quinta-feira, 16 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4694: Meu pai, meu velho, meu camarada (6): Ex-Cap Pára João Costa Cordeiro, CCP 123/ BCP 12 (Pedro M. P. Cordeiro / Manuel Rebocho)

Guiné > Região de Tombali > Corredor de Guileje > 26 de Março de 1973 > O Cap Pára João Cordeiro, comandante da CCP 123 / BCP 12, no meio do grupo do Marcelino da Mata. Foi ele que comandou a operação de resgate do Pilav Ten Miguel Pessoa, ejectado sob os céus de Guileje, depois do seu Fiat G-91 ter sido abatido por um Strela, na véspera... (*)

Foto: © Miguel Pessoa (2009). Direitos reservados.

1. Mensagem de Pedro Miguel Pereira Cordeiro, sob a forma de comentário ao P4216 (**):

Caros Senhores

Desde já agradeço a gentileza de todos os que fizeram questão que eu tomasse conhecimento deste poste.

Eu, a minha Mãe e a minha irmã mais velha Patrícia acompanhámos sempre o meu Pai nas 2 comissões que fez, uma em Angola (onde nascemos os dois) e a segunda na Guiné, na qual veio, tal como referido, a falecer.

Por altura do seu falecimento já faltava muito pouco tempo para terminar a sua comissão e, como a minha Mãe estava grávida da minha irmã mais nova e estava a passar muito mal, voltámos pouco tempo antes para a Metrópole.

O seu falecimento foi, e ainda hoje é, um golpe brutal para a nossa família que se fez, aumentou e encurtou sempre em teatro de guerra. Sou pois, também, um filho dessa guerra que vocês vivenciaram de forma tão intensa, cada um à sua maneira.

Frequentei o Colégio Militar onde fui colega de tantos outros filhos de ex-combatentes: Bação Lemos, Brito, Santiago, Veiga, Quintans dos Santos, Alvarenga, só para nomear alguns do meu curso Colegial. Da guerra a maior parte de nós ouvimos histórias em segunda e terceira mão, raras vezes aos nossos Pais (os que ainda os tinham), desbotadas e incertas.

Sempre pensei seguir as pisadas do meu Pai e tornar-me Pára-quedista de carreira. Quis o destino que. no último ano do Colégio, um incidente com um oficial me tivesse mostrado tudo o que a tropa pode ter de mau... resolvi não dar mais um desgosto à minha Mãe e ainda hoje não sei se fiz bem.

O certo é que hoje, homem feito (quase 40 anos), sei muito pouco de meu Pai e menos ainda do Militar que foi. Se os ex-combatentes falam pouco da Guerra, menos falam ainda aos filhos de camaradas falecidos...

Este foi o primeiro testemunho não solicitado e, como tal, imparcial a que tive acesso. Por tal estou profundamente agradecido, afinal é parte da minha história, da história do Avô das minhas filhas!

Alguns de vocês acharão estranho, mas a verdade é que passo pouco tempo sem pensar no meu Pai, a sua ausência é, para mim, muito presente, assim seja com todos os nossos filhos quando nos formos, de preferência que fiquem um pouco mais conscientes dos nossos predicados, defeitos e humanidade. Tal foi-me negado, qualquer acrescento é um tesouro inestimável!

Peço desculpa se me alonguei demais mas para mim a guerra foi anteontem e vai estar presente na minha vida até eu morrer.
Um grande abraço e muito obrigado.

Pedro Miguel Pereira Cordeiro,
filho do Cap Pára João Costa Cordeiro

2. Pronto depoimento, a meu pedido, sobre o Cap Pára João Cordeiro, cmdt da CCP 123 (Bíssalanca, BA 12, 1972/74), por parte do Manuel Rebocho, ex-sargento pára-quedista da CCP 123 (Maio de 1972/Julho de 1974), hoje Sargento-Mor Pára-quedista, na Reserva, e doutorado pela Universidade de Évora em Sociologia da Paz e dos Conflitos (tese de doutoramento: A formação das elites militares portuguesas entre 1900 e 1975) (***).


Meu caro e camarada Luis

Conheci, para o bem e para o mal, muito bem o Capitão Pára-quedista Cordeiro.

Também para o bem e para o mal, o que fui na Guiné deveu-se a ele: primeiro pelo ódio que tínhamos um pelo outro, depois pela cumplicidade a que a guerra nos obrigou, que nos tornou amigos. Fizemos as pazes, assumindo ambos que havíamos cometido um excesso em determinada altura.

Na minha tese de doutoramento dedico-lhe, também para o bem e para o mal, várias páginas.

O Capitão Cordeiro faleceu num salto em pára-quedas, porque o mesmo não abriu. Salto esse que foi efectuado sobre o nosso batalhão, [BCP 12,] em Bissalanca.

Escrever para um filho sobre o comportamento do pai não é, para mim, tarefa fácil.

