terça-feira, 19 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20364: Recordações e desabafos de um artilheiro (Domingos Robalo, fur mil art, BAC 1 /GAC 7, Bissau, 1969/71) - IX (e última) Parte: Nunca mais esquecerei aquele abraço, num lojeca em Bissau, antes do meu regresso a casa, daquele negro de Fulacunda, o Eusébio, suspeito de colaborar com o IN, e a quem poderei ter salvo a vida...



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda >  22º Pel Art (Fulacunda, 1969/71) > "Eu e o Eusébio" [, um antigo milícia, suspeito de colaborar com o IN)

Foto (e legenda): © Domingos Robalo (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) >   "Porto fluvial", no Rio Fulacunda > Montagem de segurança > Um obus 14, rebocado por uma Berliet. Para i o desse e viesse...


Foto (e legenda): © Jorge Pinto (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Recordações e desabafos de um artilheiro (Domingos Robalo, fur mil art, BAC 1/ CAC 7, 1969/71) > IX (e última) parte 

[ Foto à esquerda: 
Domingos Robalo, 
ex-fur mil art, BAC 1 / GAC 7, Bissau, 1969/71; comandante do 22º Pel Art, em Fulacunda; vive em Almada]


Está esta prosa mais longa do que eu imaginaria que fosse. Não termino sem antes referir o seguinte: em visita ao aquartelamento, o Comandante Chefe, General Spínola, é recebido com a formatura em parada. Repara que na parada estão alguns militares aprumados, mas sem a “boina negra” na cabeça, pergunta:

- Quem são aqueles que não têm boina negra?  [,os "boinas negras" era a malta da CCAV 2482]


- São o pessoal da Artilharia! [, 22º Pel Art, comandado pelo fur mil art Domingos Robalo]

Mudou o olhar, aconchegando o seu monóculo, concentrou-se nas tropas e população que o “adorava”, e é bom não esquecer estas palavras nem ter medo de as pronunciar. Falou de uma “Guiné Melhor”, a ser construída pelos Guineenses e seriam eles a decidir o seu futuro….

Estou a escrever estes factos, muito resumidamente, 50 anos depois de eles terem acontecido. Só agora dou o verdadeiro valor à memória. Coisas que aparentemente estavam escondidas ou apagadas, aparecem como se ontem tivessem sido vividas.

Mas, o deslizar a pena é como se estivesse a mexer um caldeirão onde as letras aparecem já escritas e a memória as traga à tona. Ideias que já estavam esquecidas, ultrapassadas e limpas aparecem agora em turbilhão.

Quase quatro anos de vida militar, por muito sacrifício que se tenha passado, não tem sido maior do que passar 40 anos com memórias que não tivemos oportunidade de contar ou “carpir”, como contributo de um desabafo coletivo que todos os jovens adultos do meu tempo deveriam ter feito. 


Ter-se-iam, porventura, poupado muitos dos traumas que vamos tendo conhecimento. O 25 de abril de 1974 trouxe-nos uma mudança radical de vida e de pensamento, com a esperança de uma vida em paz e de convivência com os povos que foram por nós colonizados. Com o golpe de Estado deu-se a “independência” aos povos das Colónias (então Províncias Ultramarinas), mas aprisionando-se memórias com uma barreira imposta, e auto-imposta como capa de proteção por um período da vida de quase todos os jovens adultos daquele tempo.

Conforme estou escrevendo, vou avivando essa vivência, mas também não posso nem devo calar o afronto que se fez aos militares portugueses de origem africana que, após a independência, foram assassinados por grupos que se diziam de libertadores. Libertadores de quê? 


Mais grave considero ainda que as autoridades portuguesas tenham tido conhecimento da situação e à época fez-se um silêncio total.

Através de um tripulante do navio Rita Maria ou Alfredo da Silva [, já não recordo ao certo,] fui sabendo de situações que ocorriam na Guiné. Segredo, pedia-me ele; as informações eram muito confidenciais.

