quinta-feira, 11 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25373: Acordar memórias (Joaquim Luís Fernandes) (8): Periquitos, velhinhos e a famosa "batota no mato"...

1. Comentários ao poste P25349 (*)

Joaquim Luís Fernandes (foto à direita), natural de Leiria, foi alf mil, CCAÇ 3461/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1973, e Depósito de Adidos, Brá, 1974; é autor da série "Acordar memórias"


(i) Luís Graça 

Joaquim, aconteceu-nos a todos... Nos primeiros seis meses (qual quê ?!, nos primeiros três meses), o "periquito" tem os cincos sentidos (olfato, paladar, visão, audição e tato) atentos a todas as potenciais ameaças que vêm do exterior...

Fomos treinados (mas mesmo assim mal e à pressa) para adotarmos comportamentos de segurança na Guiné (nunca ninguém me falou da Guiné, e das suas "armadilhas"!)...

Depois,começamos a relaxar, e acontecem as primeiras "baldas" e os primeiros lamentáveis "incidentes"...

Ao fim de seis meses fomos já "veteranos", "velhinhos como o c...", e depois tudo podia acontecer: as primeiras mortes, estúpidas, por acidente, com o dilagrama, a granada de bazuca 8.9 ou de morteiro 60, as granadas de mão, a mina A/P, o Unimog que capotou, o companheiro que saiu da fila para ir mixar ou cagar na orla da mata, e leva um tiro no regresso...

Parabéns, não tens mortos inocentes na tua consciência...porque foste um oficial competente e responsável, disciplinado e disciplinador... Não era fácil, chamavam-te logo nomes feios, "chicalhão"... (Espero que possas ir alimentando a tua série, interrompida em 2014; eu dou-te uma ajuda, repescando comentários como este...)

7 de abril de 2024 às 12:52 

(ii) Joaquuim Luís Fernandes:

Viva.  Luís Graça! E obrigado pela atenção.

Sei que devo alguns postes ao blogue, mas não sei quando pagarei essa dívida. Tenho sempre outros assuntos prioritários que me escasseiam o tempo e a disposição para me sentar a escrever as minhas memórias e a compor os postes com algumas fotos de jeito.

Por enquanto fico-me pelos comentários, que saem ao impulso do que sinto nos postes que leio. E quando posso.

As observações que fazes no teu comentário supra, no que me respeita, suscitam-me outros tantos comentários, mas hoje não me quero alongar, como algumas vezes faço.

Direi apenas que me interrogo como eu com 21 anos (só fiz os 22 em 30 de Julho de 73) consegui comandar um pelotão de "pessoal já velhinho" que não conhecia nem me foi formalmente apresentado, conquistando gradualmente a sua confiança, sem indisciplinas que perturbassem o normal cumprimento das missões que nos destinaram.

E havia no grupo alguns com modos de ser e estar um pouco problemáticos. Mas tive o bom senso de me conduzir de modo ajustado às circunstâncias.

Concluo que comandei um pelotão disciplinado e não foi por força de usar o RDM para impor a disciplina. isto é: Eu procurei ser disciplinado, correto e respeitador para com todos e penso que o meu comportamento induziu no grupo disciplina e respeito.

Creio que nunca me julgaram de "chicalhão". Sabiam que eu era um paisana a cumprir o serviço militar obrigatório, sem tiques militaristas.Também sabiam, porque várias vezes lhes disse, que o que fazia, era para que tudo nos corresse bem, sem azares, sem castigos, sem mortes e sem feridos.

Mas ouvi algumas reclamações e queixumes por cumprirmos os exigentes patrulhamentos nas matas do Balenguerez e do Burné, nas "barbas" da Caboiana, que sabíamos perigosos. Sabiam que outros grupos que connosco alternavam, muitas vezes se baldavam.

Só nunca lhes disse porque assim procedia. E não era por ser guerreiro. Alguns terão pensado que eu via perigo onde não existia, na minha prudente atitude de conduzir os patrulhamentos como se caminhasse-mos em áreas de contacto eminente. (será que o não eram?)

