Na Rua do Benformoso
já não manda o Intendente,
a rua agora
é da gente
que lá mora.
Passa um miúdo, preto,
com um saco de pão
na mão,
é o moço de recados
do restaurante onde cheira
a especiarias da Índia.
Diligente e esperto,
voluntarioso,
não nos parece que seja
um sem eira nem beira,
nem muito menos um potencial terrorista do estado islâmico,
nem muito menos um potencial terrorista do estado islâmico,
diz o relatório do chefe da esquadra policial.
Há talhos halal
pela rua abaixo,
e gente, rua acima,
que veio dos Himalaias
na última arca
de Noé.
Nas praias
do Tejo,
naufragam barcos de escravos,
uns são do marquês,
outros do patriarca,
mas a maior parte são propriedade
d'el-rei, sua majestade,
senhor de aquém e de além-mar.
Os outros, para aí uns três,
perigososos, foragidos,
sem valor na bolsa de valores,
não valem vinténs, réis ou centavos,
são de quem os apanhar,
mortos ou vivos,
nas ruelas e escadinhas da cidade.
Nas praias
do Tejo,
naufragam barcos de escravos,
uns são do marquês,
outros do patriarca,
mas a maior parte são propriedade
d'el-rei, sua majestade,
senhor de aquém e de além-mar.
Os outros, para aí uns três,
perigososos, foragidos,
sem valor na bolsa de valores,
não valem vinténs, réis ou centavos,
são de quem os apanhar,
mortos ou vivos,
nas ruelas e escadinhas da cidade.
Na rua do psst!, psst!,
não adianta clamar pela rainha,
que ela é louca,
e toda a energia é pouca,
para marchar,
p'ró pretinho e p'rá pretinha,
p'ró pretinho e p'rá pretinha,
Agora a Mouraria é que é,
grita o último marchante
da avenida da Liberdade;
chegou tarde
e deixou p'ra trás a acompanhante.
Rua acima, rua abaixo,
grita o último marchante
da avenida da Liberdade;
chegou tarde
e deixou p'ra trás a acompanhante.
Rua acima, rua abaixo,
formosa mas não segura,
vai a mulatinha da Guiné,
de balaio à cabeça,
e pano garrido à cintura,
de balaio à cabeça,
e pano garrido à cintura,
ainda à espera
do milagre de Santo António.
do milagre de Santo António.
Pode o mundo ir a pique,
podem até enforcar
o Pina Manique,
não adianta lamentar,
o Pina Manique,
não adianta lamentar,
na rua do Benformoso,
o Mali é já ali,
não se canta o fado,
muito menos a despique
com os da rua do Capelão.
Vão à sopa dos pobres
até os das casas nobres,
caídos na pobreza,
e agora merceeiros
da santa casa da misericórdia.
Se não há pão,
não há concórdia,
mas a rua do Benformoso
caídos na pobreza,
e agora merceeiros
da santa casa da misericórdia.
Se não há pão,
não há concórdia,
mas a rua do Benformoso
é que é,
diz o antigo fuzileiro
lá nado e criado,
lá nado e criado,
o “Mouraria”,
hoje na casa dos quarenta:
andou nas guerras da Crimeia
ao serviço da Nato,
arranjou ao comandante um berbicacho,
foi apanhado a mijar na pia
hoje na casa dos quarenta:
andou nas guerras da Crimeia
ao serviço da Nato,
arranjou ao comandante um berbicacho,
foi apanhado a mijar na pia
de água benta
da mesquita azul
da mesquita azul
em Istambul;
estava bêbedo que nem um cacho.
estava bêbedo que nem um cacho.
O que nos salva é a fé,
e o que nos resta... do pé de meia;daqui ninguém arreda pé,
mesmo em caso de haver peste
(de que Deus nos livre!,
e, se tiver que ser,
que Ele nos ajude!),
garante o guarda-mor
da porta da senhora da saúde.
A rua do Benformoso, agora
é de quem lá passa,
com mais jeito ou menos graça,
com mais jeito ou menos graça,
ou de quem lá namora,
ou muito simplesmente
de quem por lá se demora.
de quem por lá se demora.
Lisboa, Largo do Intendente,
Festival Lisboa Mistura 2015, 19/6/2015
Lisboa, Largo do Intendente > 19 de junho de 2015 > Mural da campanha Unidos pelo Fim da MGF [Mutilação Genital Feminina], projeto da APF - Associação para o Planeamento da Família.
O Mural END FGM foi criado pelos artistas Fidel Évora e Tamara Alves no âmbito da campanha europeia END FGM, que advoga a atuação enérgica do Parlamento Europeu na erradicação da Mutilação Genital Feminina (MGF) na Europa e no Mundo.
Festival Lisboa Mistura 2015, 19/6/2015
Lisboa, Largo do Intendente > 19 de junho de 2015 > Mural da campanha Unidos pelo Fim da MGF [Mutilação Genital Feminina], projeto da APF - Associação para o Planeamento da Família.
