sábado, 12 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20232: Recordações e desabafos de um artilheiro (Domingos Robalo, fur mil art, BAC 1 /GAC 7, Bissau, 1969/71) - Parte V: Rumo a Fulacunda, com o 22º Pel Art, passando por Bolama, e com batismo de fogo



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 2 > "Porto fluvial", no Rio Fulacunda > Chegada de uma LDP.

Foto (e legenda): © Jorge Pinto (2014). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.]



[ Domingos Robalo:

(i) tem página no Facebook desde março de 2009 e administra também o grupo Artilharia de Campanha na Guiné-BAC1/-GAC7;

(ii) filho de militar, foi fur mil art, BAC 1 / GAC 7, Bissau, 1969/71;

(iii) vive em Almada, está ligado à Universidade Sénior Dom Sancho I, de Almada, onde faz voluntariado, desde julho de 2013, como professor da disciplina de "Cultura e Arte Naval";

(iv) trabalhou na Lisnave; é praticante de golfe;

(v) e passou a integrar a Tabanca Grande, com o nº 795, desde 21 de setembro último]




Recordações e desabafos de um artilheiro (Domingos Robalo, fur mil art, BAC 1/ CAC 7, 1969/71) > Parte V


Ah…já sabia pelo Jacinto onde era Fulacunda, e quem estava por lá. Os Boininhas. Mas o lugar não era dos mais pacíficos...

Cerca de cinco (5) dias depois, não dois como estava previsto, preparamo-nos para embarcar em três LDM (Lancha de Desembarque Média), 3 obuses 10,5cm, 27 soldados, três cabos, dois furriéis e eu próprio como Comandante de Pelotão. Para além destes militares, íamos acompanhados das mulheres dos soldados e dos respetivos filhos. Cada soldado tinha em média duas ou três mulheres, filhos já não sei. 


No dia da partida aportámos a Bolama, onde o pessoal pernoitou o melhor que pôde e eu fui também dormir a uma pensão, cheia de Cabo Verdianos que não se calaram durante toda a noite. 


No dia seguinte e após ter “matado o bicho”, cruzei-me com um amigo e colega de escola, o Abel. Abraço para aqui, abraço para acolá, que fazes por aqui? Vou para Fulacunda, e tu estás aqui em Bolama? Sim, vou entrar de serviço. Vou agora á prisão; anda daí. Fez questão que visitasse o local.

Por fora parecia uma pequena prisão. Quando se abre a porta, meu deus!... Grades de ferro separavam muitas celas, assemelhando-se á jaula dos “macacos” no jardim zoológico. Presos, eram às centenas; uns novos outros mais velhos. Percebi logo que aquelas pessoas estavam presas, não por terem cometido crimes cíveis, mas por serem “terroristas”. Estavam simplesmente a ser tratados “abaixo de cão" ou pior. Não encontro outro qualificativo.

Cerca das 10 horas da manhã,  zarpámos de Bolama com destino a Fulacunda. Trinta a quarenta minutos depois estávamos a ser atacados da margem à morteirada.

Eu ia na LDM que fechava o comboio. A primeira morteirada cai ligeiramente à proa por estibordo, a segunda morteirada cai à nossa proa em alinhamento com o nosso rumo. O intervalo do tiro não foi cadenciado, pelo que a terceira morteirada caiu a ré da LDM, sem nos ter atingido.

Entretanto o patrão da lancha, pede instruções a Bissau se pode bater a zona com as “Boffers”. Pedido recusado,  e lá vamos navegando sem ter respondido com um tiro. Estranha guerra esta, pensei para com os meus botões, agachado entre o resguardo da “Boffer” e a borda falsa da zona da ponte.

Ao princípio da tarde, aportámos ao porto improvisado de Fulacunda, a alguma distância, por caminho de picada e envolto por capim que assustava.

Tenho a imagem de ter sido recebido de forma simpática e informal pelo jovem Capitão, vestindo uma T-shirt branca e com boina na cabeça.

Já não me recordo quem o acompanhava, mas vi, na forma disciplinada e organizada, que aqueles soldados tinham estima pelo seu Comandante.

Como no início referi, desde muito novinho que aprendi, na vivência com o meu pai, que comandar implicava cumplicidade com os subordinados, não só no tratamento e no trato, sem se perder a disciplina e a hierarquia.

No dia seguinte apresentei-me bem uniformizado ao Comandante, com a formalidade que um militar deve ter ao apresentar-se a um seu superior:

-Apresenta-se o Furriel Miliciano, Domingos Robalo, 192618/68, que por estar mal uniformizado não o pude fazer ontem.

O Comandante ficou algo surpreendido, pois certamente não era isto que esperava quando solicitei ao 1º Sargento para ser recebido pelo Comando.

Decidiu-se o local para a posição dos três obuses 10,5cm, recaindo a escolha junto à pista, com espaldões por construir e com algumas árvores a abater para minimizar o “ângulo de sítio” durante o tiro. Daquele local, haveria decerto, algum dia, a necessidade de fazer tiro direto.


(Continua)

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2 comentários:

Valdemar Silva disse...

Robalo.
Realmente foi muita sorte as morteiradas não acertarem na LDM.
A propósito de prisões.
Lembro-me, duma vez que estive em Bissau, ser escalado para Serviço de…? à noite e tinha, com uma Secção, de visitar o Comando da PSP, a segurança ao Depósito da Água e a Prisão Militar.
Na Prisão Militar, um casarão com um grande corredor central com celas de um lado e doutro, já todos os presos estavam nas celas. O que me surpreendeu foi o facto dos presos estarem a jogar às cartas com os das celas vizinhas sem se verem e apenas com os braços de fora e haver umas terrinhas com fruta podre encostadas às celas, explicaram-me que era bagaço a fermentar.
Quanto ao resto, diziam-me sempre o mesmo: está tudo em ordem, nosso furriel.

Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Em conversa hoje com o Jorge Pinto, ex-alf mil, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74), ele disse-me que os obuses 10,5 já não existiam no seu tempo, tendo sido substituídos pos obuses 14.