Na minha Unidade, em Bissau, foram-me atribuídas várias funções:

-Participar na instrução básica e de cabos na especialidade de artilharia a militares naturais da Província da Guiné;

-Participar nas principais ações do TO, sempre que a artilharia era requisitada;

-Participar nas regulações de tiro de artilharia e elaboração das respetivas “cartas de tiro”, nos vários pelotões espalhados pelo TO;

-Participar, junto do Comando da Unidade, na então designada “sala de informações e operações”...





Infografia da emboscada de 22/2/1971,no decurso da Acção Mabecos, que envolveu forças do BCAV 2922, numa operação de escolta e segurança a forças de artilharia no trajecto Amedalai - Sagoiá - Rio Sagoiá - Rio Cimangru [... e não Camongrou] - Piche 4E545 - Rio Nhamprubana. As baixas das NT foram todas da CART 3332 (**).


Participei na Acção “Mabecos”, na terça-feira de carnaval no ano de 1971 [, em 22 de fevereiro de 1971, três meses depois da Op Mar Verde,invasão de Conacri]. 

Operação complicada, malo rganizada / planeada, com três mortos  e um soldado apanhado à mão que apenas foi libertado no pós-25 de abril de 1974 [, º 1º cabo Duarte Dias Fortunato, foto à direita]: nesta operação, debaixo de fogo na emboscada que sofremos [, no subsetor de Piche, perto da fronteira,quando íamos flagelar Foulamory, na região de Boké] eu próprio tomei a iniciativa de “ordenar”, ao pelotão [, Pel Art,]  de Sare Bacar, para desengatar um obus 14,0 cm e responder ao fogo IN, que estava a ser intenso.



Guiné > Região de Gabu > Carta de Piche (1957) > 1/50 mil > Detalhes > Percurso Piche > Amedalai > Sagoia > R Sagoia > R Cimongru > R Nhamprubana. A sudeste dwe Piche ficava a base do PAIGC, Foulamory,na região de Boké, ao alcance, a partir da fronteira, da artilharia portuguesa (peça 11.4 e obus 14).

Infografia: Blogue Luís Graça % Camaradas da Guiné (2019)



Eu estava sob as ordens do Capitão Osório, homem da artilharia, já falecido. No relatório desta operação está referido a forma elevada como o pessoal da Artilharia participou na resposta ao fogo IN.

O tempo vai correndo inexoravelmente. Estamos em abril de 1971, já com a comissão quase a chegar ao fim. Por vezes vagueei por Bissau na compra de alguns objetos para fazer embarcar num navio com destino a Lisboa.

Num desses dias, acompanhado pelo Furriel Franco, vagueávamos pelas ruelas transversais à avenida onde se situava o hospital civil [, hoje Hospital Nacional Simão Mendes]. Entrámos numa pequena loja, com uma montra muito pequena, onde estavam expostas uma camisas azuis com um monograma interessante.

Entro na loja,  secundado pelo Furriel Franco, e dirijo-me ao balcão onde estão dois “negros”.  De repente sinto-me abraçado por um deles e o peito a apertar. Não percebia o que se passava, mas a primeira impressão era o de estar a ser alvo de agressão.

Passado o sufoco e o outro negro olhando impávido e sereno para mim, recupero o fôlego e sinto que o abraço forte afinal tinha aspeto fraternal. Mas se aquilo é um abraço...

Olho para a cara do “negro” e não podia acreditar... Quem era aquele negro que assim me abraçava? Nem mais: 


- O Eusébio de Fulacunda!!!... (*)

Aquele “negro” reconhecendo-me, estava com aquele abraço a agradecer o pouco que eu, uns meses antes, lhe tinha feito naquele final do mês de setembro de 1969.

Para mim, tinha sido pouco o que lhe fizera. Mas para ele terá representado o reconhecimento de que era um ser humano como qualquer outro. Daí, aquele abraço que eu senti ter a força do Universo. Não é a cor da pele que diferencia os homens.

Onde quer que estejas, Eusébio, nunca me esquecerei de ti nem daquele abraço.

Para finalizar o meu texto. Não posso nem devo esquecer os mortos e os estropiados que as guerras sempre provocam. Elas podem ter um início, mas nunca sabemos quando terminam. Será que a nossa já terminou?

