sábado, 11 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24841: Os nossos seres, saberes e lazeres (600): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (128): O Convento dos Capuchos (ou da Cortiça) que começou por ser o Convento de Santa Cruz da Serra de Sintra (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Agosto de 2023:

Queridos amigos,
É bom voltarmos a lugares que nos deixaram gratas recordações, em tempos que já lá vão tive casinha alugada em Almoçageme e depois no Penedo, fui espiolhando tudo à volta e nunca esqueci o estado deplorável em que se encontrava este convento, saía-se de Almoçageme, subia-se até ao Pé da Serra, entrava-se numa mata frondosa depois era só seguir as indicações até ao convento, e doía muito ver a obra do vandalismo, um estado de abandono deste riquíssimo património ao deus-dará. O lugar está agora sujeito a obras de restauro e conservação, muito mais protegido, há até voluntários que por ali andam a cultivar as hortas, há centros de interpretação, é pena não haver uma brochura singela mas há uns livrinhos à venda bem elucidativos. E que o visitante possa ver e sentir um modo de vida hoje praticamente em desuso e por muitos ridicularizado, pois que esse visitante cirande pelos caminhos, suba e desça, e desfrute do que terá sido uma harmonia de vida, entre a contemplação, a Regra e o tirar sustento à custa do seu próprio labor, são os meus votos.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (128):
O Convento dos Capuchos (ou da Cortiça) que começou por ser o Convento de Santa Cruz da Serra de Sintra (1)


Mário Beja Santos

Há bem vinte anos, por aqui andei a assombrar-me com este património franciscano, a rusticidade do meio e o esplendor da envolvente, o chocante era estado de degradação de um património que, para todos os fins, parecia incluído na Sintra património da humanidade, reconhecimento que vinha detrás, mas que aqui ainda não tivera consequências.
Este convento data do século XVI, obra de uma promessa fidalga, e já com a intenção declarada de ser um exemplo cristão do despojamento e da vida em congregação, orando, trabalhando, apartado dos faustos do mundo, seguindo a regra da mais rigorosa autossubsistência. Foi lugar de peregrinação e sofreu com a extinção das ordens religiosas, veio a ser adquirido pelo 2.º conde de Penamacor, que por sua vez o vendeu ao visconde de Monserrate, Francis Cook. Novo quadro de abandono até o Estado o ter adquirido e recentemente foi criada uma empresa que vai cuidando do seu restauro.
É impressionante, a todos os títulos, a frugalidade, a austeridade de todo o conjunto, avança-se para a portaria e depois é um conjunto de edificações de que hoje se apresenta, oxalá o leitor fique interessado em vir visitar este espaço franciscano, talvez único no património edificado e natural português.


A cortiça é um dos elementos principais deste convento, daí ter ficado conhecido no século XIX como Convento da Cortiça; esta reveste tetos, portas e janelas, era o único conforto a que os frades se consentiam e, à época, era também usado como forro das suas celas, permitindo uma grande intimidade com a natureza, ali circundante, omnipresente.
A Igreja conventual está construída sob uma laje de pedra, em torno da qual se desenvolve o convento. O altar, de embutidos de pedra policroma, é uma produção de oficinas portuguesas do século XVIII. Os nichos apresentavam imagens de São João Evangelista, Santo António, São João Baptista, São Francisco, Nossa Senhora da Conceição e São Ivo, e, ao fundo, duas pinturas a óleo sobre cobre representando a natividade e a Exaltação da Cruz. À esquerda do alar sobe-se à Sacristia onde toda a comunidade se reunia para o serviço religioso e onde se guardavam as alfaias litúrgicas.
O dormitório é constituído por oito celas, todas com janela e um pequeno nicho. A reduzida dimensão dos espaços obrigava os frades a estarem constantemente curvados, em sinal em obediência a Deus. Poderiam ter como cama uma esteira, uma cortiça ou uma manta no chão, e outra para se cobrirem, bem como uma almofada de palha, de pedra ou de madeira. Não podiam ter fechadura nem cadeado na porta, e, para gozarem de uma ‘breve e penitente vida’ teriam um livro de Regra, umas disciplinas, um rosário e uma cruz de madeira tosca.
A imagem permite ver as obras de restauro encetadas em 2013

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 4 DE NOVEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24822: Os nossos seres, saberes e lazeres (599): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (127): No Museu de Lisboa, um olhar sobre o património azulejar dedicado à capital antes do terramoto… e algo mais (Mário Beja Santos)

5 comentários:

Fernando Ribeiro disse...

