quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7151: Recortes de imprensa (34): A guerra do Manuel Resende, ex-Alf Mil At da CCaç 2585/BCaç 2884 (Correio da Manhã)


1. O nosso Camarada Manuel Resende*, ex-Alf Mil At da CCaç 2585 do BCaç 2884, que esteve em Jolmete, Pelundo e Teixeira Pinto, (1969/71), enviou-nos, com data de 19 de Outubro de 2010 a seguinte mensagem:

A Minha Guerra
Manuel Cármine Resende Ferreira, 63 anos, reformado.
Casado, com uma filha.
Mobilizado para a Guiné, Jolmete, como Alferes Miliciano.
Embarque a 7 de Maio de 1969.
Regresso a 2 de Março de 1971.

Fui mobilizado para a Guiné em Fevereiro de 1969. Após a minha recruta como cadete na Escola Prática de Infantaria em Mafra, de Julho a Setembro de 1968 (3º turno), foi-me atribuída a especialidade de “Atirador de Artilharia”, por isso fui “tirar” a especialidade em Vendas Novas, na Escola Prática de Artilharia, de Outubro a Dezembro de 1968. Terminado o curso fui colocado nos Açores, no Regimento … (não me lembro o nome) nos Arrifes, em Ponta Delgada, para onde segui em meados de Janeiro de 1969, no navio “Angra do Heroísmo”.
Cerca de um mês depois de lá estar recebi ordem de marcha para me apresentar no quartel do Pragal (Almada) para fazer o IAO (Instrução de Aperfeiçoamento Operacional), a fim de ser integrado no Batalhão de Caçadores 2884, que seguiria para a Guiné. Como o transporte era escasso, esperei pelo próximo barco, o FUNCHAL, que saiu de Ponta Delgada em 28 de Fevereiro de 1969, dia do grande tremor de terra aqui no continente. Este Batalhão era constituído pela Companhia de Comando e Serviço (CCS), e pelas Companhias Operacionais 2584, 2585 e 2586. A minha seria a Companhia de Caçadores 2585. Feito o IAO embarquei para a Guiné a 7 de Maio de 1969, no paquete Niassa, onde cheguei a 12 do mesmo mês.
Após alguns dias em Bissau disfrutando daquele calor intenso e húmido, o Batalhão foi para Pelundo (zona de Teixeira Pinto), onde ficou sediada a Companhia CCS e a Companhia Operacional 2586, tendo sido atribuído o destacamento de “Jolmete” à minha Companhia 2585 e “Có” à 2584.
No dia 17 de Maio chegamos a Jolmete, onde fomos recebidos pela Companhia 2366 que nos esperava e íamos substituir. Nos dias que estivemos em Bissau fomos informados pelo Governador e Comandante-Chefe Sr. General Spínola, que a responsabilidade da nossa Companhia, a 2585, iria ser muito grande, pois íamos substituir uma das melhores Companhias Operacionais da Guiné (acção psicológica já a funcionar).
Foi-nos dito que esta Companhia, comandado pelo Sr. Capitão Barbeites, era considerada uma das melhores companhias operacionais da Guiné, quer pelo seu trabalho operacional, quer pela obra começada da construção do quartel a partir do nada, e que nós (2585) soubemos continuar.
Chegamos na altura da transição do tempo seco para a época das chuvas, que começava a 15 de Maio, e que de facto começou. Foi uma sensação muito estranha, para quem não estava habituado, chuva torrencial e calor ao mesmo tempo. Com as chuvas começava a época da bicharada. Coisas que só compreende quem lá esteve …
A nível operacional, nos dez dias de sobreposição de companhias, tudo correu bem. Saíamos em patrulhamentos com os grupos de combate da companhia cessante, mas não íamos para zonas perigosas.
O interesse da 2366 era passar o testemunho da melhor maneira possível, sem correr grandes riscos, pois a “peluda” estava próxima. No dia em que a Companhia cessante se foi embora, a 27 de Maio, começaram os nossos problemas com 2 mortos e vários feridos, não em combate, mas por acidente com arma de fogo.
Ao chegarmos ao quartel, depois da operação de segurança e protecção à coluna auto que levou a 2366 para o Pelundo, o soldado que transportava a BASUCA ao retirar a granada da arma, talvez por deficiência da mola ou por descuido, ela caiu pelo tubo, explodindo ao tocar no chão.
Este foi o primeiro contacto com a triste realidade das mortes e evacuações. A partir deste dia, entregues a nós próprios, começamos a fazer a nossa guerra. Fazendo uma retrospectiva devo concluir que não nos demos muito mal com o sistema adoptado. Saídas diárias evitaram flagelações ao quartel, que nunca tivemos, todavia emboscadas no mato eram constantes.
Nos 21 meses de mato a Companhia esteve 28 vezes debaixo de fogo, e eu com o meu grupo de combate (4º Grupo) estive 22. Lembro perfeitamente como se fosse hoje a primeira emboscado a sério em que caímos. Emboscada em “U” em que nós entramos pelo centro. Foi a 22 de Julho de 1969. Tivemos 2 mortos e vários feridos por tiro de RPG 2 e respectivos estilhaços.
