terça-feira, 14 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4684: (Ex)citações (35): Milicianos ou do Quadro Permanente, todos fomos combatentes (Paulo Santiago)

1. No dia 13 de Julho de 2009, Paulo Santiago (*), Ex-Alf Mil, Cmdt do Pel Caç Nat 53,
Saltinho, 1970/72, fez este comentário no poste Guiné 63/74 - P4672 (**):

Queiram desculpar, estas discussões estéreis, ía dizer, já cheiram mal, mas digo melhor, são uma MERDA...

Será que este blogue passou a ser um espaço para historiadores e doutrinadores?

Milicianos versus QP's, qual o interesse? Houve bons e maus, nos dois campos, mas isto é uma afirmação à La Palisse. Já contei por aí parte da minha vivência na Guiné, e sabem que o pior personagem que encontrei naquele teatro foi precisamente um miliciano (Capitão). Daqui não vou generalizar, que todos os milicianos (eu incluído) eram maus, seria um ultrage. Mas esta generalização(sem Generais, como algures diz o Mexia Alves) está a ser tentada em relação aos militares do QP. Não vou falar de militares do QP que conheci e eram excelentes, vou até Guiledje (só cá faltava, dirão) para lembrar dois mortos, o Cap Tinoco de Faria e o Cap Assunção Silva... eram do QP.

Dirão alguns, "...e quantos Milicianos lá morreram"? Muitos, direi eu, incluindo Soldados. Mas deixemos Guiledje e vamos até Guidaje (já agora!?), penso que foi o meu amigo e conterrâneo, Vitor Tavares, que falou no assunto num poste inserido no blogue, há meses atrás, quando contou a odisseia do socorro dos Páras aquele aquartelamento na fronteira com o Senegal. Contava ele, ficarem impressionados verem um tipo, já não muito novo, quando dos ataques, de pingalim na mão, a coordenar o fogo de morteiros e outras armas, com rebentamentos a toda a volta. Tratava-se do Major Correia de Campos. E para que não esqueçam, relembro o "massacre do Chão Manjaco", morreu um Alf Mil, mas morreram três Majores da nata de Oficiais Superiores do ComChefe.

O nosso camarada Mário Fitas falou, várias vezes, com admiração, no Cap Costa Campos, comandante dos "Lassas", que participava nas Operações, apesar de já andar nos quase 40 anos de idade.

Fui buscar estes exemplos, há mais, porque me chateia esta treta de descarregar as culpas sobre os oficiais do QP. Parece que não andámos todos lá... Parece que o Xime, onde esteve o Pereira da Costa era uma colónia de férias...
Fui miliciano com orgulho, não tenho qualquer ligação familiar com militares do Quadro, mas não tenho qualquer preconceito em relação a eles. Temos alguns aqui no blogue... poderíamos ter mais... acabemos com estas tricas.

Abraço
P.Santiago
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 18 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4046: Ainda a atroz dúvida da Cidália, 37 anos depois: O meu marido morreu mesmo na emboscada do Quirafo ? (Paulo Santiago)

(**) Vd. poste de 12 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4672: Blogoterapia (114): Quem somos nós? (António J. Pereira da Costa)

Vd. último poste da série de 13 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4680: (Ex)citações (34): Resposta ao amigo Pereira da Costa (J. Mexia Alves)

6 comentários:

Anónimo disse...

Obrigado Paulo pelas tuas palavras, porque reflectem a opinião para além de um amigo, de um Homem honesto.

Tive dois tios um por afinidade do QP que muito me orgulho.

Tive amigos do QP que brincaram comigo na mesma escola. Dois deles também já os referi no Blog:
O Cor. Piçarra Mourão que comandou em Bissorã os valentes da 1525 e escreveu dois livros "Guiné Sempre" e "Da Guiné a Angola", e ainda o Capitão Rui Baixa, que não perdeu nada por pegar no "traçado" e capinar e ajudar a identificar as campas dos mártires de Guidage.

Quanto ao Cor. Costa Campos, saía com os Lassas e não só,também fazia uma perninha nas situações complicadas em que apenas operavam "grupos especiais" de tropa macaca fora do arame.