O Mural END FGM foi criado pelos artistas Fidel Évora e Tamara Alves no âmbito da campanha europeia END FGM, que advoga a atuação enérgica do Parlamento Europeu na erradicação da Mutilação Genital Feminina (MGF) na Europa e no Mundo.
A apresentação, em julho de 2014, contou com os testemunhos de Aissato Djaló, Projeto Musqueba, e de Duarte Vilar, Diretor Executivo APF [, e irmão do nosso malogrado camarada, cap cav Luis Rei Vilar, comandante da CCAV 2538 / BCAV 2876, unidade de quadrícula de Susana (1969/71)].
Lisboa, Mouraria > Rua do Benformoso > 19 de junho de 2015 > Uma habitante local, à janela... (Muitas das casas têm as paredes exteriores a azulejos oitocentistas, como esta; a 100 metros , no largo do Intendente, fica a antiga e famosíssima Fábrica de Cerâmica da Viúva Lamego, fundada em 1849 (e que ajudou a fazer de Lisboa a cidade do azulejo).
Lisboa, Mouraria, eixo Praça Martim Moniz / Rua da Palma / Largo do Intendente > 19 de junho de 2015 > A zona mais multiétnica da cidade. Sabe-se que entre os habitantes da Mouraria, para aalém dos nativos. há mais de meia centena de etnias, com origem na Ásia, África, Europa de leste e "Novo Mundo"... É um bairro histórico fascinante que importa conhecer, acarinhar e divulgar... Dicas podem ser encontradas aqui na página da associação Renover a Mouraria.
Lisboa, Praça do Martim Moniz > 19 de junho de 2015 > "Sem bandeiras nem fronteiras", um slogan "anarquista".
Lisboa, Praça do Martim Moniz > 19 de junho de 2015 > "Sem bandeiras nem fronteiras", um slogan "anarquista".
Fotos (e legendas): © Luís Graça (2015). Todos os direitos reservados.
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Nota do editor:
Último poste da série > 29 de maio de 2015 > Guiné 634/74 - P14677: Manuscrito(s) (Luís Graça (58): Cais de partida(s): Porto de Lisboa (Parte I): Gare Marítima de Alcântara: os painéis de Almada Negreiros
5 comentários:
Até há uns anos atrás, não se ia para a zona do Intendente de máquina em punho, descontraidamente, em passeio turístico... É bom lembrar o trabalho que tem sido feito, nestes últimos anos, pela Câmara Municipal de Lisboa, as juntas de freguesia da zona e as associações locais, juntamente com a população, para acabar com a histórica estigmatização do bairro da Mouraria...
Gesto de grande simbolismo foi a decisão, no verão de 2010, do então presidente da Câmara Municipal de Lisboa de transferir, temporariamente, o seu gabinete para o largo do Intendente...
Recorde-se que todos os nossos camaradas, na TO da Guiné, oriundos da Mouraria levavam com o ferrete do topónimo...Quem não conheceu um ou mais "Mouraria" de alcunha ?...
No nosso tempo, de "meninos e moços", ia-se ao Cais do Sodré, arriscava-se uma incursão no bairro Alto, mas o Intendente metia muito mais respeitinho... Confesso ue só conheci verdadeiramente a Mouraria muito depois do 25 de abril...
Aqui vai um excerto do DN - Diário de Notícias:
Autarca muda-se para o Intendente
09 setembro 2010
antónio costa
Pres. cm lisboa
O presidente da Câmara de Lisboa, António Costa (PS), anunciou ontem que vai instalar o seu gabinete no Largo do Intendente por um ano e meio a dois anos. A "decisão simbólica", destinada a "enfatizar" a importância da requalificação da zona para o executivo foi comunicada durante a discussão da instalação do sistema de videovigilância no eixo Baixa-Praça do Chile, através da Avenida Almirante Reis. "Não podemos aceitar a estigmatização do Largo do Intendente", defendeu. O projecto aprovado inclui 50 videocâmaras espalhadas por 10 freguesias. (...)
http://www.dn.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=1658132
Um outro recorte, para garantirmos a pluralismo do blogue... LG
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Diário Digital
06-04-2012 às 10:44
Intendente/1 ano: Oposição diz que problemas sociais e de degradação se mantêm e pede mais medidas
A oposição na Câmara de Lisboa considera que os problemas sociais e de degradação urbana persistem no Largo do Intendente, um ano depois da transferência do gabinete do presidente para aquele local, e reclama mais medidas.
Há um ano, António Costa instalou o seu gabinete num edifício que pertencia à antiga fábrica de cerâmica Viúva Lamego, em pleno Largo do Intendente, uma «decisão simbólica» que justificou com a necessidade de «enfatizar» a importância da requalificação da zona.
O autarca socialista pretendia, com a iniciativa, rejeitar a «estigmatização» da zona, considerada um ponto negro da capital, marcado por insegurança, prostituição, consumo de toxicodependência e degradação de imóveis.
