Lisboa > 2009 > O Amadu Djaló (1940-2015) no Cais do Sodré. |
(...) No final de 1972, eu era 2º sargento, estava com muitos anos de guerra, sentia-me muito cansado.
Num dia daqueles entrei no gabinete do major Almeida Bruno, comandante do Batalhão de Comandos, e pedi-he que me transferisse para uma companhia africana. Depois de olhar para mim, mandou chamar o 1º sargento e pediu-lhe o meu processo.
Começou a folheá-lo e, uns momentos depois, mandou chamar o tenente Jamanca. Nisto entrou o Marcelino da Mata e, logo a seguir o Jamanca.
O major, dirigindo-se ao Jamanca, perguntou-lhe porque é que ainda não tinha sido entregue o meu processo de promoção. Como o Jamanca ficou calado, o comandante voltou a fazer a pergunta e o Jamanca continuou calado.
Nessa altura, o Marcelino disse que no batalhão já se vendiam os postos e que era por isso que não gostava de lá estar.
O comandante não ficou muito satisfeito com esta saída do Marcelino e mandou-o estar calado.
− Amadu, vais ser oficial. E a questão do vencimento vai resolver-se. (...) (**)
In: Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940-Lisboa, 2015), "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010), pág. 242).
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Notas do editior;:
(*) Vd. poste de 7 de novembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24828: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXXVIII: um centro de instrução de Comandos em Mansabá, nas barbas do PAIGC, às portas do Morés
(**) Último poste da série > 8 de novembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24829: S(c)em comentários (12): As (des)ilusões de Luís Cabral... (António Rosinha, ex-topógrafo, TECNIL, Bissau, 1979-1993)
1 comentário:
"Amadu, vais ser oficial. E a questão do vencimento vai resolver-se (...)".
O Amadu Djaló, com 32 anos de idade dos quais 8 como soldado, estava cansado da guerra e do corre-corre da vida militar, sobretudo, dos comandos onde servia desde 1964. Mas, no entendimento do seu Comandante, o problema era, antes de mais, financeiro, o dinheiro. E o Amadu, se acreditarmos no que está escrito no texto, não dá quaisquer sinais de discordar desta análise do seu superior. Na minha opinião, esta deve ter sido a atitude prevalecente entre os soldados nativos e sobretudo dos comandos e que fazia pensar que, estes soldados não lutavam por qualquer outra causa que não fosse pelo dinheiro. Provávelmente, seria o caso para muitos que estavam a combater do lado português, mas a verdade é que, para uma grande maioria, sobretudo da etnia fula (fulacundas), e em especial as autoridades "gentílicas" a escolha entre os dois lados era óbvio, pois a sua aliança com as autoridades portuguesas tinha motivações de sobrevivência do seu poder (tribal) sobre os outros grupos rivais no mesmo território e que tinha sido duramente conquistado havia poucos anos antes do domínio europeu em África. Estes sim, valorizavam o dinheiro, mas nunca perdiam de vista o mais importante que eram objectivos políticos a longo prazo que, inclusive, poderiam se transformar em conflitos com o poder colonial.
Cordialmente,
Cherno Baldé
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