1. Mensagem do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66) com data de hoje, 24 de Junho de 2015:
Olá Carlos.
Oxalá te encontres bem.
Eu sou um "chato".
Olha, se te fosse possível, e ainda fosse a tempo na tua organização, seria possível publicar este texto em qualquer altura que achasses oportuno, pois se passar algum tempo, passa de moda, como se costuma dizer.
O Luís avivou os companheiros para este tema da sexualidade em tempo de guerra e, creio até que saiu na televisão aí em Portugal um programa com um combatente que foi ver o filho a Angola e, eu rabisquei isto.
Ajeita ao teu gosto, por favor.
Um abraço, Carlos,
Tony Borie.
Um dia, vamos todos, “bater a bota”!
Já lá vai algum tempo em que o nosso comandante Luís
nos mandou uma mensagem, em que entre outras
palavras dizia: “Que ninguém nos acuse de ter
"esqueletos" escondidos no armário... Um dia vamos
todos "bater a bota", mas temos a consciência de que
falamos de tudo ou quase tudo o que tínhamos a falar,
entre nós, e para as gerações que nos sucedem, as dos
nossos filhos e netos... não sei se há muitos blogues de
antigos combatentes, em Portugal e noutras partes do
mundo que tenham abordado "temas sensíveis" como,
por exemplo, este, o da nossa sexualidade”.
Esta nossa simples contribuição, para conhecimento em
especial, dos tais nossos filhos e netos, espera a
compreensão dos nossos companheiros combatentes,
tanto africanos como europeus, é um relato de coisas que
não se dirige a ninguém, nem tão pouco quer ferir
nenhuma sensibilidade em particular, pois este é um tema
muito sério, há muito de verdade nestas simples palavras,
já lá vão mais de cinquenta anos, naquele tempo, quase
todos nós, única e simplesmente não sabíamos, não
tínhamos qualquer informação a respeito deste tema, da
sexualidade em zona de guerra, hoje, as novas gerações
têm uma mentalidade muito mais aberta, falam, discutem,
vêm para os jornais, televisão e outros meios de
comunicação, exporem as suas vivências, explicarem que
a avó, a mãe, a irmã, a prima ou a tia, foram entre outras
coisas, abusadas, maltratadas, talvez violadas, como
dissemos a princípio, este é um tema sério demais para
ser falado, assim de ânimo tão leve.
Repito, há muito de verdade nestas palavras, hoje, depois
de tantos anos, infelizmente, todavia ninguém sabe,
ninguém pode afirmar, torno a repetir, não temos
conhecimento de qualquer estudo que o possa afirmar,
com verdade, mas, existem muitas pessoas africanas com
feições europeias, muitas pessoas asiáticas com feições
europeias, muitas pessoas europeias e asiáticas com
feições africanas, que não sabem quem foi o seu pai ou
mãe, no nosso caso de antigos e briosos combatentes
que fomos, sabemos também que algumas tropas
recrutadas lá na Guiné, assim como alguma população
civil, tinham particulares preconceitos sobre os militares
vindos de Portugal.
Por exemplo, para o nosso amigo Iafane, conhecido como
o “barqueiro”, que fazia o transporte fluvial, durante a
maré cheia, para a vila de Mansoa, de pessoas e bens,
das aldeias ribeirinhas, viajando sobre a água lamacenta
do rio, completamente nu, só colocava um farrapo a
cobrir-lhe o sexo, quando chegava a terra, depois de
ancorar a canoa, passava grande parte do dia, quando
nós estávamos de folga das nossas tarefas, junto da
ponte do rio Mansoa, na sua casota coberta de colmo, às
vezes construindo uma nova canoa, fumávamos um
cigarro feito à mão, ele ia falando, falando, naquele
português acrioulado que todos nós conhecemos,
contando-nos, entre outras coisas, as “encomendas” que
tinha de pedidos de novas raparigas, para alguns
“homens grandes”, ficando muito admirado, quando lhe
explicávamos, que lá em Portugal, o homem casava com
uma só mulher.
A sua Guiné era um refúgio seguro, onde podia ter
relações legalmente, quase como se fosse um
casamento, com três, quatro ou cinco mulheres, longe da
velha Europa, do resto do mundo, na altura, em algumas
zonas, profundamente racista. No entanto, o mesmo
nosso amigo Iafane era subestimado, a sua acção era
ignorada, fazia parte da história colonial, daquele braço
português de opressão racial e subjugação dos civis
guinéus, especialmente nas áreas rurais, para projectar,
entre outras coisas, o poder do homem e, claro, o medo e,
volto a dizer, a subjugação entre a população feminina,
onde as mulheres, por norma, tinham por obrigação
trabalhar de sol a sol e repartir o seu marido por três,
quatro ou cinco companheiras, tudo isto enquanto
estivessem na idade de dar alguns filhos, porque depois,
eram única e simplesmente colocadas de lado, para
trabalhos menores, como cozinhar, tomar conta dos
animais ou dos filhos das novas esposas do senhor seu
marido.
Companheiros, isto não é dos livros, nós todos, pelos
menos os que andaram pelo interior, pelas aldeias rurais,
vimos, os nossos olhos viram, era uma verdade daquele
tempo, que felizmente deve de estar ultrapassada, oxalá
que sim.
