sexta-feira, 20 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18861: Notas de leitura (1085): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (44) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Janeiro de 2018:

Queridos amigos,

Estamos ainda num período em que os gerentes de Bolama e Bissau têm a caneta em riste, escrevem desassombradamente, a carta para Lisboa, em 16 de Agosto de 1918, em que o gerente de Bissau pede à administração para receber bem o eis governador Ivo Ferreira, que passava ao gerente informações confidenciais têm o seu quê de maquiavélico e oportunista, não se esquece de dizer que a ação do governador foi simplesmente nula.
Enceta-se um período de grandes dificuldades, o poder de compra deteriora-se, e não surpreende a carta dirigida ao gerente de Bissau, em 14 de Fevereiro de 1921 em que os trabalhadores nas obra do banco em Bissau vêm muito respeitosamente pedir aumento de vencimentos, andam de mão estendida, quando em Lisboa, quando tinham sido contratados os salários eram o triplo. A não serem correspondidos, informa Sua Excelência que tinham que regressar a casa.
Abdul Indjai partira para Cabo Verde, o BNU em Bissau procurava vender tabacos e não descurava a possibilidade de se abrir uma delegação em Bafatá.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (44)

Beja Santos

Introdução 
De V. Senhorias para V. Exas.

Uma das singularidades que encontramos neste período da vida das duas agências do BNU na Guiné é a comunicação franca para Lisboa das opiniões dos gerentes, em matérias compreensivelmente delicadas.

Veja-se a carta enviada por Bissau em 16 de Agosto de 1918 tendo como assunto o ex-Governador Ivo Ferreira que seguia para Lisboa e fora substituído por coronel Oliveira Duque:

“É natural que o senhor Ivo de Sá Ferreira visite V. Exas., e neste caso rogamos a V. Exas. que lhe dispensem todas as provas de especial deferência, auxiliando-o mesmo, se possível for, em qualquer pretensão oficial que este senhor tenha, pois que assim não fazemos mais do que retribuir alguns serviços que nos prestou.

Muitas vezes e quando governador, deu-nos importantes informações, particular e confidencialmente, sobre medidas que iam ser tomadas quer pelo governo da Província quer pelo governo da metrópole; algumas vezes foram-nos essas informações de grande valor, principalmente as referentes à proibição de exportar as oleaginosas para o estrangeiro.

Sobre a sua acção na Província quase nada podemos dizer, porquanto da nojenta e mesquinha política local sempre vivemos bastante afastados; a sua acção administrativa e de fomento foi… simplesmente nula. Enfim, um governador como tantos outros; deixa o cargo com pena porque era rendoso, e não encontrará outro equivalente com facilidade.

É todavia um governador que nos convém, porque tem pelo Banco uma grande consideração, estando sempre e de antemão disposto a conceder-nos tudo quanto lhe pedíssemos”.

No ano seguinte é a vez de Bolama comunicar a Lisboa o triste fim do régulo do Oio Abdul Indjai, um indefetível companheiro de Teixeira Pinto nas diferentes campanhas.

Atenda-se à informação como facto e aos comentários subsequentes:

“Tendo-se rebelado o régulo Abdul Indjai, foi batido pelas forças do governo e aprisionado bem como os seus conselheiros. Estão já em Bolama.

Este régulo era um dos de maior prestígio na Guiné e de nomeada pelos actos de banditismo praticados, que se estendiam até dentro do território das colónias estrangeiras fronteiras à nossa, o que em tempo deu lugar a reclamações diplomáticas por parte do governo francês e inglês. Há anos que foi batido e deportado para S. Tomé, conseguiu, quando passou por ali em viagem às colónias o falecido príncipe real D. Luís Filipe, ser indultado, regressando à Guiné.

Quando das operações levadas a efeito para bater os Papéis, o governo utilizou os seus serviços, tendo desempenhado então papel preponderante e exercendo todos os excessos sobre os vencidos e pilhando alguns milhares de cabeças de gado.

Acabada a campanha, não se julgou suficientemente pago, ficou com armas e vinha de exigência em exigência rebelando-se contra o governo. Dotado de grande astúcia e muito inteligente, chegou a impor ao governo que lhe fosse dada uma percentagem sobre todo o imposto de palhota cobrando actualmente nas regiões que ele ajudou a bater, entre outras exigências. Ultimamente preparava-se para tomar Farim e vir até Bissau. O comércio estava já temendo que com ele fizessem causa outros régulos.

Depois deste feliz resultado, desenhou-se porém um certo movimento político contra governador, capitaneado segundo dizem pelo Major Médico Francisco Regala, que faz serviço em Bissau, que veio aqui, levando alguns membros do Conselho do Governo a votarem contra a expulsão da colónia do régulo, a ser antes submetido a julgamento nos tribunais. Este julgamento seria demoradíssimo e talvez impossível pela dificuldade de se cumprirem determinadas formalidades judiciais. O certo é que o Conselho votou por maioria que fosse entregue aos tribunais e não expulso. Esse facto causou certo alarme entre o comércio pois a permanência na Província do prisioneiro era certamente a repetição dos factos ocorridos e um incitamento para outros régulos.

