sábado, 12 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20233: Os nossos seres, saberes e lazeres (359): A minha ilha é um cofre de Atlântidas (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Maio de 2019:

Queridos amigos,
Regressa-se à ilha por devoção, jamais por obrigação. A ilha é um lugar, tem referentes e referências afetuosas indeléveis, faz parte da vida corrente. Um dia, numa outra viagem, olhava-se com deleite a fachada da Igreja do Colégio, um dos primores do barroco nesta região arquipelágica, passou rente alguém com pesados óculos escuros, logo se reconheceu o emérito professor de Cultura Portuguesa, professor Machado Pires, houve abraços, o professor levou o antigo aluno a sua casa, ali bem perto, tinha um livro de poesia para lhe oferecer, falou-lhe do que andava a escrever, de um bicho infestante da madeira que tudo carcomia, e depois saíram de braço dado como se fossem para o Teatro Micaelense, pelo caminho falou-se de Cortes Rodrigues e de Canto da Maia.
É assim a relação do viandante que aqui se faz habitante, e está plenamente convicto que será sempre assim, até ao fim dos seus dias, aqui se rende ao amor pela Natureza, vive enamorado pela identidade das ilhas, da sua bruma, dos seus romeiros.
É-se mais português nesta lava vulcânica, tenho dito.

Um abraço do
Mário


A minha ilha é um cofre de Atlântidas (1)

Beja Santos

Este lugar é por definição inesgotável na rota do viandante; inesgotável e incontornável. Tudo começou em outubro de 1967, chegou-se numa noite chuvosa ao porto de Ponta Delgada, rumou-se imediatamente para os Arrifes, esperavam-no duas recrutas em cheio, aqui recebeu instruções para partir para a Amadora, formar batalhão para a Guiné. Foi um tempo de grandes descobertas. Voltou a ler o “Enigma da Atlântida”, de Edgar P. Jacobs, este sumo-sacerdote da banda desenhada belga fez uma ficção científica de um mundo estuante de técnica prodigiosa nas profundezas da Caldeira das Sete Cidades. Criaram-se novas amizades, o viandante, aos poucos, descobriu que era capaz de liderar, coisa insuspeita, neste caso essencial para os anos que tinha pela frente, por lalas e bolanhas. Aqui regressou no regresso da Guiné, em 1970, aqui vem em intermitência, não é uma peregrinação de uma qualquer saudade, é amor ínsito por um lugar que nada tem a ver com poiso de turismo. Chega ao aeroporto, sito num lugar chamado Relva, um amigo do coração chamado Mário Reis leva-o até aos Arrifes, nada estava previsto, o viandante ainda conversou com um magala à Porta de Armas da unidade militar que passou a substituir o Batalhão Independente de Infantaria N.º 18, do seu tempo, foi apontando para lugares por onde cirandou, depois partiram, seguiu-se a Covoada, o passeio interrompe-se no Pico do Carvão, desfruta-se um panorama que vai de S. Vicente Ferreira ao Porto Formoso, é de cortar o fôlego.





Antes de se atingir o primeiro objetivo da estada, as Sete Cidades, ainda se foi à Candelária e depois à Lagoa das Empadadas. O que temos em frente são as Sete Cidades na Vista do Rei, as cores azul e verde, com cambiantes, as nuvens definem os tons da paleta, não se sabe se estamos numa ilha ou num subcontinente, inegável que é uma entrada para o paraíso, abençoado sejas, vulcão adormecido ou coisa que o valha.



À chegada, um enigma da Atlântida, que serás tu, talvez uma palmeira ou da família? O assunto irá resolver-se, se há abordagem que sempre resulte com um micaelense é fazer perguntas sobre a Natureza, perguntar nome de plantas, de pedras, coisas do passado. Imagine-se que o viandante passou pela Igreja-Matriz, de nome S. Nicolau, estava lá uma senhora que com exuberância foi explicando restauros e quando se chegou à imagem do santo patrono observou: “O restauro está perfeito, menos a cara, vamos mandar retocá-la, parece um miúdo, tem que parecer mais velho”.




Entardece, o dia mantém-se claro, passaram umas nuvens escuras, toca de ir passear até à berma da lagoa, é um silêncio de clausura, o viandante senta-se, rememora outras viagens, reza pelos amigos que já partiram, pelos amigos micaelenses que andam bem doentes, tem dois dias pela frente para aqui vagabundear, veio com disponibilidade para fruir, deitou o saco de ansiedades para trás das costas. E respirar esta paz, é março, despede-se do leitor mostrando as azálias em floração, está tudo pintalgado de vermelho, mais vermelho floral aparecerá nas próximas semanas.





Já anoiteceu, nesta calmaria apanham-se estes raios de sol que brilham numa falsa mancha de óleo, esta lagoa é como Proteu, muda de feições, é caleidoscópica, mágica. Por isso é que Edgar P. Jacobs aqui se inspirou para a sua Atlântida.


(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 5 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20208: Os nossos seres, saberes e lazeres (358): Montechoro, Albufeira, Lagos, Sagres (3) (Mário Beja Santos)

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