quarta-feira, 8 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21151: Memórias cruzadas nas 'matas' da região do Óio-Morés em 1963: o caso da queda do T6 FAP 1694 em 14 de outubro de 1963 (Jorge Araújo) - Parte I


Foto 1 - exemplo de um T-6 (matrícula 1688).
(com a devida vénia)



Foto 2 - exemplo de uma parelha (ou esquadrilha) de T-6 (matrículas: 1620 e 1661 …) In: http://riodosbonssinais.blogspot.com/2014/09/ 
( com a devida vénia)




O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger,
CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior; vive em, Almada, está atualmente nos Emiratos Árabes Unidos; tem cerca de 260 registos no nosso blogue.


MEMÓRIAS CRUZADAS
NAS 'MATAS' DA REGIÃO DO ÓIO-MORÉS EM 1963
- O CASO DA QUEDA DO «T-6 FAP 1694» EM 14OUT63 -
PARTE I




Mapa da região do Óio-Morés com infografia da queda do «T-6 FAP 1694», pilotado pelo Cap Pilav João Cardoso de Carvalho Rebelo Valente, ocorrida em 14Out1963. Identificam-se, com pontos a azul, três das bases existentes naquela região: Maqué, Fajonquito e Morés. Quartéis das NT mais próximos: Olossato e Mansabá.



1.   - INTRODUÇÃO

A quantidade de documentação histórica que continua em silêncio nos arquivos é de tal monta que será difícil, a cada um de nós, dela ter conhecimento e, quiçá, encontrar respostas às dúvidas que persistem… teimosamente!

É dessa teimosia, que se traduz em revisões continuadas do trabalho histórico, emergente da "pesquisa" e do seu estudo, que às vezes faz-se "luz", e, por acumulações de verdades parciais, conseguimos ir mais longe na objectividade histórica, pois esta deverá ser consistente.

Em novo regresso "às matas da região do Óio-Morés" (*),  o Lourenço Gomes e eu, através de «Memórias Cruzadas» de há cinquenta e sete anos, foi possível reconstruir uma parte do nosso «puzzle» da "guerra", que continua incompleto, mas ao qual lhe adicionamos mais algumas peças, retirando as que não encaixavam correctamente, como procuramos provar ao longo das duas partes em que foi dividida esta narrativa.    

2.   - VISITA A BASES DO NORTE DA GUINÉ: - MISSÃO ATRIBUÍDA A LOURENÇO GOMES, EM OUTUBRO DE 1963

Três meses depois da entrada dos primeiros grupos de guerrilheiros do PAIGC em território da Guiné – Frente Norte – para início da sua acção de guerrilha contra as forças militares portuguesas (europeias e do recrutamento local), Lourenço Gomes, o versátil operacional em território do Senegal, responsável pela "gestão" de problemas logísticos (recursos e informação) dos dois lados dessa fronteira, com particular relevância para os cuidados de saúde, onde se incluíam os primeiros socorros e transporte dos feridos em combate resgatados do interior, foi incumbido de realizar mais uma "missão", esta agendada para o período entre 08 e 18 de Outubro de 1963, cujo objectivo era o contacto com algumas das bases da Região do Óio-Morés.

Eis o que deixou escrito sobre esta sua "missão":

2.1 – RELATÓRIO (elaborado por Lourenço Gomes)

Dakar, 24 de Outubro de 1963 (data em que assinou o documento dactilografado)

Visita ao interior (Bases)

Parti de Samine (Senegal) no dia 8 deste mês (Outubro'63), (3.ª feira), para uma visita ao interior. Cheguei à base do camarada Ambrósio Djassi [Osvaldo Vieira; 1938-1974], no dia 09-10-63 (4.ª feira). 

Visitei três bases do Óio [Morés (Central), Fajonquito e Maqué; bases assinaladas a azul na infografia acima].

Pude fazer a visita das bases de dia sem qualquer perigo. Só causa aos camaradas um pouco de preocupação os aviões portugueses. Vi as armas que vieram e são muito boas. A moral dos camaradas é excelente. Estão animados de uma vontade extraordinária. Visitei todos os sítios onde foram abatidos os aviões portugueses. Contei 16 restos de aviões abatidos.