Domingos Robalo

Furriel de Artilharia, 

nº 192618/68

____________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 4 de novembro de 2019 
Guiné 61/74 - P20313: Recordações e desabafos de um artilheiro (Domingos Robalo, fur mil art, BAC 1 /GAC 7, Bissau, 1969/71) - Parte VIII: Fulacunda, usos e costumes... Lembro-me pelo menos de uma menina que foi a Bissau ao "fanado", e não voltou... Não havia, na época, preocupação de maior com a Mutilação Genital Feminina, por parte das autoridades. civis e militares


Vd. postes anteriores:

25 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20274: Recordações e desabafos de um artilheiro (Domingos Robalo, fur mil art, BAC 1 /GAC 7, Bissau, 1969/71) - Parte VII: Em Fulacunda, também havia milagres...

20 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20260: Recordações e desabafos de um artilheiro (Domingos Robalo, fur mil art, BAC 1 /GAC 7, Bissau, 1969/71) - Parte VI: Eusébio, um preso que eu mandei tratar com dignidade e que me vai ficar reconhecido

12 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20232: Recordações e desabafos de um artilheiro (Domingos Robalo, fur mil art, BAC 1 /GAC 7, Bissau, 1969/71) - Parte V: Rumo a Fulacunda, com o 22º Pel Art, passando por Bolama, e com batismo de fogo

9 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20222: Recordações e desabafos de um artilheiro (Domingos Robalo, fur mil art, BAC 1 /GAC 7, Bissau, 1969/71) - Parte IV: Depois de 4 meses a dar formação de artilharia de campanha, a graduados de pelotões de morteiro, sou colocado em Fulacunda, a comandar o 22º Pel Art

5 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20206: Recordações e desabafos de um artilheiro (Domingos Robalo, fur mil art, BAC 1 /GAC 7, Bissau, 1969/71) - Parte III: recebido em Bissau, pelos camaradas do BAC 1, de braços abertos, na noite de 12/5/1969

3 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20202: Recordações e desabafos de um artilheiro (Domingos Robalo, fur mil art, BAC 1 / GAC 7, Bissau, 1

26 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20178: Recordações e desabafos de um artilheiro (Domingos Robalo, fur mil art, BAC 1 /GAC 7, Bissau, 1969/71) - Parte I: Apurado para todo o serviço militar


(**) Vd.poste de  23 de fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3926: Efemérides (17): Piche, 22 de Fevereiro de 1971 ou... Carnaval, nunca mais! (Helder Sousa)

13 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Domingos, não podias fechar melhor. com chave de ouro, estas tuas "recordações e desabafos"... Que felicidade, esse reencontro com o Eusébio de Fulacunda...

Já na altura, em 20/10/2019, eu tinha escrito à laia de comentário mais ou menos o seguinte_


Honraste-nos a todos, como militares e como portugueses, com esse gesto de pura e simples humanidade... HOnraste a artilharia, honraste o exército português, honraste o teu comandante, general Spínola, honraste sobretudo à esmagadora maioria dos militares portugueses que estiveram no teu e no meu tempo, que se recusaram a fazer a "guerra suja", a do "contra-terror"...

(..-.) "Na guerra, o INimigo, quando é aprisionado, fica reduzido à condição de coisa...que toda a gente pode "pontapear" como se fora uma bola de futebol... Acho que com Spínola houve um princípio de "virar de página" em relação ao tratamento de "prisioneiros"... É um tema "delicado", não quero ferir suscetibilidades nem devo fazer generalizações abusivas... Cada um de nós,tem / tinha (nessa altura) informações parcelares, limitadas, do que se passava no TO da Guiné... No meu caso, eu estava limitado ao que se passava no meu "chão" (Sector L1, Bambadinca, julho 1969 / março de 1971)... O resto era "boataria"... Mas conheci gente, levada à justiça militar, por "abusos" contra prisioneiros e população civil"...