Diário Digital / Lusa
http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=567017
Mas quem conhece a Mouraria, muito melhro do que eu, já que é investigadora com "trabalho de terreno" feito na zona, desde há anos, é a minha amiga, de origem brasileira, Marluci Meneses (que trabalha no Laboratório Nacional de Engenharia Civil):
Menezes, Marluci – Debatendo mitos, representações e convicções acerca da invenção de um bairro lisboeta Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto
Número temático: Imigração, Diversidade e Convivência Cultural, 2012, pág. 69-95
O artigo está aqui disponível em formato pdf:
http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/10009.pdf
A curiosidade, o peconceito e o gosto da aventura às vezes andam de mãos dadas... É próprio do ser humano "estereotipar" (, no fundo, classificar por categorias simples, redutoras) a realidade, complexa, em que se vive...
Há menos de 4 anos atrás, num blogue sobre velharias, escrevia-se o seguinte sobre a rua do Benformoso e os interessantes azulejos oitocentistas que revestem as paredes dos seus prédios (, provavelmente oriundos, alguns, da antiga Fábrica de Cerâmica da Viúva Lamego, criada em meados do séc. XIX, ali mesmo, no Intendente)... Presumo que o autor seja alguém já de certa idade... Aqui vai um excerto:
10 DE NOVEMBRO DE 2011
Azulejos na Rua do Benformoso
http://velhariasdoluis.blogspot.pt/2011/11/azulejos-na-rua-do-benformoso.html
(...) A Rua do Benformoso é um sítio complicado. Mete um certo receio a quem vem de fora. Começa no Martim Moniz e termina no Largo do Intendente, zona de prostituição muito miserável. Há uns anos, numa noite qualquer, o Manel e eu andávamos a vaguear ao acaso pelo centro da cidade e quando nos aproximámos do Benformoso, alguém nos avisou para não irmos mais além. Julgo eu que até se nos dirigiu em inglês, pensando que eramos turistas,
No entanto durante o dia não é assim tão assustador. Costumava fazer essa rua para ir do Martim Moniz até ao Largo do Intendente, onde era o meu Centro de Saúde. Naquela Rua da Mouraria, sentimo-nos estrangeiros, porque ali ninguém fala português. Todas as lojas e casas estão ocupadas por chineses, indianos, nepaleses, senegaleses e gentes do Bangladesh. Até há uma mesquita no primeiro andar de uma daquelas casinhas. No fundo, o Islão voltou a ocupar um espaço que lhe pertenceu durante muito tempo.
Aquelas pessoas que por ali circulam e trabalham causam-nos estranheza. Vêem-se muitas mulheres inteiramente veladas como nos países muçulmanos mais conservadores e e aqueles panejamentos todos até são elegantes. (...)
Mas além das pessoas, os edifícios de arquitectura popular Lisboeta são muito interessantes. Há nessa rua uma casa anterior ao terramoto, que se julga ser o mais antigo prédio de rendimentos de Lisboa (...)
São prédios aparentemente modestos, mas bons exemplos de azulejaria do século XIX e tem a graça de estarem num conjunto urbano ainda coerente.
Vale a pena ir à Rua do Benformoso ver as mulheres veladas da Ásia e os azulejos portugueses. A mistura nem fica mal. (...)
Quanto mais não seja pelo edífico da antiga fábrica de cerâmica da Viúva Lamego, vale a pena uma visita ao agora renovado e revitalizado largo do Intendente:
/...) "Este edifício com fachada voltada para o Largo do Intendente integra o conjunto de arquitectura industrial,que foi a Fábrica de Cerâmica Viúva Lamego.Construido entre 1849 e 1865,por iniciativa de António da Costa Lamego no local onde este abrira uma oficina de olaria,veio dar continuidade a uma antiga tradição dessa zona.A fábrica,que adoptou o nome Viúva Lamego,após a morte do seu fundador,actualmente é propriedade de uma sociedade designada por Fábrica de Cerâmica Viúva Lamego,Lda..Classificado como Imóvel de Interesse Público,trata-se de um edifício,de estilo romântico,estruturado em 2 registos,com 2 janelas cada,que no segundo piso surgem a ladear uma varanda,rematado por empena,rasgada por um óculo rodeado de grinaldas e pequenas figuras que seguram uma inscrição com a data da construção.De salientar a fachada decorada,na sua totalidade,por um revestimento azulejar figurativo do séc. XIX,de gosto romântico-revivalista,muito característico do seu autor,Luís Ferreira,mais conhecido por Ferreira das Tabuletas,pintor de azulejos proveniente das Fábricas da Calçada do Monte e Viúva Lamego.Trata-se de uma das obras-primas do azulejo "naif" oitocentista,incluindo as figuras alegóricas ao "Comércio" e à "Indústria",que surgem a ladear a entrada.Actualmente existe apenas a exposição e venda de azulejos,enquanto que a parte fabril,onde são produzidos azulejos de grande qualidade,quer industriais quer artísticos,se mudou para outro local." (...)
Excerto de:
http://www.cm-lisboa.pt/equipamentos/equipamento/info/fabrica-de-ceramica-viuva-lamego
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