“HOMENAGEM”
Neste apontamento quero e tenho o dever de salientar o contributo altamente positivo dos soldados africanos do Pelotão de Caçadores Nativos Nº 59, comandado inicialmente pelo colega Alferes Mosca, e pela secção de milícias, comandada pelo chefe da milícia, o célebre “DANDI”, mais tarde promovido a Capitão de Milícia pelo Sr. General Spínola, e que já vinha com boas referências da companhia anterior.
Sempre que saíamos para o mato estes homens iam sempre à frente, pois como conhecedores do terreno, sabiam como chegar ao objectivo. O Dandi natural do Jol, conhecia como ninguém todos os recantos da mata.
Bom guerrilheiro, bom caçador, muito nos ajudou a evitar cair em emboscadas, abrindo trilhos novos na mata. Quando saíamos para o mato com ele, ninguém tinha medo, por mais difícil que fosse a missão. Mais tarde fez parte do rol dos fuzilados. Sinceramente não sei se a Cruz de Guerra prometida pelo Sr. General Spínola lhe foi entregue antes de 1975. Que será feito dos outros?
Apesar do primeiro contacto a sério com o inimigo, já referido atrás, com 2 mortos e alguns feridos, o dia ou o facto que mais me marcou durante toda a comissão, e o fez profundamente, foi a morte dos Oficiais do CAOP, os três Majores e o meu colega Alferes Mosca (além dos outros três nativos) no dia 20 de Abril de 1970, em prol da paz e do entendimento dos povos do “Chão Manjaco”.
O Alferes Joaquim João Palmeiro Mosca pertencia à minha Companhia, 2585, pois era comandante do Pel. Caç. Nat. 59 (já referenciado) que fazia parte da Companhia, embora a rendição fosse individual. Em Set./Out. de 1969 o Alferes Mosca foi convidado pelo CAOP em Teixeira Pinto, para cuidar das plantações experimentais que se começavam a desenvolver no Chão Manjaco, pois ele era Regente Agrícola de formação.
Como as suas qualidades para a “PSICO” eram boas, foi convidado para colaborar nessa área com o Sr. Major Joaquim Pereira da Silva, Oficial de Informações e Coordenador da Acção Psicológica com as populações.
Estas acções da “psico” deram tantos frutos que praticamente de Novembro de 1969 a 20 de Abril de 1970 (fatídico dia), não tínhamos contactos com o “IN”, nem tínhamos autorização para abrir fogo em primeiro lugar, caso os víssemos, tendo até havido alguns que se entregaram voluntariamente. Sabíamos que o “IN” procedia exactamente como nós, pois as ordens que tinham eram iguais.
O Major Magalhães Osório e o Major Passos Ramos estavam mais ligados à parte operacional, como planeamento de operações conjuntas e afins e que nos visitavam diariamente do ar, com a sua DO, a perguntar se estava tudo bem, se era preciso alguma coisa, pois sabiam a nossa posição exacta no mato. Estes dois Majores e o respectivo comandante, Coronel Alcino, eram visita constante ao nosso quartel em Jolmete.
Como a Companhia estava empenhada na construção de casas para a nossa população, composta quase exclusivamente por militares do Pel. Caç. Nat. 59 e milícias, com as respectivas famílias, foi uma época propícia à descoberta e transporte de matéria prima para as obras: pedras, que eram poucas e madeiras que íamos procurar junto ao rio Cacheu, completamente avontade e sem grande segurança. Na minha modesta opinião e traduzindo os sentimentos da altura, perdemos ali, de uma só vez, um conjunto de Oficiais único e inigualável. Mas como dos fracos não reza a História, é por isso que ainda hoje eles são falados…
Escusado será comentar que as tréguas que existiam acabaram nesse dia. Nos meses que se seguiram até ao fim do ano de 1970 tivemos uma actividade operacional muito intensa. Felizmente não houve mais baixas. Passamos a pasta à Companhia que nos sucedeu a C Caç 3306 em Fevereiro de 1971, tendo regressado a Bissau para embarque. Após alguns dias de atraso do “UIGE”, embarcamos a 26 de Fevereiro, tendo chegado ao cais de Alcântara em 2 de Março de 1971.
Era costume o Sr. General Spínola convidar para um jantar de despedida com bate-papo os comandantes de Companhia (Capitães) e um dos alferes de cada companhia antes do embarque de regresso. Em relação à minha Companhia a 2585, O Sr. General fez questão de convidar todos os alferes além do Capitão, como recompensa pela actividade desenvolvida.
Ainda me lembro que o prato foi arroz de frango. Nessa altura já o Sr. General Spínola dizia que a Guiné não tinha solução pela guerra. Manifestava muitas ideias que mais tarde veio a publicar no seu livro “Portugal e o Futuro”.

Nº 1 – A bordo do Niassa, a caminho da Guiné. O sentimento dominante era de expectativa.

