sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17908: Notas de leitura (1008): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (6) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Setembro de 2017:

Queridos amigos,
O texto que ora se remete parece concludente com a análise já feita aos olhares da gerência da filial de Bolama: possuidores de um lastro informativo invejável, passavam inúmeros dados para Lisboa: sobre personalidades controversas, a situação da praça, o funcionamento político da colónia.
Convém não esquecer que o pós-guerra deixo a Guiné em péssimas condições e que o pessoal político escolhido não trazia, regra-geral boas credenciais.
É espantoso a mistura de papéis na mesma pessoa: funcionário e comerciante; produtor e militar; ajudante do governador, podendo estar em múltiplas instâncias, é uma impressionante acumulação de prebendas. E tudo numa atmosfera de permanente intriga, de cupidez, enquanto Bolama já não pode disfarçar a decadência, pelo menos a económica.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (6)

Beja Santos

O processo narrativo do gerente da filial de Bolama é muito abrangente, inclui retratos de figuras controversas, mostra a situação na praça, e no período em curso, estamos em 1919 e vamos considerar factos até 1921, não se omite o estado caótico em que se encontra a administração.

Em 23 de Setembro de 1919, esclarece-se Lisboa, a propósito de um protesto apresentado por Jaime Augusto da Graça Falcão, que foi prestigioso militar, e que se queixou de não ter recebido umas ações do BNU, mandou-se cópia extraída do cadastro de clientes redigido pelo gerente Cabrita e outros, de Bissau. Diz Cabrita:
“Não goza de boa fama e não é bom pagador. É político assanhado e com mania de fazer escândalos e acusações a tudo e a todos, nos jornais. É mau caráter”. Outro gerente presta a seguinte informação: “Não me conformo inteiramente com a opinião acima. Tem inimigos bem colocados na colónia, tem sido perseguido diversas vezes e naturalmente defende-se. Já se propôs a deputado pela Guiné em 1916 tendo sido derrotado para que o governador Sequeira não escolheu meios empregando toda uma casta de pressões, transferências e patifarias. Não é todavia um lídimo caráter”. E depois a informação do gerente Cotter: “Foi oficial do Exército e pediu a demissão; mais tarde pediu para ser reintegrado mas não conseguiu devido a ter más informações, apesar de ser condecorado com a Torre e Espada e ter medalha de bons serviços. É criatura perigosa. É preciso cautela com ele e crédito só por si não o merece. O Governador Manuel Maria Coelho nomeou-o administrador interino da circunscrição dos Bijagós em 1917; dispõe da influência entre o gentio. É mau caráter; não é pagador e tem praticado várias baixezas. Foi este indivíduo quem fez uma emissão de vales de vários tipos para circularem como dinheiro no arquipélago dos Bijagós”. E por último a informação do gerente Lereno: “Amigo do Governador Henrique Guerra. Foi nomeado administrador da circunscrição civil de Bissau deixando os Bijagós”. Se dúvidas houvesse do poder informativo dos homens do BNU na Guiné, elas dissipam-se com o que fica dito do antigo herói Graça Falcão.

Mas esse poder informativo estende-se ao conhecimento profundo dos comerciantes. Vejamos o que diz a filial de Bolama no seu relatório de 1920 sobre um conjunto de comerciantes:
“António Silva Gouveia, esta firma tem agora de lutar com grande concorrência, sendo uma casa muito forte, se for bem administrada deve poder vencer a concorrência ou pelo menos não decair. António Mateus Gomes de Pina, fez bastante negócio e tirou apreciáveis lucros. Não é porém firma que se abalance a grandes negócios.

Sá Leitão e Araújo Lda, ignoramos o resultado do exercício findo, mas não podem ser muito animadores. O sócio Araújo que era ativo e gozava de muitas simpatias na praça, saiu da sociedade. Victor Gomes Pereira vendeu a sua colheita de mancarra e parte de coconote para o estrangeiro, auferindo importantes lucros. Durante o ano adquiriu mais propriedades para a cultura da mancarra. Tem hoje a sua escrita bem montada, à testa da qual está o nosso ex-empregado Salvador Pinto, seu cunhado.

