sábado, 5 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20208: Os nossos seres, saberes e lazeres (358): Montechoro, Albufeira, Lagos, Sagres (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Maio de 2019:

Queridos amigos,
Se Lagos é surpreendente por se sentir à vista desarmada que há preservação do património, e ali se sente o peso da História, a costa recortada que nos leva a Sagres é seguramente um dos deslumbramentos que o Algarve oferece como valioso recurso da sua natureza prodigiosa. O que singulariza esta costa é a sua plena dissociação do Algarve agrícola, um completo dramatismo de falésias e escarpas, de pedregulhos lançados sobre as águas, fica a imaginação a funcionar se não houve aqui uma fratura, uma separação dilacerante num Jurássico qualquer. E depois a surpresa do arranque da costa vicentina, pela sua imponência, os seus escalvados, parecem quilhas de medonhos transatlânticos. E de novo nos fica a certeza de que não há viagem que sempre dure porque a viagem nunca acaba, o que pode acabar é a resignação do viajante, a perda de curiosidade, de se aventurar a outras terras e a outras gentes. Nestas escarpas e penedias sente-se perfeitamente que a viagem a Portugal é infindável, a grande marca da nossa identidade.

Um abraço do
Mário


Montechoro, Albufeira, Lagos, Sagres (3)

Beja Santos

Prossegue a viagem entre Lagos e Sagres, logo paragem na Ponta da Piedade, para desfrute de uma enfiada de escarpas e falésias, pressente-se que junto do mar a areia é muito fina, contraste com todas estas vertentes dramáticas, recortes sucessivos, despenhamentos de pedra, como se este Algarve, milhões de anos atrás, se tivesse despegado de um outro continente. É de facto um outro Algarve, com praias de renome como Luz, Burgau ou Figueira. Saltita-se pela terra batida em busca de detalhes insólitos, recantos anichados, alcovas, praias secretas. Eis o resultado obtido.






É uma versatilidade de paisagens em que sobressaem os tons da rocha, róseos, cresce uma vegetação rala própria das dunas, a natureza reage bem e segura as suas areias, momentos há em que podemos imaginar que houve para aqui castelos que se afundaram no mar. E quando alcançamos a Costa Vicentina tudo se altera, basta confrontar.





Alguém faz o reparo de que parece que chegámos às falésias de Dover, alturas a pique, em contraste com uma ondulação que tenta largos grupos de surfistas, e assim se chega a Sagres, muda o dramatismo das panorâmicas, tudo como se de Lagos a Sagres fosse pedra caprichosa, a correr, com esfarelamentos, para a água. Agora a pedra ganha outra densidade, a altura de grandes transatlânticos, é uma costa de rochedos.




Em frente à Ponta de Sagres, veio à memória do viandante o final da obra “Viagem a Portugal”, de José Saramago, ele elogia a saga da viagem e a sageza do viajante, pode haver intermitência na viagem, mas ela nunca acaba, tem a ver com a nossa motivação, o gosto da aventura e da descoberta, como ele diz, o que se vê de manhã não é o que se vê de tarde, o que se vê no outono não é o que se vê na primavera, há a luz e a sombra, há o gosto por perguntar, ali em Sagres andava uma guia a falar na Escola de Sagres, ali se reunia, dizia a senhora, o Infante com os seus navegadores, cartógrafos, peritos na arte de marear, homens do ofício de conhecer a viagem pelas estrelas. Tudo não passa de um mito, não há um só documento sobre esta escola, nada abona um cenáculo de mestres e descobridores em Sagres. É um dos aspetos que marca a viagem até este belíssimo extremo associado à epopeia que foi o projeto henriquino, aqui se franqueou a porta para um Portugal imperial, e é aqui que se conclui uma viagem iniciada há escassos dias em Montechoro para comunicar com gente que se ama e que vive num outro extremo da Europa.

Bendita é a viagem que nos faz suspirar pela próxima!
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20185: Os nossos seres, saberes e lazeres (357): Montechoro, Albufeira, Lagos, Sagres (2) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Valdemar Silva disse...

Realmente, em certas praias algarvias por a areia ser tão fina, com a rebentação das ondas a água fica turva.

Valdemar Queiroz