Guiné > Guileje > 1967 > Foto aérea do aquartelamento e tabanca.
© José Neto (2005) (1)
O Zé Neto é o patriarca da nossa tertúlia. Pela sua idade e pela sua experiência como homem e como militar (que andou por Macau, Cabinda, Guiné, outra vez Angola...) merece o nosso respeito e, mais do que isso, um tratamento carinhoso.
Há dias escreveu-me um e-mail muito bonito mas que eu interpreto como sendo também uma homenagem aos demais amigos e camaradas desta tertúlia. É um homem, de resto, com um forte sentido de lealdade mas também de bom senso, que o impede, por exemplo, de identificar camaradas que ainda hoje estão vivos e cujo comportamento, em 1967/68, deixava muito a desejar... Diz ele: "Eu sei que, a partir do momento em que me dispus a fazer parte da nossa tertúlia, é meu dever partilhar com todos as minhas recordações da Guiné. Sei também que alguns dos meus estimados Furriéis, Cabos e Soldados que têm Internet visitam regularmente o blogue (fui eu que os induzi a tal)(...)". Há, porém, "comparsas da história" que limitam a divulgação, de um ou outro ponto, do texto do Zé Neto...
Vamos ter em linha de conta esta louvável preocupação do Zé Neto em não transformnar este blogue num tribunal de opinião pública sobre a guerra colonial (que, de facto, não é nem pretende ser):
Meu caro Luis:
Depois de muito meditar cheguei à conclusão de que, pelo menos tu, mereces a minha confiança para partillhar contigo uma parte "muito significativa" das memórias da minha vida militar. São trinta e três páginas retiradas (e ampliadas) das 265 que fui escrevendo ao correr da pena para responder a milhentas perguntas que o meu neto Afonso, um jovem de 17 anos, que pensava que o avô materno andou em África só "a matar pretos" enquanto que o paterno, médico branco de Angola, matava leões sentado numa esplanada de Nova Lisboa (Huambo). Coisas de família...
Já cedi este modesto trabalho à AD do Pepito e conto não o fazer mais, por enquanto. É, como já te disse, uma perspectiva um tanto diferente dos relatos do blogue, mas é assim que sei contar as minhas angústias e sucessos.
Diz qualquer coisa. Até breve.
Um abraço do "patriarca" Zé Neto
O capitão, reformado, José Neto. Há dias tinha-lhe pedido duas 'chapas', uma dos gloriosos tempos de Guiné e outra mais recente, mais condizente com o dolce far niente do repouso do guerreiro.... Eis a resposta dele, sempre bem-humorada:
"Falaste em eu 'não ficar mal na fotografia' e lembrei-me que ainda minguém, no blogue, conhece a minha cara. Do tempo da Guiné não tenho, por enquanto, porque, como já disse, estão todas em Leiria para digitalizar. Das recentes tenho para aqui umas, mais engravatado, menos retocado, mas escolhi esta que é mais 'retrato' do que 'foto', que a minha neta Leonor captou e usa no ecrã do 'télélé'. Guarda aí até virem as outras". Não há dúvida que o Zé Neto, com estes netos (a Leonor, o Afonso...), é um avô babado e sortudo... E nós também ficámos a ganhar: temos o privilégio de sermos, depois do Afonso e do Pepito, os primeiros leitores das suas memórias de Guileje... A propósito: escrevo Guileje, e não Guilege, como o Zé (ou Guiledje, como o Pepito), de acordo com a grafia usada pelos Serviços Cartográficos do Exército... Não me levem a mal, nem um nem outro. L.G.
Extracto das memórias do primeiro-sargento da Companhia de Artilharia nº 1613, o então 2º Sargento José Afonso da Silva Neto (e hoje, capitão reformado).
I Parte - Anotações prévias
Nas páginas que deixo para trás, respeitantes à Guiné, descrevo a maneira atribulada, para não dizer trapalhona, como o meu Batalhão, e por arrasto a minha Companhia, CART 1613, foi parar àquela Província Ultramarina e os remendos que se seguiram.
Resumindo:
O Batalhão de Artilharia nº 1896 (BART 1896) foi formado no RAP 2, Vila Nova de Gaia, com destino a Angola.
Depois da instrução dos recrutas foi confirmado esse destino, em 29 de Julho de 1966, e, como havia de se fazer a Instrução de Aperfeiçoamento Operacional (IAO) em Viana do Castelo, tal não foi possível porque tinha sido adiado o embarque ao batalhão que ocupava as instalações militares daquela cidade minhota.
Ao mesmo tempo o RAP 2 deu início à formação de mais um batalhão, pelo que o pessoal da Unidade foi distribuído por quartéis velhos, alguns já desactivados, na área do grande Porto.
A minha Companhia foi aquartelar nas antigas e quase desmanteladas instalações do GACA 3, em Espinho.
No fim de Agosto solucionou-se o “engarrafamento de batalhões” e seguimos para Viana do Castelo.
Já a IAO ia a meio quando, em 24 de Setembro de 1966, foi alterado o destino do Batalhão para Moçambique.
Depois de introduzidas algumas alterações no planeamento da IAO (derivado à diferença da morfologia do terreno…?) continuou a referida instrução. Estava a IAO terminada e o Batalhão pronto para seguir quando, em 6 de Outubro de 1966, chegou a ordem para demandarmos a Guiné.
Iniciou-se nova IAO, com temas mais virados para terrenos alagadiços, mas, em fim de Verão as nossas "bolanhas" estavam secas. Fez-se o que foi possível… Embarcámos em Lisboa no dia 12 de Novembro e desembarcamos em Bissau em 18 do mesmo mês.
Como batalhão de reforço seguiu em "ordem de marcha" o que significa que, desde a esferográfica, passando pelos lençóis, até à mais pesada viatura auto, tudo foi connosco.
Aquartelamos no campo militar de Brá e… a trapalhada continuou. As três companhias operacionais (CART 1612, 1613 e 1614) foram desligadas do comando do Batalhão e as primeira e terceira seguiram para reforço doutros batalhões enquanto que a segunda (CART 1613) foi destinada a Unidade de Intervenção à ordem do Comando-chefe, continuando aquartelada em Brá.
Mais treino operacional para a 1613, desta vez na área de Tite, mais propriamente em São João e treino de saltos de helicóptero para um grupo de combate de voluntários de entre o efectivo da companhia.
De Janeiro a Maio de 1967 a CART 1613 andou de colchão pneumático às costas e tendo por caserna a copa das árvores, a “biscatar” pelo território da Província, com maior incidência nas zonas de Pelundo e Jolmete.
Com a atribuição da responsabilidade do Sector S 2, com sede em Buba, ao BART 1896, este reagrupou-se e a CART 1613 foi instalar-se nas povoações de Colibuia e Cumbijã, onde nunca tinha estado qualquer unidade militar.
Por ali andou em trabalhos de construção de cobertos e abrigos para a imensa tralha de materiais que levara da Metrópole.
Menos de dois meses depois, em 17 de Junho de 1967, um Gr Comb deslocou-se para o futuro destino de quadrícula, ou seja, área de ocupação definida, e duas semanas depois seguiu-se a transferência para Guileje.
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Notas de L.G.
(1) Sobre a história desta foto, vd post de 5 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXXIX: José Neto, outro senhor de Guileje (CART 1613, 1967/68)
(2) Região de Quínara, no sul
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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