Empresa Comercial da Guiné Lda, o sócio gerente Bull está cumprindo degredo em Angola; esteve aqui, com aquele ainda o sócio Caetano Alves, que assumiu a gerência, retirou depois para a Europa. Compagnie Franco-Écossaise, foi-lhe aberta falência; continua o arrolamento dos bens.
Empresa Agrícola e Comercial dos Bijagós Lda, deixou a gerência desta empresa o gerente Botelho, veio geri-la Daniel Pereira, muito ativo e trabalhador, antigo gerente de António Silva Gouveia, de quem é hoje inimigo”.

Cinema de Bolama em ruínas

Pela primeira vez um gerente de filial diz abertamente que vai fazer apreciações de caráter político e económico. É um documento severo, como vamos ver:

“Poucos são os serviços públicos que sejam sofríveis. Os empregados que alguma coisa trabalham são os naturais da colónia ou os cabo-verdianos. Os que vêm da metrópole, chegam aqui com um único fito: arranjar seja como for algum dinheiro sem trabalhar. Muitos que aqui aparecem como empregados, devemos com verdade dizê-lo, antes deveriam vir como degredados. Os cargos superiores são todo mais ou menos desempenhados interinamente por indivíduos que, na maioria aliam à incompetência a falta de dignidade. A magistratura que deveria ser desempenhada por indivíduos competentes, atendendo à responsabilidade das decisões, vem há tempos sendo estropiada por quem desconhece por completo a legislação e é incapaz de interpretar a doutrina do mais simples artigo. Como Juiz de Direito, tem estado há meses que nada compreendendo do assunto se entregou nas mãos do delegado que estando aqui apenas há uns 18 meses arranjou uma dezenas de contos, tendo em seguida retirado para a metrópole. Na sua vaga foi nomeado o ajudante e sobrinho do governador, um alferes miliciano que basta trocarmos com ele duas frases para concluirmos que estamos na frente de um desequilibrado. Nenhuma noção tem do cargo que exerce.

Em 21 de Junho último, tomou posse do governo o atual governador que na leitura do discurso de apresentação disse coisas agradáveis. A nosso ver, julgamos ter ele vindo animado das melhores intenções, desejando fazer alguma coisa acertada, coibindo abusos e castigando os que prevaricassem. Mas tudo isso poderia ser levado a efeito que no indivíduo independente, o que com ele se não dá, pois um fanático pela política partidária.

Podemos dizer que quem sempre teve um certo predomínio na província foi a colónia de Cabo Verde, que com verdade devemos dizer foi a que colonizou esta província, sendo a ela que se deve algum progresso que esta tenha experimentado. A maioria dos empregados são cabo-verdianos, o comércio em grande parte lhe pertence e entre eles constam indivíduos de bastante valor. Tudo isto tem redundado em prejuízo de uma boa administração. O governador procurando o bem dos seus correligionários tem tirado de lugares indivíduos que regularmente desempenhavam as suas funções, para lá colocar outros que em pouco devem para a sua dignidade e que, tendo em mira ganhar somente conseguiram que fossem aumentados quase ao dobro os vencimentos e pagas as diferenças deles desde Janeiro de 1921.

Os administradores das circunscrições compram automóveis que são para seu uso pessoal. Uma repartição há que não deve ser atingida por estas apreciações, pois que devido ao seu diretor caminha com regularidade e disciplina. É a direção dos Serviços de Marinha. As alfândegas deixam muito a desejar pelo procedimento brusco do seu diretor. Contra ele foi levantado um processo por irregularidades cometidas, mas que, como partidário do atual governador, ficou o processo sem andamento.

O elemento militar é apenas no nome, pois que os soldados não têm a mais leve noção do que valem e os oficiais procuram é de tratar da sua vida particular. Como administrador do concelho está um oficial do exército colonial que tem feito um regular lugar. A ele se deve talvez uma estrada que vai de Bolama a ponta do Oeste, há pouco concluída e única que existe na ilha de Bolama. Falemos da câmara municipal que se distingue pela incúria e negligência. É constituída por indivíduos que não tendo conhecimento algum das necessidades do município ainda menos têm de tacto administrativo, o que dá em resultado caminhar tudo quando depende de serviços da câmara num desleixo imperdoável. Em Bolama há um hospital cujo tratamento é péssimo, o de Bissau é pior. Há perto de seis meses que existe apenas um médico em Bolama.

