela.
A acreditar na legenda, esta águia nazi veio da chancelaria do Reich, como é que ficou de pé naquele vendaval de fogo que tudo reduziu a torresmos, é uma perfeita incógnita. Olhou-me quase insultuosamente, impávida a arrogante, o turista disse para consigo: não perdes pela demora, minha cabra, vou mostrar-te como eras, as patifarias que faziam à tua sombra.
À saída do museu, impunha-se esticar as pernas, respirar uma atmosfera sem belicismos. É nisto que o turista dá de frente com uma atração turística que já faz parte do centro de Londres, o London Eye, ao que consta veio para aqui provisoriamente, um pouco à semelhança da Torre Eiffel, está ratificada pela vontade popular. Para ser sincero, captou-se a imagem pelo contraste entre a luz e a sombra e a alvura das nuvens que imprime uma serenidade sem rival à imagem.
Karl Marx está sepultado em Highgate, Highgate Cemetery, está ele, está o pintor Patrick Caulfield, o lendário pianista Shura Cherkassky, George Eliot, o historiador Eric Hobbsaw, Alan Sillitoe, um senhor que escreveu um romance que muito influenciou o turista na sua adolescência: “Sábado à noite, domingo de manhã”. E muitíssima mais gente. Muitos visitantes, jardins bem tratados, a vedeta é mesmo Marx. Este monumento não é o primeiro, este é o mais recente, marxistas e marxistas-leninistas de todo o mundo aqui vieram venerar uma das figuras ideologicamente mais influentes dos séculos XIX e XX.
Aqui está o primitivo túmulo de Marx, ao que parece ele aqui teria o eterno descanso na companhia da mulher e da neta, se o turista não está em erro. É um tanto paradoxal este túmulo assim mutilado, não se sabe se é obra do destino se decorre do excesso de visitas e da trasladação. O túmulo azul é de Patrick Caulfield, um artista pop de que o turista tanto gosta, é possível ver alguns dos seus quadros no Centro de Arte Moderna da Fundação Gulbenkian.
E pronto, a visita está feita, confirma-se que os cemitérios britânicos são, de um modo geral, locais de grande recolhimento, podemos dar passeios aprazíveis, aqui meditar e serenar o ânimo.
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 22 de fevereiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17072: Os nossos seres, saberes e lazeres (200): Central London, em viagem low-cost (2) (Mário Beja Santos)
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