Tenho recebido vários e-mails de camaradas que me pedem uma cópia da tese, alegando que a mesma lhe terá sido enviada por mail, mas lê-se com dificuldade. Talvez algum amigo do Capitão Cordeiro queira enviar ao Miguel uma das ditas cópias que parece andam a circular.

Mas uma coisa adianto ao Miguel: o ódio que eu tinha pelo seu pai e vice-versa, resultou mais de uma criancice do então 1.º Sargento Pára-Quedista Catarino (comigo há sempre nomes, nunca me peçam que os omita), que lhe foi fazer queixas minhas, de factos que o próprio Catarino tinha criado.

O Capitão Cordeiro foi pouco hábil e criticou-me severamente e eu respondi-lhe à letra, o resto é fácil de imaginar. Os melhores Sargentos colocaram-se do meu lado, alguns Oficiais seguiram-nos e o Comandante mandou calar toda a gente, e arrumou o assunto.

Nenhum tivera razão. Todos nos excedemos e todos perdemos.

Já na Guiné, e por sugestão do Capitão Cordeiro, perante todos os graduados da CCP 123, aceitámos dividir as responsabilidades do que havia acontecido. Para citar as palavras do Capitão Cordeiro, "dividimos a bicicleta ao meio". Pelo que, há 38 anos que eu, ao falar sobre o assunto, assumo que tive 50% de responsabilidades no lamantável incidente, cuja verdadeira responsabilidade foi dum terceiro.

Um abraço

Manuel Rebocho

3. Comentário de L.G.:

Meu caro Pedro: Só temos, para já, dois pequenos comentários sobre o seu pai, enquanto militar. Talvez se arranje mais, no futuro, incluindo postes e fotos. (Vieram de dois antigos camaradas da FAP, o então Pilav Ten Pessoa, o primeiro a ser abatido por um Strela; e o Manuel Rebocho, que era então, em 1973, sargento pára-quedista na subunidade comandada pelo seu pai.).

É o nosso testemunho, solidário... Espero que o ajude a também reorganizar as suas memórias de infância e adolescência, você que estava lá, na Guiné, nesse fatídico dia em que o pára-quedas do seu pai não se abriu... (****).

___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 19 de Março de 2009 Guiné 63/74 - P4051: FAP (18): Kurika da Mata (Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74)

Vd. também poste de 14 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4184: FAP (22): Entrega do meu pára-quedas ao Museu dos Pára-quedistas, na Base Escola de Tancos (Miguel Pessoa)

Caro João [Seabra]:

(...) Quanto ao Cap Cordeiro, também me incluo na lista dos que têm por ele grande consideração. Não me posso esquecer que foi o grupo de pára-quedistas que ele comandava quem primeiro chegou ao pé de mim, conjuntamente com o grupo do Marcelino, quando me recuperaram do corredor do Guileje.

"Podes ver uma foto do Cap Cordeiro no post 4051, durante a acção em que fui recuperado. Senti muito a sua morte num estúpido (mas sempre possível) acidente num salto de treino, na Guiné. Um abraço. Miguel Pessoa" (...).



(**) Vd. poste de 19 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4216: Comentários que merecem ser postes (4): Homenagem à memória do Capitão Pára-quedista João Costa Cordeiro (João Seabra)

(***) Vd. postes anteriores desta série:

20 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4059: Meu pai, meu velho, meu camarada (1): Memórias de Cabo Verde, São Vicente, Mindelo, 1941/43 (Luís Graça)

21 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4060: Meu pai, meu velho, meu camarada (2): Militar de carreira, herói da 1ª Grande Guerra, saiu do RAP 2 como eu (David Guimarães)

21 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4062: Meu pai, meu velho, meu camarada (3): No Dia Mundial da Poesia (António Graça de Abreu)

24 de Maio de 2009> Guiné 63/74 - P4407: Meu pai, meu velho, meu camarada (4): Não é um elogio fúnebre que te quero dedicar... (António G. Matos)

26 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4420: Meu pai, meu velho, meu camarada (5): A minha família e o RAP2 (Vila Nova de Gaia) (David Guimarães)

14 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4184: FAP (22): Entrega do meu pára-quedas ao Museu dos Pára-quedistas, na Base Escola de Tancos (Miguel Pessoa)

Caro João:

(...) Quanto ao Cap Cordeiro, também me incluo na lista dos que têm por ele grande consideração. Não me posso esquecer que foi o grupo de pára-quedistas que ele comandava quem primeiro chegou ao pé de mim, conjuntamente com o grupo do Marcelino, quando me recuperaram do corredor do Guileje.

"Podes ver uma foto do Cap Cordeiro no post 4051, durante a acção em que fui recuperado. Senti muito a sua morte num estúpido (mas sempre possível) acidente num salto de treino, na Guiné. Um abraço. Miguel Pessoa" (...).