◙ No dia 14-10-63 (2.ª feira) = 

Na minha presença, os aviões portugueses tentaram atacar a base [Central do Morés] do Ambrósio Djassi [Osvaldo Vieira]. Os camaradas abateram três aviões inimigos [apenas um: o «T-6 FAP 1694», do Cap Pilav João Rebelo Valente]. 

Nós tivemos nove mortos e oito feridos. Esses feridos deviam ser transferidos comigo para Samine [no Senegal], mas tiveram que voltar para o Óio, porque os portugueses descobriram uma cambança por onde deveríamos passar e tentaram apanhar-nos nesse mesmo sítio.

# «MC» ▼ A informação do Lourenço Gomes, sobre os "três aviões abatidos no Morés", é extramente relevante para a historiografia militar relacionada com a "Guerra do Ultramar", em particular os "acidentes da aviação militar" no CTIGuiné.

De facto, em nome da verdade, não foram três os "aviões abatidos", como ele refere. Somente o «T-6, matrícula FAP 1694», pilotado pelo Cap Pilav João Cardoso de Carvalho Rebelo Valente, caiu naquela região na data por ele indicada, e que se confirma.

Seria igualmente relevante saber se esta aeronave era a única que estava em "missão", naquele momento, ou se, porventura, fazia parte de uma parelha ou esquadrilha? uma vez que Lourenço Gomes refere-se a três unidades.

Já anteriormente esta ocorrência tinha merecido o meu interesse no seu aprofundamento, como, aliás, deixei expresso na narrativa publicada em 25 de Julho de 2019 – P20010 – a que dei o nome de «O T-6G FAP 1694 e o Cap Pilav João Rebelo Valente, desaparecido em 14/10/1963, na região do Óio-Morés».

O "mistério" ou o "conflito histórico" nascera da discrepância observada entre as fontes consultadas, em que, no primeiro caso, a causa foi consequência de "voo de experiência do avião, embatendo no solo ao fazer acrobacia a baixa altitude", conforme registo abaixo: 




No segundo caso, o acidente é descrito que a mesma aeronave "ao colidir com o solo após manobra acrobática, em Olossato, provocou a morte do Capitão Piloto aviador João Cardoso de Carvalho Rebelo Valente, facto que pode ser comprovado com a informação seguinte:



A recuperação das duas imagens, que se apresentam abaixo, servem para testemunhar que a aeronave «T-6 FAP 1694» se despenhou na região do Óio e, segundo Pedro Pires (1934-), "muito próximo da base [Central] do Osvaldo Vieira, perto da tabanca de Morés".

Perante a violência das imagens observadas ao estado em que ficou a aeronave, onde só se vêm ferros retorcidos, é aceitável considerar-se que durante o movimento da queda ou após o seu embate com o solo, o avião se tenha incendiado, e o corpo do piloto carbonizado.

Mesmo tratando-se de fotos "preto e branco", fica-se com a sensação de que o capim e as folhas das árvores se encontram queimadas. É que estas imagens não foram registadas no dia do acidente, mas sim algum tempo depois… certamente!




Foto 3 - Citação: (1963) "Lay Sek junto de um pedaço de um avião português abatido pelo PAIGC", CasaComum.org, Disponível HTTP: 



Foto 4 - Citação: (1963) "População junto de um pedaço de um avião português abatido pelo PAIGC", CasaComum.org, Disponível HTTP: 

Quanto aos nove mortos contabilizados por efeito do bombardeamento, referidos por Lourenço Gomes, este mesmo acontecimento volta a ser abordado por Osvaldo Vieira, no documento que enviou do Óio ao Secretário-Geral, em 10 de Novembro de 1963, relatando: "no dia 14 do mês de Outubro'63 sofremos um bombardeamento na base onde perdemos 13 [treze] camaradas entre eles o 1.º responsável das mulheres do Morés, de nome Joncon Seidi", o que difere dos números avançados por Lourenço Gomes.



Ainda no que concerne a este episódio, nomeadamente em relação às mortes registadas, Amílcar Cabral (1924-1973), em carta dirigida, de Conacri, a Osvaldo Vieira, datada de 31 de Dezembro de 1963, destaca um nome – o de Joncon Seidi.



Citação: (1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36712, com a devida vénia.

