quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17905: (D)o outro lado do combate (13): Jovens recrutas do PAIGC... (Jorge Araújo)


Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquivo Amílcar Cabral > Pasta: 05222.000.172 > Título: Jovens durante treino militar para o Exército do PAIGC > Assunto: Jovens durante treino militar para incorporarem o Exército do PAIGC e a luta de libertação nacional > Data: 1963-1973 >  Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral.

(Reproduzido com a devida vénia...).

1. Mensagem do Jorge Araújo, nosso colaborador permanente, com data de hoje:

Caro Luís,

Parabéns pela tua síntese/reflexão construída a partir dos meus últimos postes sobre as propostas de Amílcar Cabral (AC) a Sekou Touré (ST) (setembro de 1972).

Caso entendas incluir uma foto dos jovens guineenses em instrução (futuros guerrilheiros do PAIGC) no poste  P17902 (*), aqui vai uma...

Citação:
(1963-1973), "Jovens durante treino militar para o Exército do PAIGC", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43792 (2017-10-25)

Ab.
Jorge Araújo.



Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Contuboel > Centro de Instrução Militar de Contuboel > 1969 > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > > O Valdemar Queiroz, com os recrutas Cherno, Sori e Umarau (que irão depois para a CCAÇ 2590 / CCAÇ 12). Estes mancebos aparentavam ter 16 ou menos anos de idade. Eram do recrutamento local.

Foto: © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


2. Comentário do editor LG:

Obrigado pela foto dos "jovens recrutas" do PAIGC. "Arrebanhados à força" ? De facto, não têm, aparentemente,  as caras mais felizes do mundo...  Vão a marchar, é certo, a aprender "a ordem unida", que é o princípio da disciplina militar em toda parte...Vão mal fardados..

Já na foto que acima se publica, de instruendos do CIM de Contuboel (talvez de finais do 1º trimestre ou início do 2º trimestre de 1969), tens outros recrutas, com "outro ar"... Quem está "mal fardado" é o graduado metropolitano, o fur mil Valdemar Queiroz... O jovem (ou adolescente, mais corretamente) da direita, o mais pequeno, com ar de "djbi",  o Umaru Baldé (1953-2004) (membro a título póstumo da nossa Tabanca Grande), escreveria mais tarde, refugiado em Portugal,  o seguinte sobre o seu recrutamento e partida para a tropa, em carta comovente,  sem data, enviada ao Valdemar Queiroz ("Amor Nunca Acaba"):

O Umaru Baldé um ano e picos depois,
já combatente calejado  da CCAÇ  12 (1969/71), 
em Bmbadinca,  ao tempo da CCS/BART 2917 (1970/72).
Foto de Benjamin Durães (1970).
(...) "Ninguém esquece o passado, seja bom ou mal, eu  me lembro do dia 12 de março de 69, quando fui chamado para a vida militar portuguesa. Na verdade eu tinha poucos anos de idade e era filho único de meu pai. Minha mãe revoltou-se, dizendo que eu não tinha idade para ir para a guerra. Mas o alferes, que tinha vindo para nos levar, não podia ouvir esse grito de revolta. O alferes disse: 'Somos todos portugueses,  viemos de muito longe para defender a Pátria Portuguesa, e então,  para o povo saber que em Portugal não há raças nem cores, todos os cidadãos têm que ir cumprir o serviço militar português'.

"Minha mãe chorou, e disse: 'Ai, meu Deus, tenho o meu único filho que me vai deixar para ir morrer na guerra'... Essa data foi dia de tristeza e de lágrimas para o povo de Dembataco e de Taibatá. E lá ficamos até às 4 horas da tarde para depois entrarmos nas viaturas militares e sguirmos para Bambadinca" (...) 

[Revisão e fixação de texto: LG] (**)

9 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Jorge, é inegável que, com Spínola (e talvez mesmo já no tempo do Schulz(, se fez um esforço, grande, para reforçar a motivação dos fulas (e dos guineenses, em geral) para se alistarem nas nossas fileiras...