(****) Vd. postes do Manuel Rebocho:

14 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P877: Nós, os que não fazemos parte da história oficial desta guerra (Manuel Rebocho)"

(...) tomei contacto com o vosso/nosso blogue, através do então Furriel Miliciano José Casimiro Carvalho, da CCAV 8350 (a que abandonou Guileje, em 22 de Maio de 1973), o grande herói de Gadamael Porto, que, não obstante isso, também não faz parte da história oficial da Guerra da Guiné"(...).

28 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P919: Vamos trasladar os restos mortais dos nossos camaradas, enterrados em Guidage, em Maio de 1973 (Manuel Rebocho)

21 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1099: O cemitério militar de Guidaje (Manuel Rebocho, paraquedista)

4 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1150: Carta a Pedro Lauret: A actuação do NRP Orion na evacuação das NT e da população de Guileje, em 1973 (Manuel Rebocho)

5 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1151: Resposta ao Manuel Rebocho: O papel do Orion na batalha de Guileje/Gadamael (Pedro Lauret)

17 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1187: Guidaje: soldado paraquedista Lourenço... deixado para trás (Manuel Rebocho).

22 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1453: Ninguém fica para trás: uma nobre missão do nosso camarada ex-paraquedista Manuel Rebocho

3 comentários:

Sotnaspa disse...

Caro amigo
Eu conheci o teu pai, e digo-te que foi uma excelente pessoa, eu admirava-o, em primeiro lugar porque em tempos tambem queria ser paraquedista, mas segui outro caminho, em segundo lugar como oficial era bastante acessivel. como capitão não tinha "peneiras", sei do que estou a falar porque ele ìa com alguma frequência ao quartel do Batalhão de Nova Lamego e passou algumas vezes pelo meu serviço que era de Transmissões e falei umas quantas vezes com ele.
Além disso quando tinha tempo nas horas vagas, era o ùnico que saltava com o "cogumelo" sobre a pista de NL, o meio aereo tinha que ganhar altitude com pouco espaço,portanto só em espiral é que se conseguia, pista da qual eu tinha uma vista preveligiada porque fica em frente ao quartel do Bat.
Para terminar digo-te que o teu pai foi um valente.

Um abraço do

ASantos
SPM 2558

Carlos MatosGomes disse...

Meu caro Pedro, conheci bem o seu pai. Sou mesmo curso dele da Academia Militar. Fiz parte com ele das equipas de atletismo da Academia que ganhou os campeonatos universitários de 65 e 66~. Tenho, não sei onde, fotos dessas actividades, em que particpraram o Glória Alves, o Leonel de Carvalho entre tantos outros militares. O número de corpo dele era o 12. Estive com ele na Guiné. Era, o que se pode dizer com toda a propriedade um homem de carácter, bem formado, um militar exemplar, de trato fácil, acessível que honrava quer os paraquedistas quer todas as Forças Armadas. Acresce ainda, e isso talvez não saiba, esteve envolvido desde o início no movimento dos capitães que iria dar origem ao MFA e ao 25 de Abril. Poucos dias antes da sua morte estivemos reunidos, o pequeno núcleo que constituía a comissão na LDG Bombarda, ou Montante, atracada em Bissau... um jantar de oficiais bnum navio não despertava suspeitas... O Cordeiro, o nosso "duze", o seu pai era um homem de que se pode orgulhar a todos os títulos, como militar e como cidadão...
Receba os melhores cumprimentos e o testemunho do apreço do Carlos de Matos Gomes

Pedro Cordeiro disse...

Caros Senhores

Agradeço os vossos testemunhos, garanto que, algures num futuro próximo, também acrescentarei (se o moderador aprovar) algumas fotos e documentos relativos à comissão de meu Pai na Guiné.

Ao Doutor Rebocho
Se não me engano, nalguma foto aparece o (então Sarg.) Doutor Rebocho, lembro-me vagamente de ao ver fotos da Guiné com minha Mãe, esta referir um qq incidente com um Sargento que aparecia numa foto...

A António Santos
Tenho bem presente a verdadeira paixão de meu Pai pelos saltos de pára-quedas, abundam, nos álbuns de família, imensos saltos, alguns em competições em França e na Rodésia, isto apesar das 2 comissões. Lembro-me, mesmo em miúdo na Guiné de, a seguir ao almoço, ele "cravar" os seus amigos pilotos para ir dar um salto.

Ao Cor. Matos Gomes
Tenho algumas fotos dos tempos de
Academia, incluindo mesmo algumas das competições de Atletismo e uma de um gesso ao tórax resultante duma queda na ginástica. Sei que a sua pronúncia Micaelense lhe valeu a alcunha "Duze", do que não sabia era desse envolvimento em reuniões.
Agradeço imenso o depoimento.

p.s.: Caro Luís Graça, gostaria apenas de lhe pedir para corrigir o marcador de "Cap Pára João Pedro Cordeiro" para "Cap Pára João Costa Cordeiro". É que o Pedro sou eu não meu Pai que era Manuel de 2º nome..

Um forte abraço a todos
Pedro Cordeiro