Mesmo assim, terei-me baldado a um patrulhamento ao Balenguerez (que deu para fazer uma caçada aos javalis) e uma outra tentativa de balda, que foi interrompida pelo Comando em T.Pinto, via rádio, a perguntar qual a nossa posição, pois pretendiam fazer uns tiros de obús a partir do Bachile, visando atingir um grupo do PAIGC que tinha roubado vacas numa tabanca próximo de Bassarel.

Foi uma aflição: Nós estacionados na estrada velha, próximo do local onde as viaturas nos tinham deixado, quando com quase 2 horas de percurso já deveríamos estar perto do Balenguerez.

Chovia a bom chover! Lá dei as coordenadas na direção que deveríamos ter seguido, não muito longe de onde estávamos. E foi caminhar debaixo de chuva a passo acelerado, dentro do possível.

Não intercetámos o grupo que tinha roubado as vacas, mas sim o trilho por onde tinham passado,com vestígios evidentes: a bosta das vacas e os rastos que a chuva não tinha apagado.

E ainda bem, que na balda, atrasámos o percurso. E ainda bem que o grupo do roubo das vacas, vindo em nossa direção, no mesmo trilho, pouco depois de passarem pelo Balenguerez, desviarem para o lado das Matas de Cacheu, que já não era zona da nossa intervenção. Deste modo evitou-se o contacto, frente a frente, cujas consequências não sabemos no que poderia dar.

E fico por aqui. E dizia eu que não me queria alongar.

Abraços
JLFernandes

8 de abril de 2024 às 01:07

2. Comentário do editor LG:

Sobre a famosa "batota no mato", temos 13 referências no blogue. E fizemos inclyusive um "inquérito on line" que, infelizmente, só obteve 45 respostas... As eventuais diferenets formas desta prática estão identificadas e listadas... As três mais frequentes (**):
  • Emboscar-se perto do quartel > 17 (37%);
  • Começar a “cortar-se", c/ o fim da comissão à vista > 17 (37%)
  • “Acampar” na orla da mata, ainda longe do objetivo > 11 (24%)
(**) Vd. poste de 5 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P16800: Inquérito 'on line' (93): "Batota no mato" ... ou no blogue ?... Esperávamos 100 respostas, obtivemos apenas 45... Resultados: as três formas mais frequentes de batota: (i) emboscar-se perto do quartel (37%); (ii) começar a “cortar-se", com o fim da comissão à vista (37%); e (iii) “acampar” na orla da mata, ainda longe do objetivo (24%)... Só não fazíamos batota era com o Natal no mato...

4 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Foi uma pena amostra não ter sido maior... Em geral tínhamos sempre uma amostra superior a 100... Mas neste caso, só fazia senmtidpo sere,m os operacionais a responder...

Resultados definitivos: total de respostas > 45

(i) As formas mais frequentes de 'batota no mato'(res+osta múltipla):

. Emboscar-se perto do quartel > 17 (37%)

. Começar a “cortar-se", c/ o fim da comissão à vista > 17 (37%)

. “Acampar” na orla da mata, ainda longe do objetivo > 11 (24%)

. Simular problemas de saúde > 10 (22%)

. Outras formas > 10 (22%)

. “Andar às voltas” para fazer tempo > 9 (20%)

. Falsificar o relatório da ação > 9 (20%)

. Falsas justificações para perda de material > 9 (20%)

. Evitar o contacto com o IN (não abrindo fogo) > 8 (17%)

. Reportar “enganos” do guia nos trilhos > 6 (13%)

(ii) As formas menos frequentes de 'batota no maso'...

. Alegar dificuldades de ligação com o PCV > 5 (11%)

. Sobrevalorizar o nº de baixas causadas ao IN> 5 (11%)

. Regresso antecipado p/alegados problemas de saúde > 5 (11%)

. Enganar o PCV sobre a posição das NT > 4 (8%)

. Provocar o silêncio-rádio > 3 (6%)
. Outros problemas de transmissões > 3 (6%)


(iii) As formas de 'batota no mato' não referidas...

. Deixar fugir o guia-prisioneiro > 0 (0%)

. Liquidar o guia-prisioneiro > 0 (0%)

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Joaquim, a minha experiência (fui operadacional) diz-me que na tropa so se é militarista dentro quartel... Houve casos conhecidos de "ajustes" dentro e fora dos quartéis...

Não era fácil comandar no TO da Guiné, às vezes "o capim incendiava-se"
...

