quinta-feira, 9 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21156: In Memoriam (366): José Maria da Silva Valente (1946-2020), ex-Fur Mil Art da CART 1689 / BART 1913 (Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69) (José Ferreira da Silva)

 IN MEMORIAM

1. Mensagem do nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de hoje, dia 9 de Julho de 2020, com a triste notícia do falecimento de mais um dos nossos camaradas que combateram na Guiné, desta vez o ex-Fur Mil José Maria da Silva Valente, camarada de Companhia do José Ferreira e seu amigo para o resto da vida.

Caros Camaradas
Faleceu o Valente!


Aconteceu hoje, pelas onze horas, no Hospital de Oliveira de Azeméis. Foi um dos seus filhos gémeos quem me deu a notícia. Fiquei chocado e um pouco desorientado, com a notícia deste desfecho inesperado.
Logo ele, aquele militar que eu tanto admirei na nossa guerra da Guiné!
Logo ele, cuja acção e comportamento temerário suplantavam o apelido que teve por nascimento!

Pois, é esse mesmo, o José Maria da Silva Valente que tanto se dedicava à pesca e que há 4 anos caiu na Barragem de Castelo de Bode, de onde foi preciso tirá-lo quase inconsciente. Nunca mais ficou bem, devido ao ferimento sofrido na cabeça.

Para que conste no património das minhas memórias, caracterizei-o e registei-o no segundo livro que publiquei. E é esta pequena homenagem que lhe presto, através do texto que vai junto, pois quero recordá-lo na força da vida.

Nota: A família aconselha a que não nos desloquemos, pois que o funeral terá lugar somente com a presença de familiares próximos.

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2. Recordemos então, em jeito de homenagem póstuma, o que escreveu o José Ferreira acerca do seu camarada e amigo, José Maria Valente, em 13 de Janeiro de 2011[*]:


Outras memórias da minha guerra (6)

O Valente era mesmo valente

Foi dos últimos a integrar a nossa Companhia. Chegou a Viana do Castelo antes duas ou três semanas de partirmos para a Guiné. Era muito franzino, branquito e sem barba. Não pesava mais de 50 quilos e teria uns 155 centímetros de altura. Até metia pena, pensar que aquele imberbe, também iria para a guerra. Porém, conforme se veio a verificar, a aparência não condizia com a realidade. Curiosamente, alguns dias depois, já ele tinha “presa pela beiça”, uma adolescente que trabalhava na nossa Pensão. Todavia, ele demarcou-se logo e fez questão de nos comunicar que era casado e que já tinha dois gémeos, (acabados de nascer). Inicialmente não acreditámos, mas viemos a confirmar que era verdade.

Pois o Furriel Valente, oriundo de Oliveira de Azeméis, foi um militar de primeira. Cumpridor, corajoso e abnegado, ele, temerariamente, surgia na frente de combate sempre que “elas” começavam a cantar. Foram vários os combates em que ele se destacou. Por isso era muito respeitado na Cart 1689, especialmente pelos seus soldados que o seguiriam até ao inferno, caso fosse preciso.

Silva, Valente, Faria e Jaime - Passeando na Av. de Bissau


Valente também era dançarino


Em Bissau, vindos de férias. O Valente triste no regresso a Catió

Em zona de combate era normal distribuírem-se rações de reforço, para as refeições. Eram diferentes das rações normais. Dizia-se que na contabilidade da Companhia as rações normais eram pagas como refeição normal e as outras não. Ora isto dava azo a um lucro jeitoso, mas isso não era tão mau para os militares que, como eu, até preferia as rações de reforço. O problema maior surgia quando, estando fora do quartel, tínhamos a percepção de que não regressaríamos mais cedo, para não reivindicarmos a refeição quente. Alguns barafustavam, em surdina, mas isso era perigoso.

Estávamos instalados no cruzamento de Camaiupa, perto de Cufar. A coluna auto de abastecimento a este quartel já havia terminado há mais de duas horas e, portanto, a segurança ao itinerário já não era necessária. Nós aguardávamos ali o regresso das viaturas que nos transportariam para Catió. Elas só sairiam ao nosso encontro, depois da ordem do nosso capitão, que estava ali sentado, segundo se suponha, a empatar o tempo. Era o período mais quente do dia e já passava das 14 horas. O Valente, como o alferes estava ausente, reclamava junto do capitão que estava muito calor e que deveríamos regressar. Porém, o capitão aconselhava a esperarmos mais um bocado.

- Meu capitão, saímos de madrugada, estamos cansados e o que queremos é ir embora, para tomar banho, refrescar e descansar – reclamava o Valente. – Pois todos nós também – refutava o capitão. E pouco tempo depois, voltava o Valente: - Mas, ó meu capitão, nós não queremos comer, porque já nem temos fome e não estamos aqui a fazer nada. Isto é que não tem jeito nenhum.

O capitão apercebeu-se, pelo apoio geral, de que o Valente estaria a mexer numa ferida sensível e não deixou agravar mais a situação. Virou-se para o Valente e disse-lhe num tom mais elevado: - Se Você está assim com tanta pressa, não quer ir andando? - pensando que o Valente se calaria.