Medicamentos no interior = 

O camarada [enfermeiro] Tiago Lopes já não dispõe de mais medicamentos. Há dias tive de comprar 30.000 francos de medicamentos para o interior. Precisamos de ter em conta que hoje muita gente não pode ir à consulta dos portugueses. Todas as crianças doentes vão ver o Tiago Lopes. 

Gasta-se muito medicamento. Os feridos menos graves têm sido tratados pelo Tiago Lopes. Só têm saído os feridos graves. Hoje necessitamos de muitos medicamentos.

Material de Guerra = 

Segue o camarada Chico Té [Francisco Mendes; 1939-1978], que há-de fazer um relatório completo sobre o que foi discutido e decidido.

Despesas = 

Recebi os cem mil francos pelo Pedro Pires. Esse dinheiro é pouco. Hoje, se não gastamos com a alimentação de camaradas, temos que gastar muito com os feridos. Tenho de comprar medicamentos para mandarmos para o interior e de pagar todos os tratamentos feitos no Hospital de Ziguinchor. O transporte dos feridos são pagos por mim. Há dias gastei 20 mil francos por duas viagens com feridos. 

No Hospital de Ziguinchor temos de pagar tudo. A alimentação dos doentes também é paga. Pago à Carmem 30.000 francos por mês para alimentação dos doentes. Só por esses dados podem ver as despesas que fazemos. Temos de comprar até as ligaduras.

Com os camaradas do interior também temos despesas: compro óleo para as armas, sal, etc.. Tenho comigo uma lista de artigos de necessidade urgente que tenho de mandar, quando voltar a Samine. Peço que avaliem qual é a nossa despesa, hoje, no Norte. Preciso que enviem mais 200 mil francos para despesas até ao fim do mês de Novembro'63. Mas tem de ser urgente, porque estou à espera dos oito feridos do interior e nessa altura terei catorze feridos em Ziguinchor. 

Se vocês não me mandarem a quantia pedida, estou a ver que terei de ir a Conacri para discutir convosco a questão das despesas e arrumar as contas com o Aristides Pereira [1923-2011]. Nestas condições, sairei de Dakar no dia 08 de Novembro'63. Conto que vocês saberão compreender as nossas necessidades actuais e terei a quantia pedida dentro de pouco tempo.

Viatura = 

Novamente tenho de vos falar da questão de uma viatura. Torna-se necessário ter-se uma viatura para transporte dos feridos. Como vocês sabem, Samine é uma vila muito pequena e muitas vezes não há carro nenhum de aluguer aí. Também as despesas de transporte são grandes por isso insisto nesta questão da viatura.

Refugiados Portugueses = 

Vieram de Bissau dois militares portugueses, enviados pelo camarada Zain Lopes [Rafael Barbosa]. Foram conduzidos até à base do Ambrósio Djassi [Osvaldo Vieira] por um camarada do Partido [Biagué]. Tratam-se do alferes miliciano Fernandes Vaz [subtenente Manuel José Fernandes Vaz] e do sargento miliciano Fernando Fontes [ambos militares da marinha].

Quando chegaram a Ziguinchor foram presos pela Polícia de Sureté [Segurança] senegalesa e transferidos para Dakar. Também estive preso com eles em Ziguinchor durante três dias e transferido para Dakar. Em Dakar fui posto em liberdade. 

Os camaradas portugueses encontram-se ainda na polícia a fim de prestarem declarações. A minha prisão em Ziguinchor foi motivada mais pelas intrigas do 'Ndjai Bá, que tive que expulsar do Comité de Ziguinchor porque estava pedindo dinheiro em nome do Partido.

# «MC» ▼ 

Os dois desertores da marinha portuguesa, acima identificados, por terem entrado em território do Senegal, foram detidos pela Polícia de Fronteira e levados para Ziguinchor, onde permaneceram em cativeiro durante três dias. Seguiu-se a sua transferência para Dakar, a fim de concluírem o processo de interrogatório. Após serem postos em liberdade, tomaram a iniciativa de escrever uma carta de agradecimento a Amílcar Cabral, pelo apoio prestado, de cujo conteúdo reproduzimos a parte que segue:



Citação: (1963), Sem título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, 

Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36581, com a devida vénia.