Nº 2 – Operação de patrulhamento comandada pelo nosso Capitão Tomaz da Costa, sentado ao centro. Do seu lado esquerdo, em pé, Dandi, sempre equipado a rigor; à sua esquerda, sentado, o Alf. Mosca.

Nº 3 – Atravessamento de uma bolanha à chegada de uma operação. O nosso quartel estava rodeado por bolanhas.

Nº 4,5 e 6 – Recolha de materiais, madeiras e pedras, para construção de abrigos e casas para a população.

Nº 7 – Eu com o Dandi, que mais tarde foi promovido a capitão de Milícia.

Um abraço,
Manuel Resende
Alf Mil At da CCAÇ 2585/BCAÇ 2884

Fotos: © Manuel Resende (2010). Direitos reservados.
__________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

3 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7075: Recortes de imprensa (33): A guerra do Alberto José dos Santos Antunes, ex-Fur Mil da CCaç 5 (Correio da Manhã)

(*) Vd. também o poste da CCAÇ 2585 do BCAÇ 2884:

14 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2106: Tabanca Grande (33): Apresenta-se José Rodrigues Firmino, ex-Soldado Atirador (CCAÇ 2585 / BCAÇ 2884, Jolmete, 1969/71)

4 comentários:

Augusto disse...

De: Augusto Silva Santos
Para: Manuel Resende
Olá Camarada e Amigo!
Sempre com Jolmete por fundo, aqui estou eu a saudar-te por esta tua iniciativa.
Por tua influência, juntei-me a este blogue, por minha influência (julgo), decidiste publicar no Correio da Manhã a tua passagem pela Guiné, mas aqui bem mais completa e esclarecedora.
Sabes uma coisa curiosa? É que eu antes de ser chamado para o serviço militar, estive na marinha mercante dos 18 aos 21 anos, e um dos navios em que prestei serviço foi precisamente no "Niassa", embora só em 1970. Outra curiosidade. Sabes onde eu moro? Em Almada, e nessa altura residia muito perto do quartel onde te foste apresentar, mas que hoje já não existe. Com algum atraso, as nossa vidas andaram cruzadas (Almada / Niassa/ Guiné / Jolmete).
Sobre o célebre "Dandi". No meu tempo ele já era o Comandante da Companhia de Milícias do Pelundo, embora estivesse sempre no Jol, e já tinha sido agraciado com a cruz de guerra pelo General Spínola. Numa das operações (a mais difícil que me lembro), ele chegou a ser ferido com um tiro numa perna. Era de facto um excelente guerrilheiro. Numa ocasião, para escaparmos a uma emboscada do IN, lembro-me que ele nos levou por um trilho de caça muito antigo que, segundo o próprio "Dandi", já não passavam por lá pessoas há alguns anos. Também me lembro de irmos fazer segurança ao local onde morreram o Alferes Mosca e os 3 Majores, para o General Spínola ir lá depôr uma coroa de flores, acto que sempre praticou enquanto se manteve na Guiné.
Um Grade Abraço,
Augusto Silva Santos

Anónimo disse...

Caro Manuel Resende,
Um testemunho que honra quem o prestou. E digo isto porque vejo, sobretudo, a exaltação das qualidades dos outros e o apagamento das próprias. Um testemunho muito diferente da maioria dos que são publicados no CM.
E tenho muito gosto em dizer isto. É que fomos camaradas no Batalhão Independente de Infantaria 18 (BII 18) nos Arrifes, onde estive como cabo-miliciano entre Julho de 68 e Abril de 69, quando fui mobilizado, em rendição individual, para Angola. Em Janeiro ainda devia estar a dar instrução.
Um abraço,
Carlos Cordeiro

alma disse...

Por vezes penso por onde andaram e andam os meus Camaradas de Recruta
e Especialidade.Ora,cá está um,és
tu Resende.Em Vendas Novas,devias
ser do 3ºPelotão-Ten.Oliveira.Tam-
bém pertence à Tabanca,o Pinto,que
então Cabo-Miliciano,nos dava ins-
trução de Armamento.

Um Abraço.

Jorge Cabral

Manuel Carvalho disse...

Caro Manuel Resende

Lembras-te quando voces chegaram ao Jol, precisamente no primeiro dia á noite, depois do jantar, nos a jogar a lerpa a vinte escudos a casadela, com maços de notas em cima da mesa ? Voces foram convidados para jogar mas ninguem aceitou.Uma brincadeira para impressionar os periquitos.
O que dizes dos nossos militares africanos assino por baixo.O Augusto Balanta tinha um filho pequenino que miudo reguila, o Antonio ´Fula, o Mamadu So´, perdeu uma perna numa mina não e verdade?
Que sera feito daquela gente? A Maria lavadeira que força que aquela moça tinha. Aquela lavadeira pequenina acho que se chamava Amelia era a minha lavadeira.
Tinhamos vinte e poucos anos eramos uns miudos.

Um grande abraço
Manuel Carvalho Tabanca Matosinhos
Ex. Fur. Mil C Caç 2366