Não sei quando o recrutamento local se tornou obrigatório, mas deve ter sido como Spínola, apostado em criar a sua "nova força africana"....

Um soldado do recrutamento local, classificado como de 2ª classe (isto é, sem as habilitaões escolares equivalentes à 3ª classe da intrução primária, portanto sem saber ler nem escrever o português, e muitas vezes não falando sequer o português, e exprimindo-se apenas na sua língua materna ou arreganhando o crioulo..., como era o caso de muitos dos "meus" soldados da CCAÇ 12, e sobretudo dos mais velhos...), recebia 600 pesos (escudos) de pré, mensal, mais 24,5 por dia, por ser desarranchado...

Ou seja, no final do mês um soldado de 2ª classe, guineense, levava para a sua morança (me Bambadinca, fora do quartel) c. de 1350 pesos... Se fosse 1º cabo, ganhava mais do que um metropolitano por ser desarranchado: neste caso, auferia dois contos!...

Em 1969, e admitindo que 1 peso (escudo guineense) equivalia a 1 escudo (metropolitano) - o que não era bem verdade, já que havia uma quebra cambial de 10% - , 1300 pesos, em 1969, representavam hoje 400 euros, ao valor atual...

1300 pesos davam, na altura, para comprar mais de 200 quilos de arroz (importado, e que por isso estava caríssimo, 1 kg igual a 6 pesos...). Não era uma fortuna,sobretudo para quem tinha uma família a alimentar, 1 ou 2 espsoas, 1, 2 ou mais filhoss...) mas 1300 pesos estava muito acima da média do que um trabalhador, indiferenciado, podia auferir na Guiné, nessa época: as lavadeiras ganhavam entre 50 a 100 pesos...por mês. Para um cabo guinense, 2 contos já era "manga de patacão" (c. 600 euros, hoje, ao valor atual)...

E do outro lado ?... Os guerrilheiros do PAIGC não tinham pré... A "nomenclatura" que vivia em Conacri, essa, sim, deveria ter uma remuneração fixa... No fundo, eram os "funcionários" do partido... O Amílcar Cabral, enquanto dirigente, deveria ter um vencimento, a "Maria Turra" deveria ter ta bém uma vencimento, tal como o dr. Mário Pádua... E o 'Nino' Vieira ? Esse, acho que não... Ele era pago em "géneros", tal como os demais combatentes no interior da Guiné...mesmo sendo um "general", leia-se, comandante da região sul...

Quem é, dos nossos amigos e camaradas, que tem mais informação sobre a "tabela de vencimentos" do pessoal do PAIGC ?...

Tabanca Grande Luís Graça disse...


Sobre o valor do dinheiro (patacão) no nosso tempo, na nossa guerra, vd. poste de


29 DE OUTUBRO DE 2015

Guiné 63/74 - P15302: (Ex)citações (297): Quem disse que "100 pesos era manga de patacão" no nosso tempo? Em 1960, mil escudos (da metrópole) valiam hoje 428 euros; e em 1974, 161 euros, ou seja, uma desvalorização de c. 266 %... Recorde-se por outro lado que 100 pesos só valiam 90 escudos...

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2015/10/guine-6374-p15302-excitacoes-297-quem.html

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Mas havia inflação na Guiné, com a guerra... Veja-se o que escreveu o Rui Santos, em 29/10/2015, em comentário ao poste P15302:

No meu tempo (1963/1965) comprava, no início da comissão:

(i) 12 ovos por um peso;

(ii) um cabrito por 10 pesos;

(iii) 11 frangos por um quilo de tabaco em folha (2 pesos)...

(iv) uma vaca por 700 pesos...

Mais tarde, lá para o termo da comissão;

(v) um cabrito ultrapassava os 150 pesos;

(vi) uma vaca de 700 pesos passou a mais de 1.000;

(vi) uma dúzia de ovos ... 12 pesos.

Era a inflação galopante, pois pudera .... 100 pesos eram manga de patacão!