Fico aguardando ou a vossa resposta urgente ou a minha partida para Conacri.
Dakar, 24 de Outubro de 1963.
Lourenço Gomes.



Citação: (1963), "Relatório sobre a visita de Lourenço Gomes à região de Óio", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41412, com a devida vénia.
Continua…
► Fontes consultadas:

Ø  CasaComum, Fundação Mário Soares. Pasta: 07075.147.046. Título: Relatório sobre a visita de Lourenço Gomes à região do Óio. Assunto: Relatório assinado por Lourenço Gomes sobre a sua visita ao interior, região de Óio. Visita aos locais onde foram abatidos os aviões portugueses; ataque à base de Ambrósio Djassi [Osvaldo Vieira]. Necessidade de medicamentos no interior. Material de Guerra. Despesas. Viatura para transporte dos feridos. Envio dos militares portuguesas, Fernandes Vaz e Fernando Fortes, para a base de Abel Djassi. Em anexo documento assinado por Pedro Pires, datado de 21 de Outubro de 1963, com as informações colhidas das declarações de Biagué. Data: Quinta, 24 de Outubro de 1963. Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Relatórios XI 1961-1964. Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.

Ø  Outras: as referidas em cada caso.
Termino, agradecendo a atenção dispensada.
Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
04JUL2020

_______________

Nota do editor:

(*) Vd. poste de 2 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21130: Memórias cruzadas nas 'matas' da região do Oio-Morés em 1963/64 (Jorge Araújo) - II (e última) Parte

10 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Este Lourenço Gomes, da Frente Norte, andava sempre a "chorar", com falta de "patacão"... Mas quem nao chora não mama... E este pottuguesíssimo proverbio popular também era válido para o PAIGC (que sempre chorar como ninguém perante russos, chineses, checos, cubanos, suecos...). (O Salazar, "orgulhosamente só", nem o plano Marshal quis ou soube negociar...).

Eu achava qube o "ti Lourenço", como era conhecido pelos "periquitos" do PAIGC, era um "fraco", sem "fira de recolucionário", um burocrata do pAIGC como muitos dos quadros do nosso exercito na época, que não foram formatados nem treinados para aquela guerra... nem sequer para a guerra...

O Cherno Baldé corrigiu a minha leviana impressão:

(...) O Lourenço Gomes (...) não é tão fraquinho como parece nesta imagem de missivas de 1965. Era de muita confiança e devia ser uma espécie de "bombeiro" para situações difíceis.

"No período pós-independência, o Lourenço foi o primeiro responsável do Partido a trabalhar com as chefias militares do exército português com vista a entrega das instalações e quartéis de Bissau. Deve haver muitas referências sobre ele nos contactos havidos com a parte portuguesa e, sobretudo a resolução da situação dos Comandos e soldados Guineenses que combateram do lado português.

"Esteve depois ligado aos serviços da segurança do Estado, mesmo depois do golpe militar de 14 de Novembro de 1980 [, liderado por 'Nino' Vieira contra Luís Cabral]. Deve ter morrido de doença numa idade avançada, em finais dos anos 90 ou inícios de 2000. Era muito temido, como todos os da segurança num país de ditadura pseudo-revolucionária. (...)

25 DE NOVEMBRO DE 2018
Guiné 61/74 - P19232: PAIGC - Quem foi quem (11): Lourenço Gomes, era uma espécie de "bombeiro" para situações difíceis ... A seguir à independência era um homem temido, ligado ao aparelho de segurança do Estado (Cherno Baldé, Bissau)


António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Não sei o que a FAP diz efectivamente sobre esta queda de avião e morte do piloto. Parece-me, contudo estranho que um piloto, em T-6, vá fazer acrobacia para aquela região.

Poderá ter havido necessidade de disfarçar o abate de um avião, numa altura em que a guerra tinha começado há pouco tempo (10OUT63). Era tempo de negar a violência da guerra e as capacidades do In.
E para as autoridades sempre é preferível perder um avião por falha do piloto (em acrobacia) do que por abate em combate.
Além disso, uma morte em voo acrobático reduziria uma eventual "pensão de preço de sangue". relativamente a uma morte por abate defrontando o In.

Tenho para mim que a nossa documentação oficial, às vezes também tem falta de exactidão, tal como a do PAIGC.