É bom que aqui se escreva, com letras de fogo na nossa pele (se for preciso...):

Ao longo da guerra da Guiné, de 1961 a 1974, e em todas as unidades e subunidades, houve gente, praças, milicianos e sargentos e oficiais do quadro permanente, que honraram as melhores tradições e valores das nossas Forças Armadas...

Criminosos patológicos ? Torturadores ? Assassinos ? ... Claro que os houve... Mas não confundamos o todo com a parte...Eu sei que o tema é extremamente delicado, num blogue de antigos combatentes, mesmo ainda hoje... E eu não estou à espera que aos 70 / 80 anos apareça aqui um camarada a confessar: eu não me limitei a fazer a guerra, eu matei sem necessidade, eu torturei prisioneiros, eu cometi abusos contra inocentes, crianças, mulheres, velhos... E se aparecer terá que ter o nosso perdão... Nenhum de nós é juiz para poder julgar e condenar estes nossos camaradas de armas que ultrapassaram os limites do que é humano...

antonio graça de abreu disse...

Estes são os grandes postes neste blogue.O homem branco, o homem negro, o mesmo coração, a mesma alma.O melhor da espécie humana, o melhor de todos nós, numa guerra suja como todas as guerras.
Esqueçam os mários cláudios and friends.
Abraço.

António Graça de Abreu

Cherno Baldé disse...

Caro amigo Domingos Robalo,

Tenho dificuldades em compreender que uma operaçao que se passa na secçao de Piche, na regiao de Gabu, a leste, tenha solicitado apoio de artilharia de Saré-Bacar, situada no Norte, na regiao de Bafata, a nordeste de Contuboel, tendo outros aquartelamentos relativamente mais perto e também com artilharia, casos de Canquelifa, Pirada, e penso que Paunca também. Faço esta questao, todavia, sem saber exactamente, qual foi o trajecto seguido durante a tal operaçao. Pareceu-me estranha esta informaçao, a nao ser que haja outra tabanca com o mesmo nome.

Abraços,

Cherno Baldé

Valdemar Silva disse...

Robalo
Realmente, não se consegue perceber o que foi a 'Op. Mabecos'
Julgo que terá sido uma transferência de peças de artilharia, de obus 14 de Saré-Bacar e Canquelifá e de obus 10,4 de Piche, mas não se percebe para que local.
Como nota o Cherno Baldé é estranho deslocar peças de artilharia para apoio a uma operação desfalcando Saré-Bacar na fronteira e Canquelifá muito perto, para apoio numa zona muito distante. A emboscada foi em Amedalai, próximo de Xime, que é monte longe de Piche, Canquelifá e Saré-Bacar.
E cá estamos nós, passados 50 anos, muito preocupados ah!ah!ah!ah! com a 'Op. Mabecos', mas recordar é viver.

Abraço e saúde da boa
Valdemar Queiroz

Hélder Sousa disse...

Caros amigos

Sobre essa "operação Mabecos" já me referi a ela num post já antigo em que me socorri da minha memória (sim, minha memória, porque nessa ocasião eu estava lá em Piche, estive do início de Dezembro de 1970 até ao meio de Maio de 1971), e também das passagens do livro do Fernando Cardoso.

Sim, foi uma operação de artilharia, de bombardeamento de zonas da Guiné-Conakry a partir de território da então Guiné Portuguesa e que se pretendia fazer tão próxima quanto possível da linha de fronteira.

Sim, destinava-se também, além de "bater o terreno" e do que se "sabia" serem as posições do PAIGC, para cobrir uma acção posterior (ou simultânea, não me lembro) de paraquedistas.

Sim, para essa acção foram usadas peças de artilharia para além das de Piche. Vieram de Canquelifá, Sare-Uale e Sare-Bacar.

Sim, houve muita coisa errada. Não sei se foi "mal planeada", não conheci o plano, mas sei que houve muita coisa "mal executada". Como escrevi na altura (no post do Blogue...) as peças de artilharia não chegaram... "foram chegando"... ou seja, não houve uma "fita de tempos" para garantir que partiam de sítios diferentes em tempos diferentes para chegarem a Piche ao mesmo tempo ou então fizeram essa fita mas não a cumpriram ou executaram. Isso permitiu que os espias e/ou informadores do IN tivessem oportunidade de perceber que alguma coisa se iria passar e, pelo tipo de materiais visíveis, não seria muito difícil "saber" do que se trataria.