Hoje reuniu de novo o Conselho do Governo em sessão deliberativa, e talvez porque alguns chefes de serviço reconhecessem o caminho errado que iam seguindo com politiquices contra o governador, acompanharam os vogais eleitos votando por maioria a expulsão da colónia por 10 anos, máximo período que a Carta Orgânica permite, fixando-lhe para cumprimento do desterro, por proposta do governador, a ilha da Madeira”.



Imagens retiradas da revista “Mundo Português”, da Agência Geral das Colónias

Nesse mesmo ano a Companhia dos Tabacos de Portugal é sondada pela agência de Bissau para a venda de tabacos nacionais na Guiné. Em carta endereçada aos diretores da empresa, o gerente de Bissau recorda a necessidade absoluta da empresa tabaqueira fabricar tabaco folha que se rivalize com o importado dos EUA, em pipas, pois esse tabaco tinha grande procura em todas as regiões da colónia, era uma verdadeira fonte de riqueza.
E especificava para Lisboa:
“Para que V. Exas. possam adquirir tabaco idêntico ao preferido neste mercado, fizemos duas amostras com todas as indicações de preços e qualidades. Para que V. Exas. possam avaliar da importância deste artigo de consumo nesta colónia, transcrevemos aqui as quantidades e valores de tabaco folha importado entre 1912 e 1916, elementos este tirados das estatísticas oficiais.
É para lamentar que não esteja completamente nas nossas mãos a venda deste artigo, quer importado de algumas das nossas colónias, quer reexportado para esta; verifica-se que Portugal concorre com um número bastante pequeno, de quilos de tabaco para a sua possessão da Guiné.
Finalmente, temos a informar-lhes que por enquanto o tabaco folha preferido pelo gentio da Guiné é o de produção da América do Norte. Se não estamos em erro, no ano de 1916-1917 a firma desta praça Salomão Pereira Neves & Companhia importou do Brasil tabaco em ramos e não foi bem aceite neste mercado.

Rogamos a V. Exas. a maior atenção neste assunto, aliás muitíssimo importante para os nossos interesses, pois como atrás deixámos dito é um artigo de grande consumo e bastante compensador e de grandes vantagens para o comércio com o gentio. Em certas localidades da colónia chega o tabaco folha a correr como moeda e é um grande auxiliar para os pequenos comerciantes que vão ao interior da Província nas ocasiões das campanhas de compra de produtos.

Quanto aos cigarros, hoje dificilmente poderemos reconquistar o mercado não só pela grande invasão de cigarros e tabacos estrangeiros, sobretudo o brasileiro, por preços relativamente moderados, como também pelo grande atraso com que ultimamente têm sido executadas as encomendas de tabacos nacionais”.


Mostram-se os dois únicos documentos existentes anteriores a 1917, que estão no Arquivo Histórico do BNU, datam de 1911

O BNU em Lisboa pretende saber, em 1920, se deve abrir uma filial em Bafatá. Dir-se-á aqui antes de tempo que a questão da filial de Bafatá se irá arrastar até ao fim da presença portuguesa, em 1974.

A carta do gerente de Bolama avança com os seguintes esclarecimentos:

“Todas as casas importantes têm sucursais em Bafatá, há ali também alguns comerciantes estabelecidos, começando outros a estabelecerem-se para a região de Gabu.

Desde que ali fosse montada uma agência ou subagência, estamos certos que todas as casas que levantam fundos em Bolama e Bissau para operarem ali e que os enviam em embarcações, passariam a levantá-los em Bafatá. E, decerto, os pequenos comerciantes em vez de recorrem às sucursais das casas importantes ali estabelecidas recorreriam à nossa dependência. Esta teria sem dúvida um movimento com resultados compensadores.

A Província está hoje por completo pacificada e assim continuará devido a ter sido proibida há anos a importação de pólvora e a venda de armas ao gentio. O único régulo irrequieto era o Abdul Indjai, que conservava armas em virtude dos serviços prestados ao governo, mas desde que foi batido e expulso da colónia não mais se fala de possíveis rebeliões.
Bafatá dista de Bolama, por via terrestre, aproximadamente 170 quilómetros e por via fluvial aproximadamente 130 milhas; de Bissau por via fluvial dista 90 milhas também aproximadamente. Por terra vence-se a distância a cavalo em alguns dias de marcha, por via fluvial em lanchas à vela, pequenas embarcações a vapor e motores de explosão. As embarcações a motor podem levar 11 a 12 horas de Bissau a Bafatá, sucedendo às vezes levarem muito mais; as embarcações de vela 3 dias normalmente.

As demoras dão-se se não se navega em concordâncias com as marés.

Nos meses de Dezembro a Março só com a maré alta se pode passar no baixo entre Gam-Jarra e Geba.

Não nos consta que haja casa em que nos possamos instalar. Os fundos podem ser transportados com a mesma segurança que de Bissau para Bolama ou vice-versa”.

E envia para Lisboa um mapa indicativo do movimento marítimo de Bafatá, extraído de documentos oficiais, mas dizendo que não merece inteira confiança.

(Continua)
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Notas do editor

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Último poste da série de 16 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18850: Notas de leitura (1084): “Máscaras de Marte”, por Nuno Mira Vaz; Fronteira do Caos Editores, 2018 (1) (Mário Beja Santos)

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