Um Ab.
António J. P. Costa

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Lembro-me de ter chegado a Bissau, no T/T Niassa, no dia 28 de maio de 1969, 4ª feira. Quarenta três anos depois do golpe de Estado que daria origem à Ditadua Militar e ao Estado Novo...

À meia noite desse dia, Bambadinca tinha estado a "embrulhar", saberei uns dias depois, quando lá passar, no dia 2 de junho, 2ª feira, ao meio dia... "Ainda cheirava a pólvora!"... (Por ironia, seremos la colocados, no famoso triângulo Bambinca-Xime-Xitole, setor L1.)

Neste último fim de semana do resto das nossas vidas, andámos a "matar a insaciável sede" pelos bares e esplanadas de Bissau. Suplício de Tãntalo!... No dia 2 de junho embarcaríamos em LDG até ao Xime, a caminho de Contuboel, onde nos esperavam os nossos futuros soldados, do recrutamento local... Íamos dar-lhes a "especialidade" e fazer, cm eles, a "IAO"...
Éramos a CCAÇ 2590, meia dúzia de "tugas", mais tarde CCAÇ 12, da orgulhosa "nova força africana" com que o Spínola queria inverter a situação da guerra em termos político-militares.

Nesse fim de semana prolongado (de 29 de maio a 1 de junho de 1969), o mais que ouvi,nos "mentideros" de Bissau, foram os topónimos da guerra com que a "velhice" acagaçava a "periquitagem", de camuflados indecentemente ainda a cheirar ao "casão militar"...

Lembro-me, como se fosse hoje, dos nomes dos "lugares da morte" com que nos martelavam a cabeça, e que nos inspiravam "terror": para lá de Bissau era o "mato", as tenebrosas margens do Geba e as medonhas matas e "bases do IN" de ressonâncias exóticas...

Na minha "vinculação" à Guiné, há nomes que eu nunca mais irei esquecer: Morés, Choquemone, Fiofioli, Cantanhez, mas também Madina do Boé e Gandembel (antigos aquartelamentos das NT retirados pouco mais de três meses antes)... Irei aprender outros, não menos estranhos mas dolorosos, estes todavoa nunca mais os esqueci...

O Morés sempre foi um dos lugares míticos da guerra da Guiné... Maqué, Fajonquito, Sara-Sarauol, etc., são nomes que aprendi mais tarde a soletrar aqui no blogue... No meu tempo o Morés, tal como oCantanhez, era uma especie de "santuário" do IN, onde só ia a aviação e pouco mais, garantia a "velhice" de Bissua... Wnfim, contavam-se muitas "lendas e narrativas" destes sinistros lugares...

Se calhar essas "lendas e narrativas" eram mais alimenatadas por nós do que até pelo PAIGC (que, na sua propaganda, sobretudo para consumo da clientela externa, chamava-lhes "regiões libertadas")... E a verdade é que tinham um efeito psicológico nos nossos combatentes...

Nunca cheguei a ir ao Fiofioli, na margem direita do Rio Corubal, mas quem lá foi, no âmbito da Operação Lança Afiada, em Março de 1969, ficou dececionado: nem hospital nem enfermeiras cubanas, só galináceos, porcos e vacas... "Íamos todos de moca afiada para apanhar as gajas"...

Mas a palavra que eu mais gostava de soletrar, a par de Fio-fi-o-oli, era Choquemone... Cho-que-mo-ne... Não tinha uma ideia precisa onde era, a não ser no mapa... Mas gostava de soletrar estes topónimos da guerra... Talvez esse exercício, um bocado masoquista, me ajudasse a exorcizar ou esconjurar os meus próprios medos:
mo
Fiofioli... Choquemone ... Morés... Cantanhez... Gandembel... Madina do Boé... Irão morrer comigo se antes não apanhar o Alzheimer (de que Deus nos livre!).

António J. P. Costa disse...

Olá Camarada
Atão cá temos um ataque de nostalgia!
Ein!...
Tás a ficar velho!
Um Ab.
TZ

Manuel Luís Lomba disse...

Leia-se o testemunho de Carlos Fabião, notável militar que o cargo Alto-comissário da Descolonização da Guiné destroçou, acerca da personalidade e da falta de carácter desse Lourenço Gomes.
Abr.
Manuel Luís Lomba

Jorge Araujo disse...