Parabéns pois pela tua belíssima intervenção.

A Guerra na Guiné era a Guerra da Guiné.

Ainda hoje quando visito a minha bonita aldeia da Planície, por vezes sou surpreendido pelo grito dos Rangers, dado por um veterano do QP já entradote, que conforme a companhia por vezes me deixa um pouco atrapalhado.

Recordo perfeitamente uma reunião no "Timor" antes de chegar-mos a Bissau, dizer para o então Cap. Costa Campos:
_Sr. Capitão não esqueça que não somos militares profissionais e tenha essa componente em atenção!

Resposta do Costa Campos com aquele sorriso caracteristico com a sua dose de malandrice:

_Não tenhas problemas rapaz, quando lá chegarmos vais ver que nem na morte há diferenças.

E foi verdade, o madeirense Vieira Barcelos sargento do QP, a meu lado foi apanhado no figado e morreu no HM de Bissau, e olha eu ainda por aqui ando.

O abraço como sempre do tamanho do Cumbijã,

Mário Fitas

Joaquim Mexia Alves disse...

Meu caro Paulo

Assino por baixo e ratifico.

Vem aliás no sentido dos comentários que fiz, mas mais forte e conciso.

E ainda não se falou do QEO do qual conheci e sou mais do que amigo, o Cap. Bordalo que comandou brilhantemente a C. Caç 12

Abraço camarigo

Luís Graça disse...

Joaquim:

Um dia tens que arranjar tempo para me/nos falar desse célebre Bordalo, capitão da "minha" CCAÇ 12, que eu ajudei a fundar... Não tenho a certeza se foi ele que foi render - eramos todos de rendição individual - o meu/nosso capitão Carlos Brito, um homem do QP que era a delicadeza em pessoa, promovido a major já no final da nossa comissão, em princípios de 1971 (a 1ª comissão, da malta metropolitana, os pais-fundadores da CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, Maio de 1969/Março de 1971)... Era do curso da Escola do Exército, do Jorge Freire, que está hoje nos States.

Tens alguma foto dele, do Bordalo ? O Paulo Santiago também o conheceu... Como conheceu, e bem, outra outro oficial do QP, o tenente-coronel Polidoro Monteiro, o único oficial superior que andou comigo, de G3 na mão, no mato, no inferno do Xime... Os milicianos apreciavam, nesse tempo, gestos como estes que poderiam ser "show off", mas que ficavam bem, caíam bem, melhoravam muito o nosso moral...

Abraços. Luís


PS - Joaquim e Paulo: a dicotomia QP / Milicianos é-nos prejudicial, acaba por intimidar e afastar os homens do QP que são mais velhos do que nós - por exemplo, o meu capitão tinha 37/38 anos, o meu querido sargento Piça era da mesma idade... Já estavam na sua 3ª comissão... Vocès imaginam-se a bisar a Guiné, a fazer mais uma comissãopzinha ? Eu, não, andei, no mínimo cinco anos, a fazer a digestão da primeira e única...

Estes homens, eles camaradas, poderiam ainda dar-nos belos testemunhos... Que saudades eu tenho,por exemplo, do Piça, grande sargento "lateiro", um alentejano de fantástico humor, um camaradão, um homem bom e generoso!
- Piça, minha senhora, para a servir! - apresentava-se ele às pessoas do belo que se ruborizavam e engasgavam ao ouvir o seu apelido, e replicavam:
- Como ?...

Muitos destes homens que fizeram três e mais comissões e sacrificaram as suas famílias, ou mal conheceram os filhos enquanto crianças e adolescentes - já hoje andam na casa dos 70 e muitos, dos 80.. O que é feito de ti, Grande Piça ? O que é feito de si, Coronel Brito ? Claro que havia outros (do QP, milicianos ou do contingente geral) de que a gente não guarda uma especial recordação... Mas isso, que importa ? Não nos permite fazer generalizações abusivas... Na tropa e na guerra, conheci/conhecemos filhos de muitas mães...