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2015/10/guine-6374-p15302-excitacoes-297-quem.html


Em boa verdade, mesmo com a inflação, 1300 pesos eram manga de patacão!... Quando estive a gerir a messe de Bambadinca (calhava a todos, 1 mês...), fui a Sonaco comprar uma vaca,,, Custou-me... 950 pesos!

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Quando estive cerca de duas semanas em Sansancuta, no sul do regulado de Badora, em reforço do sistema de autodefesa,com uma secção da CCAÇ 12, entre 24 de fevereiro e 12 de março de 1970, escrevi no meu diário que os camponeses fulas eram muitas vezes obrigados a vender o seu arroz de sequeiro, ao comerciante (português ou libanês) a 3 pesos o quilo...

Depois um saco de 50 quilos custava em Bambadinca, na mesma loja, 300 pesos, pou seja, dobro...É por isso que digo que os 600 pesos do pré que ganhavam os nossos soldados de "2ª classe" mais os 735 pesos do desarrancho (24$50 * 30 dias) davam para comprar 2 saco de 100 quilos...

Recorde-se que o arroz era a base da alimentação dos guineenses...

Anónimo disse...

Diz o Manuel Dias, em comentário ao poste P15302, de 29 de outubro de 2013:

O ordenado de um 1ºcabo Radiostelegrafistas, é correto, eram 1.500 escudos,

Quando estive em Bissau, de Agosto de 1971 a Agosto de 1972, nos meus tempos livres, depois de cumprir com os turnos de servico de Radiotelegrafista, ia trabalhar para um pequeno estaleiro aonde construiamos pequenos barcos de pesca e ganhava à hora 20 pesos, o que era então- no ano 1971 muito dinheiro como ja cumentado era um dia de um trabalhador na agricultura.

Em uma hora ganhava para comer uma travessa de ostras, faltava a cerveja...

Um abraço, Manuel Dias

Carlos M.Pereira disse...

É pena que o graduado metropolitano desse mau exemplo aos "seus" recrutas. Realmente nunca fomos referências para aqueles povos.
Carlos M.Pereira

Valdemar Silva disse...

Vendo bem a fotografia em que eu apareço, 'mal fardado' não é bem assim. Estou com
a camisa por abotoar e de fora dos calções, mas o fardamento está todo impecável e à ordem.
Provavelmente estaria em momentos de pausa da Instrução e pediram-me para uma selfie. Eu até era considerado um 'soldadinho de chumbo' pelo peneirice de como sempre andava fardado.
Quanto ao resto já escrevi no blogue sobre a idade destes miúdos/recrutas que acho não teriam mais de 16 anos. Repare-se no Umaru, (dta. foto) que é mais baixo que eu,
eu media de altura 1,67m . Passados anos, em 1999, encontrei-me com ele na Amadora,
30 anos depois da foto, e ele media bem mais de 1,80m.
Abraços
Valdemar Queiroz

Manuel Luís Lomba disse...

O PAIGC praticaria um leque remuneratório. Quanto à tropa, se um soldado raso recebia 600$ de pré, um coronel receberia 20 contos de soldo. Os altos quadros quadros do PAIGC percebiam boas remunerações e eram bem prendados (vd. a citação dos relógios de ouro Rolex).
Ab.
Manuel Luís Lomba

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Valdemar, aquela do "mal fardado" foi só para reinar contigo, que sempre fposte um militar "impex"... E, mais importante, amigo dos seus soldados gyuineenses... Um grande abraço, e obrigado pelas tuas preciosas fotos que hoje têm grande interesse documental... LG

PS - Naquele clima asfixiante, quase todos nós, andávamos, depois do regersso do "mato", de sapatilha e calção, sem camisa... Mesmo numa sede de batalhão, com alguns oficiais superiores mais "militaristas"... Também eles andavam de calções, e meia bem puxada nas canelas para tapar as varizes... Pareciam os comandantes da MOcidade Portuguesa... E lá íamos todos "cantando e rindo, gemendo e chorando"...