domingo, 23 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24243: Blogpoesia (790): Reflexão, simplista, sobre a Poesia (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68)


REFLEXÃO, SIMPLISTA, SOBRE A POESIA

adão Cruz

É muito difícil saber o que é a poesia. Sempre duvidei de quem diz que sabe o que é a poesia. Tenho lido e ouvido tanta coisa sobre poesia e muito pouca coisa me convence. Isto não retira a qualquer um de nós o direito que temos a expor o nosso pensamento.

Com a proximidade cada vez maior entre as Humanidades e a Ciência, muito especialmente as Neurociências, uma ampla janela se abre, como nunca se abriu, para o entendimento da natureza e do conceito de poesia.

O Ser Humano é uma estrutura muito complexa de sentimentos, uma infinidade de sentimentos, em sentido neurobiológico, obviamente. Desde os sentimentos mais comuns e mais conhecidos, como o sentimento do amor e do ódio, o sentimento da alegria e da tristeza, o sentimento da coragem e do medo, até sentimentos menos experimentados como o sentimento da beleza, o sentimento poético e o sentimento artístico. Sim, porque eu penso que beleza, a poesia e a arte, à luz das Neurociências, não são mais do que sentimentos.

Sem ter a veleidade de pretender impor conceitos de poesia, sinto a necessidade de a entender e de me entender no seu complexo e maravilhoso mundo, tão levianamente tratado por tantos devaneios pretensamente filosóficos. Embora nascendo embrionariamente connosco, os sentimentos têm de ser vivenciados, construídos, apurados e consolidados ao longo da vida, mais ou menos profundamente e de forma diferente em cada um de nós. Comparada com a assombrosa e constante neuroplasticidade cerebral do nosso dia-a-dia, a programação genética é uma componente muito menos decisiva na construção daquilo que somos e na elaboração da nossa mente.

Parece-me, desta forma, que o sentimento poético é um sentimento muito profundo e ao mesmo tempo muito subtil, uma espécie de essencialidade harmoniosa da vida, provavelmente de uma neuronalidade muito delicada. A poesia não é, a meu ver, um sentimento de cópia, mas a simbolização, a evocação e a invocação ao mais alto nível, da beleza e da nobreza da realidade. Para quem possui este sentimento bem enraizado, a expressão poética pode ser entendida não só como harmonia verbal, em que todos os materiais fonéticos e simbólicos se diluem num resultado de suprema fruição estética, mas também como seiva ou brisa mágica que percorre transversalmente qualquer forma de expressão artística. Daí que o chamado poema, considerado a matriz literária onde habitualmente nasce e germina a poesia, pode ser estéril ou constituir mesmo a negação do sentimento poético. A poesia pode ter uma presença mais viva num texto em prosa do que num poema, ou ser muito mais sentida numa pintura ou numa peça musical do que em qualquer forma de expressão literária.

Apesar de demasiado simplista, atrevo-me a concluir através desta reflexão, que é um erro pretender que o sentimento poético chegue às pessoas da noite para o dia, por artes mágicas, como se de uma prenda banal se tratasse. Dito por outras palavras, penso que, não sendo negativa, pode ser enganadora e não racionalmente formadora, a pretensão de levar às pessoas a poesia ou sentimento poético através de celebrações, festividades e dias mundiais.

Dizia Schiller, que o vulgar é tudo aquilo que não desperta outro interesse que não seja o sensível. A arte e a poesia não devem descer ao puramente sensível, à mera receptividade sensorial, à fugaz captação de estímulos incapazes de serem trabalhados condignamente nas complexas oficinas neuronais da nossa mente. Mesmo que seja um lugar-comum dizê-lo, só criando na sociedade, através de verdadeiras políticas culturais, as condições que permitam entender a natureza e a profundidade da poesia e da arte, elas poderão ser sentidas como elemento essencial da vida.

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Nota do editor

Último poste da série de 20 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24237: Blogpoesia (789): "Dia de enganos", poema da autoria de Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)

3 comentários:

Valdemar Silva disse...

Adão Cruz, sempre com belas receitas.

O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente

(Fernando Pessoa)

Saúde da Boa
Valdemar Queiroz

Victor Costa disse...


Bem-vindos ao mundo real.

Um abraço,
Victor Costa
Ex.Fur.Mil.At.Inf.

Valdemar Silva disse...

Como receitas queria dizer prescrições

Valdemar Queiroz