Oh, Beja Santos! Que inveja! Tiveste uma casa alugada no Penedo e não dizias nada a ninguém?! Isso faz-se? Fiquei roído de inveja, só de pensar em que saías de casa pela manhã e davas logo de caras com aquela vista privilegiadíssima! Conheço o Penedo, Almoçageme, o Monge, o Rio da Mula e muitos outros lugares da serra de Sintra e arredores quando, estando a viver em Lisboa, ia até Sintra aos fins de semana, para calcorrear a serra em todas as direções. É claro que conheço muito bem a estrada que sobe do Pé da Serra em direção aos Capuchos, mas também conheço o caminho a pé que liga diretamente o Penedo aos Capuchos e passa pelas traseiras do Convento do Carmo e pela Fonte das Damas.

O Convento dos Capuchos de Sintra é um exemplo evidente do que era a proverbial pobreza franciscana. Conta-se que, um dia, o rei D. Sebastião andava a caçar pela serra e foi parar ao convento. Impressionado pela pobreza que encontrou, o rei perguntou ao frade superior se precisava de alguma coisa que lhe pudesse dar. O superior chamou o cozinheiro e, depois de trocar com este umas palavras em voz baixa, respondeu por fim a D. Sebastião: «Saiba V. Majestade que não precisamos de nada. Para hoje, já temos que comer. Amanhã, Deus há de providenciar-nos quaquer coisa».

Fernando Ribeiro disse...

Também se conta que o rei Filipe I (Filipe II de Espanha) terá dito: «Eu tenho nos meus domínios o convento mais rico e o convento mais pobre de toda a Terra. O mais rico é o Escorial; o mais pobre é o Convento dos Capuchos».

Joaquim Luis Fernandes disse...

A apresentação desta itinerância do camarada Beja Santos, no que resta do Convento dos Capuchos em Sintra, remete-me para o livro de Fernando Faria, "O Noviço" - do Paço de Azeitão ao Convento dos Capuchos.
É um romance histórico, focado na inauguração desse convento e em torno do misterioso personagem que foi Frei Agostinho da Cruz.

As descrições do local e da sua envolvência, em todo o seu esplendor, são magnificas e cativantes.

(Fernando Faria, natural da minha freguesia, Maceira, reside em Sintra, onde foi Magistrado do Ministério Público, hoje aposentado.)

Ao tempo em que eu estava em Teixeira Pinto (1973) ele cumpria o serviço militar em Queluz, como Oficial de Justiça. Um dia, fui incumbido de dar seguimento a uma Carta Precatória que vinha assinada por: Fernando da Encarnação Faria- Aspirante Miliciano.Fiquei surpreendido e disse para mim mesmo: como o mundo é pequeno...

Valdemar Silva disse...

Em Setembro de 1966 deflagrou um grande incêndio na Serra de Sintra, o clarão era visto em Lisboa.
Ardeu quase toda a Serra de Sintra e Convento dos Capuchos também esteve cercado pelo fogo.
O exército foi chamado para auxiliar os bombeiros no combate ao fogo, tendo sido mobilizados militares da RAAF, de Queluz.
Está na Serra um memorial com o nome de 25 militares: 1 aspirante, 3 1º. Cabos e 21 soldados, que morreram cercados pelo incêndio.
Não encontro agora, nem me lembro de na altura haver punições a responsáveis pela morte daqueles militares. Qualquer "coisa" que aconteça a um grupo de militares há sempre um responsável pelo acontecimento.
Se por um simples golpe de azar ou por falta de conhecimentos foram obrigados a fazer, morreram queimados 25 jovens que estariam a ser preparados para a guerra nos colónias.

Valdemar Queiroz

Fernando Ribeiro disse...

Camarada Valdemar,
O local onde morreram os infelizes militares foi efetivamente assinalado por uma placa (de mármore ou de outro material, já não sei ao certo) com os nomes das vítimas gravados, uma cruz e não me lembro se mais alguma coisa. Quando lá fui (três ou quatro vezes), o terreno em volta estava bastante desmatado, creio que de propósito. O acesso ao local fazia-se por uma estrada de terra (como as picadas de África) que saía da vizinhança do cruzamento de estradas próximo do Convento dos Capuchos, e conduzia a um dos pontos mais altos da serra. O memorial estava a meio da subida, mais ou menos, e era possível ir até lá de carro, se o dono não tivesse muito amor ao carro. Era preferível ir de jipe ou a pé.