Sobre o censo da população da colónia não nos é possível com precisão qual seja. São variáveis as opiniões, sendo a mais admissível a de ser a população aproximadamente de 800 mil almas".

(Continua)
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Notas do editor

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Último poste da série de 23 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17896: Notas de leitura (1007): Memórias boas da minha guerra, volume II, por José Ferreira; Chiado Editora, 2017 (Mário Beja Santos)

8 comentários:

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Este documento é muito esclarecedor acerca do ambiente na Guiné.
Vejam o que é dito acerca dos militares e do gerente da empresa a cumprir degrado em Angola...
Não tenhamos dúvidas: aquilo estava a saque.
E depois, bem, "depois foi o que já se adivinha" como dizia o Tony de Matos.

Um Ab.
António J. P. Costa

Antonio Rosinha disse...

"Os empregados que alguma coisa trabalham são os naturais da colónia ou os cabo-verdianos. Os que vêm da metrópole, chegam aqui com um único fito: arranjar seja como for algum dinheiro sem trabalhar."

Esta conversa de um simples gerente de banco para os seus chefes em Lisboa, a falar mal (incompetentes, desonestos, encanar a perna à rã, à sombra da bananeira, abanar a árvore das patacas...)de todos os funcionários e empregados que vinham da metrópole, do puto, do rectângulo, é conversa de quem não veio de lá.

É conversa de quem nasceu já em África, ou foi para lá em criança, já se considera ultramarino, branco de IIª, ou será já mestiço.

Para quem conhece tanta gente ao pormenor, e viu chegar tanta gente, é alguém residente em Bolama há muitos anos, e não veio para regressar como os militares ou administradores, em comissão temporária.

Mais adiante afirma que na realidade quem tem colonizado (querendo dizer, trabalhado) são os caboverdeanos (africanos, não metropolitanos, subentende-se)

Ora essa mesmíssima conversa era crónica dos brancos de II e dos mestiços, (todos, em geral) nos anos 50 até 1961, em todas as colónias.

Mas não era conversa dos indígenas, dos régulos e dos homens grandes em Angola, e sei que era assim em Moçambique e na Guiné.

Este gerente que fala assim, diz "verdades"que eu próprio tive que ouvir (ao vivo, na minha orelha) de colegas africanos da tropa e da profissão. naturais ou lá desde pequenos, já com sotaque.

Eu quando falo em brancos de II, não o digo da boca para fora, gratuitamente, digo porque aprendi com eles, que me lembravam que eram de II para se distinguirem bem de quem era branco de I, incompetente, ignorante, burro, para quem a bola era «quadrada».

Mas a principal verdade do gerente do banco era quando dizia que eram os africanos (caboverdeanos) que colonizavam a Guiné.

Em Angola também era com os mestiços e brancos de II que aprendiamos a lidar (colonizar), com aquele mundo totalmente diferente das nossas terrinhas, parvalheira, como eles sabiam dizer.

Tenho para mim há muitos anos (séculos), que os jovens do império, desde África e India e até Macau e Brasil, passando por Madeira e Caboverde, foram os principais braços direitos na colonização histórica de meia dúzia de gatos pingados que saiam do Tejo, mar adentro.

Eles que eram de lá, é que sabiam como era.

Obrigado Beja Santos..

Cherno Balde disse...

Caros amigos,
Este discurso eh concordante com o que temos ouvido do A. Rosinha, foi tambem o q podemos ler nas memorias de Cadogo Pai sobre as relacoes e a concorrencia (des)leal dos metropolitanos na primeira metade do Sec. XIX, em Bolama e Bissau.

E se este discurso correspondesse realmente a verdade dos factos...!!??

Nao tenhamos duvidas, aquilo continuou no saque...ate hoje.

Obrigado Amigo BS que nos ajuda a descobrir o antes e o apos, depois de ter deixado algumas penas pelo caminho.

Antonio Rosinha disse...

Cherno, esse gerente de Banco que descasca nos metropolitanos,viveu no tempo em que a Metrópole era governada por primeiros ministros que mudavam a cada mês, ou a cada semana e isto quando não eram assassinados à maneira de Amílcar Cabral, Nino e mais alguns.
As desordens e os golpes de estado na Guiné destes anos, foram uma amostra ligeira do que se passava na Metrópole portuguesa, nesse tempo.

