quinta-feira, 2 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17099: Efemérides (247): Poema de Maria Amado dedicado a seu pai João Amado, Soldado Auxiliar de Cozinheiro da CCAÇ 3489/BCAÇ 3872), morto em combate faz hoje 45 anos (Maria Amado / Juvenal Amado)

 
 João Amado
Soldado Auxiliar de Cozinheiro, CCAÇ 3489/BCAÇ 3872
Morto em combate em 02 de Março de 1972 (*)


De Maria Amado
Para seu pai João Amado

Tenho tanta coisa para te dizer, 
tenho todas as coisas para te dizer. 
Tenho tanta coisa para te perguntar, 
tenho todas as coisas para te perguntar 

Sabes, sem ti, custa tanto, 
tudo custa mais sem ti. 

Custa acordar de manhã com a dor do vazio, 
custa olhar para a mesa sem pão, 
custa vestir a mesma roupa fria e rota, 
custa carregar o saco da escola,
fazer o caminho sozinha, entre os sorrisos dos outros 
que abafavam a minha tristeza, 
custa olhar para o recreio e vaguear a mente 
mil perguntas que me deixam invisível sem ti. 

Todos os dias da minha vida foram uma luta, 
cresci sem o teu sorriso e o teu carinho, 
esses não eram os únicos ausentes, 
nem carinhos, nem estrutura, nem referências, 
só houve dor e desconforto. 

Não houve sorrisos, 

O tempo passa e não passa nem atenua a tua ausência, 
a ausência de tudo em ti. 
Nunca houve um dia sem luta nem luto. 
Hoje fazes-me tanta falta. 
Hoje, ontem e amanhã, vão ser sempre dias e noites sem ti. 

Neste mundo sem cor, só tu me poderias dar paz. 
Tenho tanta coisa para te dizer, 
que as palavras não cabem nos sentimentos... 

Tenho tanta coisa para te perguntar.... 


Nota do editor:

Trabalho enviado pelo nosso camarada Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor Auto da CCS/BCAÇ 3872 (**)
____________

Notas do editor

(*) Vd. poste de  27 de julho de 2010 > Guiné 63/74 – P6798: O mundo é pequeno e a nossa Tabanca... é grande (24): Fátima Amado, filha do nosso camarada João Amado, encontra no nosso Blogue notícias sobre a morte de seu pai (Juvenal Amado / Carlos Vinhal)

(...) Caro Senhor,
As minhas mãos tremem à medida que avanço na leitura do seu relato, procuro há décadas alguém que me conte uma história de embalar, digo de embalar porque o meu coração não sossega.

O meu nome é Fátima Amado, filha de João Amado, o soldado que morreu...

Tenho por fim um relato desse dia malfadado que me roubou o meu querido pai, esse menino soldado... e embora não seja esta uma estória de embalar, 38 anos depois responde a algumas perguntas... morreu rápido, tão rápido como viveu, e eu hei-de honrá-lo e amá-lo para além do infinito.

Se alguém conheçeu o meu pai e por delicadeza queira partilhar comigo algum relato, deixo aqui o meu contacto de e-mail, mailro:fatima-amado@hotmail.com, fico-vos eternamente grata.

Fátima Amado (...)

6 comentários:

antonio graça de abreu disse...

Se bem entendi, o grito sentido e inteligente de uma filha a quem faltou o pai, caído numa guerra, as tais guerras que "o império tece", as tais guerras dos "meninos de sua mãe", nós todos.

Abraço,

António Graça de Abreu

Maria Amado disse...

Já há muito que fui adoptada por este Blog, feito de gente que sente as mazelas da guerra vividas dentro e fora de campo. A todos vocês que me acarinham e o meu muito obrigada. Ao Amigo Juvenal Amado, que é incansávelmente gentil comigo e me presenteia com estes actos, o meu mais profundo e sentido agradecimento, Obrigada querido amigo.
Ao meu querido Pai que tanta falta me faz, no meu crescer, no meu viver, gostaria de lhe dizer que construo os meus dias de forma a que te possas sempre orgulhar de mim.
Bem haja a todos.

Anónimo disse...


Maria Amado, foi uma pena muito dura para si. Eu regressei alguns dias depois da morte do seu pai. Sinto muito, envio-lhe o calor do meu abraço.
Francisco Baptista

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Maria Amado ou Fátima Amado ?

Temos um poste anterior com uma mensagem de Fátima Amado, filha do nosso malogrado camarada João Amado. Deve ser a mesma pessoa...

De qualquer modo, Maria, este blogue é seu, é também dos órfãos da guerra, dos filhos dos nossos camaradas que morreram na Guiné sem ter conhecido, em muitos casos, os filhos que entretanto nasceram depois da partida para a guerra,,,

Neste blogue devem ter um lugar central os filhos dos nossos camaradas, que nossos filhos são.. Maria, sinta-se à vontade para continuar a escrever e a publicar no nosso blogue.

O editor, Luís Graça

Maria Amado disse...

Grata por me estender o seu espaço e me fazer sentir Bem vinda e escutada.
A morte de alguém que amamos é para sempre uma dor vincada, ainda mais em contextos desnecessários e ausentes de prepositivo. O meu Pai segundo sei, não queria combater, queria ver os filhos crescer, e queria muito ter uma família, e tinha, um filho que adoptou ainda no ventre de minha mãe como se sua semente fosse, e uma filha que pediu em milagre a Nossa Senhora de Fátima que lhe concedesse essa graça de lhe dar uma menina, e eu nasci directamente para o colo do meu pai..a sua menina...tanto lutou para não ir à guerra, mas foi, e eu fui roubada do bem mais precioso, o colo do meu pai, 15 dias de colo, nada mais, foi tudo o que tive do meu pai. Graças a este Blog e ao Sr. Juvenal Amado, depois de muitos anos de pesquisa, encontrei a resposta a algumas perguntas que procurava. E é também graças a todos vocês que me sinto menos órfã. É-me impossível descrever o quanto todos vós que tão bem me receberam, atenuaram a minha dor. Mais uma vez muito obrigada, serei eternamente grata pelo vosso afago e aconchego.
Maria de Fátima Moreira Amado é o meu Nome, Maria é o que gosto mais.

Maria Amado disse...

Sr. Francisco Batista, obrigada pelo seu gesto. Chegou cá um abraço sentido e muito muito bem vindo.