- Pensa que temos medo, meu capitão? - Atenção à minha Secção – gritou logo o Valente - Formem aqui imediatamente. – E continuou: - Firme, Sê..ooope. Meu capitão dá licença? O capitão já estava de boca aberta ao ver a reacção, parecia não ter outra alternativa, e respondeu: - Sim. E o Valente ordena: - Esquerda, aaarche… E lá seguiram.

Do cruzamento de Camaiupa até ao quartel de Catió eram cerca de oito quilómetros, com perigo de emboscadas.

O capitão, já preocupado, accionou logo a mensagem para as viaturas começarem o movimento.
Todos nós ficámos também preocupados com a situação, embora existissem militares emboscados, ao longo da estrada, em alguns locais estratégicos e mais perigosos, para protecção à passagem das colunas auto.

Quando alcançámos o Valente já ele estava às portas de Priame, a povoação dos milícias comandados pelo João Bacar Jaló, encostada a Catió.

E quando os carros pararam junto deles para entrarem, tiveram a resposta: - Agora? F...-se!

Silva da Cart 1689

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À família e amigos do nosso malogrado camarada José Maria Valente, os editores e a tertúlia deste blogue endereçam as suas mais sentidas condolências.
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Notas do editor

[*] - Vd. poste de 13 de janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7609: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (6): O Valente era mesmo valente

Último poste da série de 5 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21042: In Memoriam (365): António Lúcio Vieira (1943-2020), ex-Fur Mil Cav da CCAV 788 / BCAV 790 (Bula e Ingoré, 1965/67) (Carlos Pinheiro)

8 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Faço minhas as palavra que na altura escreveu o Hélder Sousa:

(...) "Caro camarigo J. Ferreira da Silva

"Esta tua história, que pretende homenagear a valentia do Valente, faz ressaltar também outras coisas.

"Por exemplo, a necessidade de se ser firme ao enfrentar os superiores e demonstrar a justeza da nossa razão, quando caso disso.

"E também ressalta a importância de se ter um bom relacionamento com os comandados para a partir daí se poder ir, como escreves, 'até ao inferno'.

Abraço
Hélder S."

[15 de janeiro de 2011 às 23:59]


2. Secundando a justa homengame que faz, ao José Maria da Silva Valente, o nosso camarada e escritor José Ferreira, proponho que o seu nome passe a figurar, a título postumo, como membro da nossa Tabanca Grande.

O Valente foi um dos nossos, e vai continuar a sê-lo; garaças ao Silva e ao nosso blogue, não vai ficar na vala comun do esquecimento. E os seus filhos e netos, bem como os seus amigos e antigos cmaradas de armas, vão continuar a ter orgulho nele. Obrigado, Zé, pela tua sentida homenagem que fazes ao Valente, que travou o seu combate: "Logo ele, aquele militar que eu tanto admirei na nossa guerra da Guiné! Logo ele, cuja acção e comportamento temerário suplantavam o apelido que teve por nascimento!".

Um abraço de solidariedade na dor aos filhos gémeos e demais familiares do Valente.

Luís Graça

José Marcelino Martins disse...

Condolências à família e aos amigos.
Ocupa o teu lugar no poilão, Valente, o lugat dos combatentes da Guiné, também é neste local de encontro.
Até sempre.

Hélder Valério disse...

O Valente já fez a sua última caminhada entre nós.

Certamente outros se seguirão, pois é esse o nosso "destino comum".
No entanto a sua memória perdurará enquanto os amigos (e familiares, naturalmente) quiserem, com a preciosa ajuda deste tipo de homenagens em que o Zé Ferreira é um bom construtor.

Que descanse em paz.

Hélder Sousa

Luci Brito disse...

Bom dia a todos.
Meus sentimentos,🌹😥.

Alberto Branquinho disse...

Não posso deixar de escrever duas ou três palavras porque o Valente foi um dos dois furriéis do meu pelotão. O outro, também já falecido e também lembrado aqui pelo Silva, foi o António Pedro Carneiro de MIRANDA.
Pois o VALENTE era destemido, temerário até e arrastava com ele, agachado e aos berros, os soldados da secção que lhe estavam mais próximos, mesmo em situações de fogo frontal.
Tive, muitas vezes, que lhe moderar os ímpetos ou chamar-lhe, depois, a atenção, porque achava que se deveria, antes, fazer uma análise mínima das situações. Por essa razão (e outras de comportamento) as nossas relações não eram as melhores, ao contrário do que acontecia com o furriel Miranda.
Há que referir que, quando embarcámos para a Guiné, ele tinha acabado de ser pai de dois gémeos, só com alguns meses de vida.
A pesca era para ele uma paixão e, na parte final da sua vida, um descanso e uma fuga dos muitos problemas que teve na vida empresarial. (Continua)

Alberto Branquinho disse...



(Continuação)

Deixa uma lembrança muito forte e muito grande.
Adeus, Valente!

Alberto Branquinho

JOSÉ NASCIMENTO disse...

Condolências à família. Descansa em paz Valente.
José Nascimento

José Botelho Colaço disse...

Pelo que diz o Zé Ferreira o Valente honrou bem o seu nome.Rip.