E não, a emboscada relatada não foi para os lados do Xime. "Amedalais" haverá mais... Deu-se num dos três trilhos possíveis que para sul de Piche e na direcção da fronteira a sul dessa região.

Dadas as falhas visíveis na "organização do festival" houve resistência por parte do Sr. Major de operações do BCAV2922 (Major Mendes Paula, já falecido) em prosseguir com a mesma e por isso houve ordens e contra-ordens. Em resultado disso, com o monta-desmonta, há alguém que numa caserna deixa cair uma granada, que rebenta, gerando um festival de rebentamentos por simpatia, do qual resultaram feridos graves (um deles ficou com o pé dentro da bota mas esta separada do resto do corpo) mais uns poucos com alguma gravidade e vários com ferimentos mais ligeiros. E, claro, tudo com uma moral altíssima, como se pode imaginar.

... / ... continua a seguir

Hélder Sousa disse...

... / ... continuação

Aquando desse infeliz episódio houve que pedir evacuações... mas, dizem (não posso confirmar) que pediram também para que o "veículo aéreo" que iria servir para supervisionar a operação a partir do ar e do "homem da CAOP" fosse antes fazer um reconhecimento aéreo do trajecto que se previa fazer mas que isso foi negado. Dizem.... não confirmo!

A coluna seguiu então depois, sob protesto do Major de operações (amigo pessoal e da confiança do Comandante-Chefe). E em determinado local deu-se a emboscada que, conforme se pode ver no croqui, apanhou a frente da coluna. Não ficaram todos na "zona de morte" porque, já não sei dizer por acção de quem, ou porque motivo, houve um "alto à coluna" e a "White" avançou para onde estavam os emboscados que tiveram de se revelar e abrir fogo.

Os "resultados" imediatos já foram relatados. Os feridos e o "apanhado à mão" também já foram referidos. A reacção das NT, nomeadamente os "artilheiros", também já o foram, sendo que agora neste relato do Robalo há não só a confirmação como também mais pormenores.

No que tinha escrito no tal post relatei também o "depois" da operação...

Moral em baixo do pessoal, esgotamento de calmantes (ajudei o médico e enfermeiros a darem comprimidos de qualquer "treta" para servirem de "placebo", recordo o caso concreto de um Furriel de Artilharia de Piche meu amigo, o Centeno) e uma cena quase impensável. O Major Mendes Paula, retirou ostensivamente os seus galões, deitou no caixote que havia à porta do seu quarto, trancou-se lá dentro e recusou-se a sair enquanto não chegasse à fala com o Comandante-Chefe.

Este apareceu no dia seguinte, ou no outro, não sei precisar, de helicóptero, entrou no quarto, falaram e depois as coisas serenaram. O relatório, como se pode ver, tem a assinatura do Sr. Major Calisto (2º Comandante do Batalhão, à data, pois o 1º Comandante, de seu nome Guimarães, tinha sido "dispensado" e ainda não tinha sido substituído, aliás quando me vim embora, no meio de Maio, ainda era o Major Calisto o Comandante interino.

Portanto, e em resumo, sim, foi uma operação infeliz, mal executada na prática, com artilharia vinda de diversos sítios, com uma emboscada com más consequências para o pessoal e com outras consequências para os Comandos.

Hélder Sousa

Valdemar Silva disse...

Hélder
Realmente, há mais "Amedalais".
Na saída de Piche para Buruntuma, no lado direito a seguir à Pista surge uma estrada e nessa estrada passados poucos quilómetros aparece Amedalai e depois Sagoiá (desabitadas), a meio caminho da fronteira com Guiné-Conacri. Vários soldados da minha CART11 'Os Lacraus' conheciam bem por terem nascido nesses lados e fizemos vários patrulhamentos por essas paragens.
Robalo
No meu tempo, julgo que nos finais do ano de 1969, também houve uma grande deslocação de peças de artilharia, de vários aquartelamentos para a zona de Buruntuma. Houve um grande bombardeamento para posições IN dentro da Guiné-Conacri.