Até que em 1926, já talvez esse gerente tivesse subido de posto, aparece um golpe de estado e aí aparece o Salazar, de quem os velhos régulos de todas as colónias começaram a decorar o nome e ficaram a saber quem governava e mandava em Portugal, Salazar por 40 anos, não mais por meia dúzia de dias.

Eu apanhei ainda em Angola, o Salazar em vida por 11 anos a governar Portugal do Minho a Timor.

Mas de todas as colónias era Angola que estava mais no berra.

Embora os moçambicanos (não os indígenas) se julgassem mais bonitos e mais finos do que os angolanos, estes julgavam-se muito ricos, mais ricos do mundo.

Para angolanos e moçambicanos, (não os indígenas), as colónias da Guiné, Caboverde e São Tomé, Goa , Timor, e São João Batista de ajudá, essas até era melhor nem terem nascido.

Mas para Salazar todas as colónias contavam, só que os "gerentes" como esse de Bolama que se queixava dos metropolitanos serem os malandros, que só queriam o seu ordenado sem fazer nada, passaram a ter outro discurso, e esse já tu o conheces, amigo Cherno.

Era o discurso de Amílcar Cabral, os novos "gerentes":

Queremos a independência, nós sabemo-nos governar sem a metrópole, e como diziam os "gerentes" em Angola, vamos fazer de Luanda uma Nova York.

Só que os Indígenas, esses nunca ninguém lhe ouviu a opinião, em toda a África.

Vê o que se passa hoje no país que era o modelo de independência inglês o Quénia.

Cada vez que há eleições, cada tribo quer o seu presidente próprio.

Cherno, penso que a Guiné está muito bem para a África actual, e a única coisa que os "metropolitanos" e os caboverdeanos exploraram a sério na Guiné, foi a aguardente de cana, o GROGUE, e como havia muitos mussulmanos, mais aguardente sobrava.

Cumprimentos





Cherno, nunca os indígenas foram ouvidos em nenhum país de África.

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Os documentos devem ser lidos e vistos à luz do que passava naquele tempo.
Neste caso particular o que é mais importante é que será muito provido de veracidade. Ao que parece, trata-se de um documento interno do BNU e que, por isso mesmo, corresponderia ao que efectivamente se passava.
A importância maior deste género de documentos é deitar por terra as conhecidas teorias:
- dos 400 ou 500 anos de civilização
- do "não fomos como os outros",
- do andávamos p'rá li a dilatar a fé e o império
- de um dia em que não déssemos ao mundo pelo menos aí... um dez novos mundos não era dia nem era nada.
- de que civilizámos "à brava"
- de que desenvolvemos ainda mais.
Se não fomos os máiores, tamos logo a seguir.
Enfim, um paraíso.
Como as revoltas e as revoluções não se improvisam e acontecem quando salta a faísca para tal... o resto já sabemos.
Como já disse, a guerra para mim terminou com a independência da Guiné.
O que sucedeu depois ou mesmo no interior das hostes do In não me diz respeito.

Um Ab.
António J. P. Costa
PS: Não se esqueçam de atrasar uma hora (no relógio).

Antonio Rosinha disse...

Penso que nem os jesuitas acreditavam no Camões, quanto mais nós aqui e agora.
Será que os padres balantas de Bissau, o bispo de Cabinda e o de Luanda também acreditam no Camões?
António J.P.Costa, na realidade cada documento deve ter o seu tempo.
Penso que o Camões, hoje reduziria tudo isto a uma palavra:globalização
Canto I
2/106 E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis, que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando;
E aqueles, que por obras valerosas
Se vão da lei da morte libertando;
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.

António J. P. Costa disse...

Cuidado com a linguagem, Camarada!
Vejo na tua afirmação do Camões uma grande carga de racismo, colonialismo, xenofobia e mais outros produtos idênticos.
Dou-te um conselho:
Retira o post. Senão serás perseguido ou mais até seres politicamente correcto.
Eles andem aí...
Um Ab.
António J. P. Costa

Unknown disse...

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