segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24845: S(c)em Comentários (16): "Furriel, se 'turra' apanha nós (e fez um gesto com o dedo indicador no pescoço, como quem diz: "corta-nos nos o pescoço ou mata-nos"), mas se apanhar pessoal branco trata-o bem" (João Moreira, ex-fur mil at cav MA, CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72)


Guiné > Região do Oio > Olossato > 5 de julho de 1970 > O João Moreira, ex-fur mil at cav MA, CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72) e o alferes de 2.ª Linha Suleimane

Foto (e legenda): © João Moreira (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentário do João Moreira ao poste P24843 (*):

OP Jaguar Vermelho, 26 de maio de 1970, 09h00

(...) Às 09h00 o meu grupo de combate (4.º Gr Comb), reforçado com 15 milícias, saiu para a região de Bissancage, onde encontrou um trilho muito recente e batido, de Morés para Madina Mandinga e o alferes Silva decidiu emboscar neste local.

Enquanto o alferes Silva estava a instalar os primeiros elementos do 4.º Gr Comb, que eram milícias, surgiram 2 elementos inimigos armados. Deste contacto resultou o ferimento e captura de 1 elemento inimigo e a fuga do outro.

Do contacto também resultou a morte de um soldado milícia nosso, que foi morto pela rajada dum soldado nosso (F.R.) que, por precipitação ou por medo, fez fogo para o local onde estava o alferes e os milícias e só parou o fogo quando o alferes e os milícias gritaram para parar. Não sei se o alferes avisou do que se estava a passar, mas o soldado tinha obrigação de saber que estavam ali os nossos militares.

Quando a situação estava controlada e trouxeram o guerrilheiro para o local onde estava o resto do grupo de combate, os outros milícias queriam matá-lo à pancada. Tive que intervir para acabar com esta cena de vingança. Mas há uma frase dum soldado milícia nosso que não esqueci, nem esquecerei e que é a seguinte:

"Furriel, se 'turra'  apanha nós (e fez um gesto com o dedo indicador no pescoço, como quem diz: "corta-nos o pescoço ou mata-nos") mas se apanhar pessoal branco trata-o bem" (**)
____________

4 comentários:

JB disse...

Uma imagem valerá mais do que mil palavras.

As interpretações são subjectivas.

A evidente (aparente?) reserva do Alferes de Segunda Linha não corresponde ao “porreirismo” do outro militar.
Subjetividades negativas?
Talvez.
De qualquer modo fazem parte de “contexto” menos simples.

Um abraço do JBelo

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Honra seja feita ao PAIGC: "não cortou a cabeça a nenhum branco", pelo menos no tempo em que lá estive" (1969/71)... Mas eu vi, "com os dois olhos que a terra me dá de comer", uma cabeça cortada, na parada de Bambandinca, ao tempo do BART 2917, em meados de 1970, uma barbaridade que me indignou a mim e a outros militares portugueses...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Quando estive na Guiné, em 1969/71, indo para o mato com soldados fulas, que não falavam português nem faziam a mínima ideia onde é que ficava Portugal, a "inconsciência" era dupla: ninguém punha a hipótese de chegar o dia de 24 de setembro de 1973,como chegou; e, de repente estão os "tugas" a ocupar um pais estrangeiro (rapidamente reconhecido pelas Nações Unidas) e os fulas a ficarem sem chão...

Eu já não estava lá mas temia que isso viesse a acontecer como aconteceu, com a ulterior matança dos fulas, "cães" dos colonialistas... como lhes chamava reiteradamente, nos seus escritos e discursos, o grande líder Amílcar Cabral..., legitimando de algum modo o "linchamento", as perseguições, as prisões arbitrárias, os fuzilamentos e outras execuções sumárias que aconteceram, infelizmente, logo com a saída das nossas forças armadas... ( O Nino Vieira denunciou-as, mas cinicamente, para escorraçar a nomenclatura cabo-verdiana do PAIGC)

Além de não estar minimamente preparado para governar de imediato um país novo, saído de uma guerra longa e sangrenta (a liderança do governo foi entregue a um antigo guarda-livros da Casa Gouveia, Luís Cabral), o PAIGC também não estava preparado para a paz e a reconciliação...

Fez com os tugas a paz que lhe convinha, mas correu logo com eles ( que, de resto, estava cheios depressa de sair daquele vespeiro e com medo de perder o barco de regresso a casa...).

Não critico nenhum camarada que lá esteve depois do 25 de Abril: eu faria o mesmo. Dizer o contrário era armar-me em fanfarrão: a partir de 26 de abril já não havia condições políticas, diplomáticas, legais, disciplinares, morais e sobretudo psicológicas para voltar a pegar em armas" (a não ser para um gajo se defender).

A "brigada do reumático", mais as organizações paramilitares como a Legião Portuguesa foram incapazes de defender o regime do Estado Novo, por que razão haveriamos nós de continuar a matar e a morrer na Guiné? (Alguém me saberá exlicar ?)

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Qual terá sido a triste sorte deste alferes de 2ª linha Suleimane, do Olossato, para mais ali tão perto do Morés?!...

Nãp temos números sobre os chefes das milícas que o PAIGC, a seguir à independència, prendeu e, nalguns casos (conheço apenas alguns) julgou (em tribunais ditos populares...) e executou sumariamente.

Mas o contrário também é verdadeiro: náo sabemos quantos "suspeitos de turras" foram eliminados nos "anos de chumbo" da guerra pela polícia administrativa" (as milícias)...