A formação, na Academia Militar, na área das ciências do comportamento era inexistente ou insuficiente
... A Escola Naval estava mais avançada, pelo menos em teoria..

Tabanca Grande Luís Graça disse...

E já agora, Joaquim, onde é que tu estavas no 25 de Abril de 1974 ? Ainda em Teixeira Pinto ou em Bissau ? Tens alguma recordação especial desse dia ?

Joaquim Luis Fernandes disse...

Viva Luís Graça!

Só agora a responder à tua "trivial" questão: onde é que eu estava no 25 de Abril de 1974.
A resposta é simples: estava em Bissau. Mas dito deste modo, a resposta que interesse tem?

E o que dizer mais, que suscite algum interesse?

Depois de no ano de 1973 ter estado em Teixeira Pinto, onde sofri e vi sofrer qb, de, apesar de tudo, reconhecer que era uma região pacífica quando comparada com outras, do Norte, Leste e Sul, mais próximas das fronteiras, com o aproximar do fim de comissão do BAT.CAÇ.3863, onde estava integrado, apresentei um requerimento para que me fosse concedida a possibilidade de ficar integrado na Unidade que o iria render. O requerimento foi indeferido.

Interrogava-me então, sofrendo por antecipação, que sorte seria a minha, para que buraco me iriam mandar. Para alguma Companhia Africana?...

Em Dezembro de 1973, fui com o Batalhão para o Cumeré, onde o pessoal que tinha acabado a comissão aguardou o embarque para a Metrópole. Acompanhei os meus camaradas até ao navio Niassa,(não recordo bem a data, dia 19 ou 20?) onde me despedi dos mais próximos.

E o meu destino imediato, foi apresentar-me no Depósito de Adidos em Brá, penso que a aguardar colocação.

E aconteceu, que por esses dias, tinha terminado a sua comissão nesta Unidade, o nosso camarada e amigo, Augusto Delfim Silva Santos, que prestava serviço na Secção de Justiça, criando aí uma vaga.

Pois foi precisamente essa vaga, penso eu, que me safou de pior destino. Fiquei colocado no D.A. em Brá, na Secção de Justiça, como Oficial de Justiça.

E logo em eu, atirador de Infantaria, sem formação na área de Direito.
Mas a falta dessa formação académica, não me impediu de um bom desempenho nas funções em que fui incumbido, que mereceu um louvor do Comandante da Unidade, pelos bons serviços prestados nos Processos que me foram confiados.
E um convite para preencher o requerimento para a minha continuidade no Serviço Militar, que rejeitei.

Foi pois nestas funções e nesta Unidade, que vivi o 25 de Abril de 1974. Não recordo de nesse dia ter sabido do que se estava a passar em Lisboa.

A esse tempo, vivia com a minha mulher em Bissau e levava a vida de um casal em segunda "lua de mel". Estava demasiado concentrado na nossa vida a dois, para me dispersar em devaneios políticos.

Estes já tinha acontecido na minha mocidade, de adolescente e jovem, em formação de carácter, contra o Regime, opressor e caduco, de Salazar e Caetano.
Durante a Instrução Militar, sempre associei com os camaradas que eram do contra, cortando na casaca do Regime e da Instituição militar.

Também em T. Pinto, acompanhei os movimentos corporativos (mas também políticos) dos Oficiais do Quadro Permanente, que se manifestavam contra o Decreto Lei, que os prejudicava na promoção, sendo este o embrião do que viria a ser o Movimento do Capitães, do 25 de Abril de 1974.

Como sabemos, em Bissau, a "revolução" aconteceu em 26 de Abril de 1974. Do que se tornou visível e audível, lembro o movimento dos helicópteros, a baixa altitude sobre Bissau, em ações persuasivas sobre a cidade.

Não me embrenhei no que se estava a passar em Bissau e penso até que fiquei de noite no Quartel.
A minha mulher contou-me que ficou assustada com o movimento aéreo sobre a cidade e que estranhou que um Tenente, que morava em casa vizinha, viesse armado de G3 para casa, o que não era costume.

Sobre o que se seguiu a esse dia, mesmo não tendo retido tudo na memória, o que havia a contar não cabe neste comentário que já vai muito longo.

Abraços
JLFernandes