Muitos destes homens estão a precisar agora de um gesto de carinho e de areço, de simpatia e compaixão, da nossa parte... Sejamos generosos para com eles!

Há tempos encontrei o major Ribeiro, o major "eléctrico", com quem não simpatizava por aí além pelos seus modos bruscos, pelo seu destempero de linguagem, pelo sua hiperactividade (daí a alcunha....). A CCAÇ 12 era explorada até mais não: o major RIbeiro (pai do antigo bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Ribeiro), 2º comandante do BCAÇ 2852, ainda nos punha, ao pretos de 2ª e de 1ª (como eu), a abrir valas em Bambadinca, no regresso das operações (éramos uma unidade de intervenção à disposição dos senhores da guerra de Bambadinca...).

O homem, que andava sempre de jipe, no 'gosse gosse', teve um brutal acidente, ficou esmagado por uma carrada de cibes, na rampa de Bambadinca. Ficámos chocados, foi evacuado, veio outro, foi esquecido...

Encontrei-o no lançamento do 2º livro do Beja Santos (terá sido ele que lhe pôs a alcunha de Tigre de Missirá) e... tive que lhe dar um abraço... Tinha 84 anos e a mesma fibra de então! Não podia deixar de lhe dar um abraço, sincero, sem ressentimentos...

(Continua)

Luís Graça disse...

(Continuação)

Já não tenho quaisquer ressentimentos, em relação a ninguém, de um lado (NT) e de outro (PAIGC)...

Nem sequer do meu instrutor de Tavira, alferes miliciano, que era um sádico, e que nos punha a rebolar na merda de vaca, no dia seguinte à feira de Tavira, frente à janela de um pirosa de uma dama qualquer...

Nem mesmo ao major Anjos de Carvalho, um emproado militarista (o 2º cmdt do BART 2717, que veio a seguir ao BCAÇ 2852, que eu insultei em 26 de Novembro de 1970 e que me quis mandar para a psiquiatria, valeu-me o Dr. Drácula, e os meus camaradas, tugas e guineenses, que me estimavam, e que eram capazes de puxar da G3, se as coisas dessem para o torto)... Hoje se o encontrar, dou-lhe um abraço!

Estou em paz com todo o mundo (que fez a guerra comigo)... Não tenho nada a cobrar a ninguém... E o contrário também é verdadeiro: não tenho dívidas a pagar, nem mesmo aos pobres dos meus camaradas guineenses que fizeram a guerra do nosso, como nossos aliados...

Dirás: somos um coração de manteiga, tu, eu, o Paulo... Não: tínhamos 20 anos, hoje temos 60, temos outros óculos, outras lentes, outras grelhas de leitura para analisar e interpretar os acontecimentos...

Sobretudo, somos capazes de rir até às lágrimas ao rever, em retrospectiva, estas cenas (não direi todas, mas quase todas...) do filme dos nossos vinte anos...

O humor (e compaixão) é isso o que nos falta, às vezes, no nosso blogue, quando evocamos homens e situações do nosso tempo de Guiné...

Um Alfa Bravo, camaradas.

JOSÉ BORREGO disse...

Camarada Paulo Santiago, parabéns pela tua boa e oportuna reflexão.
O blogue só tem a ganhar se continuar a ser um espaço de Tolerância e de Reconciliação entre os camaradas de armas.

Abraços do
JOSÉ BORREGO

paulo santiago disse...

Luis,Joaquim
Depois de pensar,julgo não ter
conhecido o Cap.Bordalo.Quando da
minha estadia em Bambadinca,a
CCAÇ 12 era comandada pelo Cap.
Celestino(?)também do QEO,também
com trinta e alguns anos,o que não
era impeditivo de participar nas
operações...este Cap.Celestino
deve ter substituído o teu Brito,
o Cap.Bordalo deve ter ido para
o comando da CCAÇ 12 já depois
de Mar/72,altura em que dei por
terminada a minha estadia em
Bambadinca.O Joaquim pode esclarecer isto melhor.Quanto ao
Polidoro,já falei dele,era um
comandante de eleição,não havia
muitos assim...e foi,além de
camarada,um amigo..
Abraço
Santiago