Quanto à idade do Lourenço Gomes:

Consegui apurar nos meus apontamentos que Lourenço Gomes nasceu em 1922, no Canchungo (Teixeira Pinto), região do Cacheu.

Portanto, em 1963, data deste seu relatório, teria 40/41 anos.

Se faleceu em finais dos anos 90 do século passado, teria mais de oitenta anos.

Um abraço para o auditório.
Jorge Araújo.

Cherno Baldé disse...

Caro Manuel Luis Lomba,

A opinião do Carlos Fabiao sobre o Lourenço Gomes é muito interessante, o problema é que, como se diz cá entre nós "O Sapo a dizer que a lagartixa é muito feia". Também ele nao mostrou grande caracter quando desmobilizou os soldados nativos do exército portugues na Guiné, dando-lhes uma guia de marcha para se apresentarem em Bissau na primeira semana do més de Janeiro de 1975, quando sabia perfeitamente que tinham até final de Outubro/74 para deixar o território doravante sob o poder do PAIGC ou seja do ex-IN.

Portanto, isto de ter ou deixar de ter caracter é muito complicado e, acho que, de um lado e d'outro, os homens de caracter ou tinham mudado (métamorphoseado) ou tinham sido afastados, ver mortos, em muitos casos. Veja o caso paradigmatico do Hilario Rodrigues vulgo Lolo (do grupo dos elementos que foram preparados na China em 1962) que o Comandante Ambrosio Djassi alias Osvaldo Vieira desqualificou completamente como militar e viria a morrer como prisioneiro a guarda de Nino Vieira no Sul (ver o Poste anterior do Jorge Araujo sobre a missao do Bebiano Policarpo Cabral de Almada).

Estas investigaçoes "d'outro lado" do Jorge Araujo sao preciosas em muitos sentidos e sobretudo para perceber como eram, internamente, as relaçoes entre os guerrilheiros, as rivalidades e intrigas entre citadinos de Bissau e os rurais mandingas e fulas, entre muçulmanos e cristaos, pensando ja no periodo pos-independencia.

Em 1974, quando o Lourenço trabalha com o Alto Comissario Fabiao, ja ele tinha aura de uma velha raposa, sobrevivente de uma guerra de guerrilhas que nao tinha poupado ninguém, incluindo o proprio A. Cabral, fundador do movimento.

E ainda, no livro publicado por Norberto Alves “O Cote” (se nao me engano no nome) um antigo operacional do PAIGC, ele escreve que na noite do dia 14 de Novembro estavam ele e o Tio Lourenço mais algumas pessoas no Gabinete do Buscardine, chefe da segurança do estado na altura. Tendo em conta a situaçao vigente e depois de alguma ponderaçao, decidem mudar de sitio a fim de continuar a fazer contactos e recolher mais informaçoes porque, até la, o unico comandante que tinha dado sinais de vida tinha sido o Comandante da marinha, Juliao Lopes. Quando chegaram ao local indicado, ja metade do grupo tinha desaparecido, incluindo o guarda costas e o Tio Lourenço . Depois o Buscardine e o Juliao serao mortos, mas o Lourenço vai continuar a merecer a confiança do novo homem forte do pais, Nino Vieira.

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Tó Zé, coisas do "desterro", aqui por terras do Zé do Telhado... Sabes, ao fim de 3 semanas, dou conta de que me falta o mar, o oceano Atlantico,a maresia, o peixinho grelhado, os amigos de tertulia... Não se pode ter tudo... Mantenhas. Luís

Anónimo disse...


Jorge Araújo:

Ainda sobre o Lourenço Gomes: de acordo com os meus apontamentos, ele nasceu em 1922 no Canchungo (Teixeira Pinto). Tinha como profissão, antes da sua fuga para o Senegal, a de "comerciante de ouro".

Cherno Baldé disse...

Caro Jorge Araujo,

Assim, o Tio Lourenço destaca-se como um dos mais velhos se nao o mais velhos dos dirigentes que aceitaram o desafio da luta armada entre 1963/74. O Aristides Pereira era de 1923 e o Amilcar de 1924. A maior parte dos restantes altos dirigentes e comandantes sao da década de 30/40.

Cherno Baldé