E já passaram 50 anos

Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Cherno, a Acção Mabecos, em 22/2/1971, destinou-se a escoltar e montar segurança a forças de artilharia, vindas de Piche (peça 11,4), Sare Bacar (obus 14) e Canquelifá (obus), e que iam fazer barragem de artilharia junto à fronteira, nas proximidades do Rio Nhamprubana, afluente do Rio Coli que divide os territórios...

P Pel Art de Sare Bacar, com uma ou mais obuses 14 (longo alcance) vieram de propósito para esta ação, desde a fronteira com o Senegal, via Contuboel, Bafatá, Nova Lamego... Não seis e a barragem de artilharia se chegou a realizar depois depois desta emboscada, com três mortos e um desaparecido (o Fortunato, que foi aprisionado pelo PAIGC)...

Mas o Domingos Robalo pode explicar melhor do que eu...

Tens aqui a carta de Piche (1957): não havia nenhuma povoação com o nome "Sare Bacar"... Os de Sare Bacar, e os de Canquelifá, os Pel Art (Pelotões de Artilharia) é que vieram dar uma ajudinha ao subsetor de Piche...

https://www.ensp.unl.pt/luis.graca/guine_guerracolonial37_mapa_Piche.html

Tabanca Grande Luís Graça disse...


Ler aqui uma entrevista ao Fortunato, que é no entanto sobre a emboscada, de que resultou a sa captura...

O Fortunato era 1.º cabo at art da CART 3332 (1970/72), do 3.º pelotão.Na alturada entrevista, em 2000, o Fortunato era sold inf da GNR, colocado no posto territorial de Quiaios, Figueira da Foz. É natural de Pombal-.

Na Guiné era 1.º Cabo, estava em Piche, quando foi capturado em 22/2/1971, na sequência de uma terrível emboscada, no decurso da Acção Mabecos, comandada pelo Maj Cav Mendes Paulo e levado para a prisão "Montanha", em Conacri, onde deu entrada a 24/2/1971. [Mendes Paulo, oficial de operações do BCAV 2922, é autor do livro "Elefante Dundum"; faleceu em 2006.]


28 DE MARÇO DE 2016
Guiné 63/74 - P15909: Blogues da nossa blogosfera (74): "Desaparecido em combate", entrevista com Duarte Dias Fortunato (ex-1º cabo at art, CART 3332, 1970/72), em 10/11/2012 ("Posts de Pescada", blogue dos alunos de comunicação social da Escola Superior de Educação de Coimbra)

Tabanca Grande Luís Graça disse...

O Fortunato [. só libertado depois do 25 de Abril, junto com outros prisioneiros, como o nosso António da Silva Baptista, o "morto-vivo"] diz apenas o seguinte:

"Foi numa emboscada que nos fizeram na mata sem estarmos à espera, a maior parte conseguiu fugir, outros morreram, eu fui capturado. Naquele momento percebi que tinha perdido a minha liberdade e que me tinha tornado num simples prisioneiro à mercê do nosso inimigo."

Tabanca Grande Luís Graça disse...


O Domingos Robalo já falado anteriormente da Acção Mabecos...

(...) "Na semana de carnaval do ano de 1971, participo na operação Mabecos, em Piche [, Acção Mabecos, em 22 de fevereiro de 1971]. Nesta operação e durante a deslocação para o local onde viria a ser executada a flagelação [, junto à fronteira coma República da Guiné, nas proximidades do rio Coli...] somos emboscados ficando com alguns mortos [, três,] e creio que dois soldados da companhia de Piche que nos dava proteção apanhados à mão, entre eles o soldado Fortunato que já vi entrevistado na televisão, tendo sido libertado após o 25 de abril. [ Duarte Dias Fortunato, ex-1º cabo at art, CART 3332, 1970/72]." (...)

