sábado, 29 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24266: Os nossos seres, saberes e lazeres (570): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (100): Veloso Salgado no MNAC – Museu do Chiado: O maravilhamento de obras desconhecidas de amigos franceses (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Abril de 2023:

Queridos amigos,
Vale a pena recapitular as razões da exposição intitulada Veloso Salgado, de Lisboa a Wissant, que já dera exposição no Museu de Boulogne-sur-Mer, foi alvo de alterações em Lisboa decorrentes do uso de peças da doação da neta do pintor, neste acervo apareceu correspondência inédita que revelou uma faceta até hoje desconhecida do bolseiro Veloso Salgado, que foi o primeiro pintor português na Bretanha. Nos ateliês de Paris, enquanto bolseiro, fez amizades com pintores que lhe permitiram produzir imagens luminosas, mas também melancólicas, são reveladoras de uma sensibilidade expressiva do artista para temáticas sociais, mostram uma compreensão do pintor face à paisagem bretã e, fundamentalmente, se no retrato Veloso Salgado é imbatível na observação psicológica, o acervo de obras dos seus amigos permite revelar uma enorme cumplicidade como é percetível em temas como "A terra prometida", a cenografia com que o pintor mostra Jesus, por exemplo. A todos os títulos, uma exposição surpreendente, digna da nossa visita.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (100):
Veloso Salgado no MNAC – Museu do Chiado:
O maravilhamento de obras desconhecidas de amigos franceses (2)


Mário Beja Santos

Atrai-me a pintura de Veloso Salgado (1864-1945), conhecido retratista, paisagista e pintor de grandes espaços (designadamente públicos) enquadrado no movimento da segunda geração naturalista, rótulo que considero insuficiente para alguém que experimentou um pouco de tudo entre o realismo e romantismo até às primícias do modernismo. O MNAC – Museu do Chiado já lhe consagrara uma retrospetiva onde claramente se manifestava, no último período dos seus trabalhos, uma total disponibilidade para transitar para formulações fora do academismo pictórico.

Esta exposição intitula-se “De Lisboa a Wissant”, espraia-se por todo o seu processo artístico e a sua formação, este homem de origem galega formou-se em Lisboa foi professor na Escola de Belas Artes, teve intervenção em grandes espaços decorativos, caso do Palácio da Bolsa, da Escola de Medicina do Porto, da Assembleia da República. Este acervo vem na continuidade da exposição apresentada no Museu de Boulogne-sur-Mer, que revelou detalhes até agora desconhecidos do percurso artístico de Veloso Salgado. A exposição do MNAC foca-se sobre os estudos e a carreira artística de Veloso Salgado em França enquanto bolseiro, entre 1888 e 1895, nela se expõe obras inéditas desse período. Segundo a documentação que o MNAC distribui, a exposição acolhe 70 obras, põe enfoque no seu itinerário francês (Paris, Bretanha e Wissant), desvela a ligação de uma amizade com os artistas Virginie Demont-Breton e Adrien Demont e a Escola de Wissant. É a primeira vez que se dá a público este diálogo de Veloso Salgado com os seus pares franceses.

Prefiro agora ser pouco respeitador do itinerário da exposição, creio que o leitor sabe que estamos a falar do itinerário francês e das amizades de Veloso Salgado com um conjunto de artistas desse país, houve um legado da neta do pintor, Conceição Veloso Salgado, onde se integravam pinturas, documentação (entre ela correspondência) e um núcleo significativo de provas fotográficas. A curadora da exposição, Maria de Aires Silveira, analisou a correspondência trocada com amigos portugueses em França e aquelas amizades que se firmaram em Paris e na Escola de Wissant, no norte da França. A obra escolhida como imagem da exposição é o retrato da criança intitulada “Flor do Mar”, destaca a aprendizagem junto de artistas franceses numa experimentação que vai além do habitual reconhecimento da sua pintura académica, introduzindo uma modernidade inédita no seu percurso artístico e oferecendo uma nova visão da sua produção, isto escreve Maria de Aires Silveira no texto da exposição.

Veloso Salgado partiu para Paris em 1888, já então naturalizado português, ali trabalhou com o mestre paisagista Jules Breton, relaciona-se com a sua filha e genro, o casal de artistas Virginie Demont-Breton e Adrien Demont e integrou o grupo da Escola de Wissant.

“Flor do mar”, Veloso Salgado, 1894. Oferta de casamento à sua mulher
Entre Paris e Wissant, Veloso Salgado realizou o retrato de Virginie Demont-Breton, bem como do marido. São dois retratos poderosos em sensibilidade estética e qualidade técnica. Chama-se à atenção para a expressividade, a observação psicológica da retratada, é pintura de primeira água. Existe uma importante correspondência, amigável e profissional, trocada entre 1896, nos espólios de Veloso Salgado em Lisboa e Porto, e, numa coleção privada, em França. A descoberta destes quadros e o envolvimento do autor com os paisagistas de Wissant são determinantes para uma nova reflexão sobre as obras de Veloso Salgado e o seu percurso artístico.
Veloso Salgado deslocou-se a Wissant em outubro de 1892, onde o casal Virginie-Adrien construíram a casa, o Typhonium, num local considerado a “Terra Prometida” e frequentado por um grupo de paisagistas com afinidades estéticas, como mostra esta bela tela de pintor da Escola de Wissant.
É um esboço de retrato de José Teixeira Lopes, e o que mais prende a atenção do espetador é a dimensão dada por Veloso Salgado ao rosto do arquiteto, o claro-escuro do rosto, a fixação do olhar, um registo subtil que deixa a sensação de que se tinha ido mais longe no naturalismo e havia um claro entusiasmo nas primícias do modernismo. Mas o que prevalece é mesmo uma observação psicológica.
Um quadro da Bretanha, uma luminosidade perfeita e uma conjugação bem clara das pautas do naturalismo
Um quadro melancólico num cemitério bretão
O retrato de Julieta Hirsch, modelo do pintor, uma as obras reveladoras do talento do jovem Veloso Salgado, o que desperta a atenção para além da capacidade e observação psicológica da retratada são os indícios da modernidade, nada comum na época.
“Cabeça de estudo”, Veloso Salgado, 1887
“Jesus”, Veloso Salgado, 1922
“Velhice (Interior de Igreja abandonada)”, Bretanha, pintura de Veloso Salgado, 1890

Esta obra faz parte de um conjunto de trabalhos marcados pela melancolia, resta saber que mensagem insere o pintor através de uma igreja que parece ter sido vandalizada ou simplesmente abandonada, domina a tela a postura de um velho, talvez em oração, talvez derrancado pela tempestade que ali passou, Veloso Salgado enche a tela de luz, talentosamente põe no sénior o ponto focal da obra, rodeado do mistério das interrogações a que não podemos responder.

A viagem prossegue e vamos bater à porta de outra exposição.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 22 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24241: Os nossos seres, saberes e lazeres (569): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (99): Veloso Salgado no MNAC – Museu do Chiado: O maravilhamento de obras desconhecidas de amigos franceses (1) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

A. Murta disse...

Grande beleza e sensibilidade artística.
Fiquei surpreendido e bastante eufórico com esta descoberta. Não era a obra que idealizava de Veloso Salgado. Principalmente o retrato de Virginie Demont-Breton. Vou tentar obter essas imagens com mais qualidade.

Obrigado Mário Beja Santos por mais este lance no domínio da arte e da cultura.

António Murta.