Na realidade,só o Fortunato é que foi capturado... O Robalo devia estar a comandar o Pel Art de Sare Bacar (obus 14), tendo dado ordem para desengatar um obus e fazer fogo direto...



4 DE SETEMBRO DE 2019
Guiné 61/74 - P20120: Facebook...ando (53): Grande foi a abnegação dos artilheiros no CTIG, a avaliar pelo que lá vivi e testemunhei (Domingos Robalo, ex-fur mil art, BAC 1 / GAC 7, Bissau e Fulacunda, 1969/71; reside em Almada)

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Repare-se:

(i) estamos em plena época seca;

(ii) a acção realiza-se 3 meses (22/2/1971) da Op Mar Verde (invasão de Conacri) (22/11/1970);

(iii) não há estrada até à fronteira, apenas picada ou trilhos:

(iv) levar 3 Pel Art, 3 peças 11.4 e 6 obus 14 pelo mato... é obra!

(v) as baixas (3 mortos e 1 desaparecido) dão-se na cauda da coluna (3º Pel CART 3332)...


Fico na dúvida se chegou a haver a flagelação à base do PAIGC no outro lado da fronteira... E porque não usar a aviação ?... Será que a acção tnha, ao menos, apoio aéreo ? Três meses depois da Op Mar Verde, era arricado usar os Fiat G-91 para um ataque ao território do Seku Touré, por causa das "violações do espaço aéreo"... Mas a data, 22/2/1971, parece ser intencional...

Anónimo disse...

Domingos Robalo
20 nov 2019 13:17

Caro Cherno Baldé, viva.

Com as minhas saudações dirigidas a si, saúdo, também, esse belo povo Guineense com quem tive oportunidade de conviver, uma vez que os homens que tive a honra de comandar eram do recrutamento do Território.

Vinte e quatro meses de comissão, sempre rodeado de militares Guineenses foram para mim uma aprendizagem de vida que nunca esquecerei. Através do Luís Graça, colocou uma questão, que, cinquenta anos volvidos não têm resposta imediata, pelo que tive necessidade de confirmar o que passo a comentar.

A operação Mabecos, executada a partir de PICHE, tinha como objecto a retaliação com fogo de artilharia. Os obuses adequados e definidos para a operação eram os de 14 cm, não me recordando se havia peças de 11,4 cm, com maior alcance.

Então, convocaram-se os Pelotões de Artilharia de : Sare-Bacar, com 3 obuses; Canquelifá com 2 obuses e o pelotão reforçado de Piche, com 4 obuses. Bajocunda e Pirada tinham obuses 10,5 cm; não sendo adequados à Operação.

Embora Sare-Bacar fosse "longe" de Piche, estas foram as decisões, de ordem operacional e logística, que o Comando Operacional Territorial tomou. Por curiosidade, posso referir que o Alferes, comandante do Pelotão de Sare-Bacar, participante na operação era sobrinho directo do então Ministro do Exército, tendo tido eu, um outro camarada de artilharia, colocado em Catió, que era filho de um dos deputados à Assembleia Nacional, cujo pai veio a falecer com a queda de um héli junto a Mansôa, na sequência da visita que um grupo de deputados fazia a território Guinense.

Aproveitando esta comunicação; em Maio de 2017 estive num encontro de confraternização com combatentes na Guiné, em que tive a honra de partilhar ideias com o Sr. Embaixador da Guiné-Bissau, em Lisboa, o Sr. Helder Jorge Vaz Gomes Lopes, que simpaticamente aceitou o convite que lhe tinha sido endereçado.

Uma outra nota de registo, no tempo em que estive na Guiné (1969/1971) os militares que visitavam as mesquitas, deixavam à porta; as botas e as espingardas G3, em sinal de respeito, não só pelos crentes como pela religião que estes professavam. Claro, que nem sempre terá sido assim.

Esperando ter ido ao encontro da sua expectativa atrevo-me a perguntar-lhe se está vivendo na Guiné.

Com um abraço de amizade, fico ao dispor

Domingos Robalo

(combatente e defensor do povo Guineense)