Depois destes anos todos, muita água correu debaixo da
ponte do rio Mansoa, quase tudo é, ou foi, pretexto para
culpar o "militar europeu", que era para lá mandado pelo
então governo de Portugal, alimentar uma guerra, que
hoje sabemos que era injusta, mas onde alguns irmãos
combatentes, soldados africanos, faziam parte, que
ajudavam a criar caminhos para atitudes raciais,
compartilhando preconceitos profundamente desonestos,
pois muitas vezes ofereciam as tais irmãs ou primas, ao
tal “militar europeu”, a preço de pequenos privilégios,
como por exemplo serem candidatos a vestir a farda
camuflada, com uma boina militar na cabeça, pois num
país em guerra e sem qualquer futuro, eles ainda jovens,
viam nessa atitude, uma necessidade para uma
oportunidade, enfim, pensando assim, teriam algum modo
de sobrevivência.
Já estamos a ir longe demais na nossa conversa, mas
também temos a consciência, de que, naquele tempo, se
o “homem africano”, neste caso o nosso amigo Iafane,
tentasse alguma vez convidar a “mulher europeia” para
uma aventura na cama, se essa mulher não gostasse do
convite, seria imediatamente considerado um
“estuprador”, sujeito a levar dois tiros em qualquer parte
do seu corpo, mas se o “Lifebuoy”, cujo nome de guerra
lhe foi colocado porque vendia entre outras coisas,
sabonetes lá no aquartelamento e, às vezes andava de
namoro com uma das filhas do Libanês, que era um
soldado europeu, muito popular no aquartelamento de
Mansoa, convidasse a filha do “homem grande” da
tabanca de Luanda, que tinha sómente treze anos, para a
mesma aventura sexual, e ela não acedesse, fazendo
queixa ao pai, o crime do soldado europeu “Lifebuoy”, era
culpado única e simplesmente de uma aventura sexual,
considerada uma pequena diversão!.
Infelizmente, era o sistema implantado naquele tempo,
que ajudou a fazer a história colonial, que motivou as
populações africanas a pegarem em armas, revoltando-se,
como aconteceu em outras partes do mundo, mas
voltando ao sexo em zona de guerra, alguns de nós, pelo
menos os que estiveram estacionados por algum tempo
no interior, sabemos que as raparigas africanas tinham
algum fascínio pelo homem europeu, porquê, não
sabemos, todavia elas podiam não saber ler ou escrever,
tinham pouco contacto com o exterior mais civilizado, mas
sabiam as “luas”, tinham a sua medicina à base de ervas
e outros ingredientes, algumas afrodisíacas, conheciam o
seu corpo, tinham conhecimentos sobre o sexo, sobre a
procriação, sabiam os segredos do prazer e do amor,
estava-lhes no sangue, tudo isto fazia parte da sua
educação nas aldeias rurais, que lhe eram ministrados
pelas mães, irmãs ou avós, conhecimentos esses que o
resto do mundo talvez nunca chegará a saber, sabiam
quando procurar a companhia do homem, ou quando
deviam fugir dele, estamos em crer até, que quando havia
descendentes, era por mútuo acordo, no entanto, nunca
se pode excluir a ideia de poder haver alguns casos.
Vamos lá ver, na nossa opinião, na tal zona de guerra, se
qualquer de nós nunca matou, maltratou ou forçou a sua
companheira para qualquer acto sexual, se nunca
soube, ou sabe, que existiram indícios de deixar
descendentes, deve continuar a viver o resto dos seus
dias com a sua consciência limpa, pois o acto sexual teve
o acordo e talvez uma atração mútua, portanto o homem
europeu, violou ou abusou da mulher africana, assim
como a mulher africana, violou ou abusou do homem
europeu, embora sabendo que o produto desse acto fica
na posse da mulher, o que traz muitas responsabilidades
para o homem, claro, como dissemos antes, sabendo ele
que o acto produziu descendentes.
Já vamos um pouco longe, mas para finalizar, existe um
ditado não muito antigo, mas por aqui bastante popular
que diz: “what happens in Vegas, stays in Vegas”, que
quer dizer mais ou menos, “o que passa em Las Vegas
fica em Las Vegas” e, no nosso caso, de antigos
combatentes, assenta perfeitamente, ou seja, “o que
passou na zona de guerra em África, ficou em África”.
Há, já me esquecia, falando agora numa linguagem reles,
tipo “Curvas alto e refilão”, o “Estarreja”, que era um
soldado condutor da CCS do Batalhão de Artilharia 645,
os Águias Negras, que sempre esteve estacionado em
Mansoa, fazia o trajecto de Mansoa a Bissau, quase todos
os dias, que também fazia “contrabando de pessoas e bens”
de Mansoa para a capital, sem os superiores saberem,
era “boca cheia”, lá no aquartelamento, que andava a
“comer” a Binta, que também era a sua lavadeira, pois já
os tinham visto a “cavalo um no outro”, nas escadas de
cimento do campo de jogos dos Balantas, dizia-se mesmo
que ela só lavava a roupa dele, o que era uma grande
mentira.
Tony Borie, Julho de 2015
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Nota do editor
Último poste da série de 20 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14774: Filhos do vento (38): O caso do António da Graça Bento que foi a Angola, 40 anos depois, conhecer o seu filho. Reporatgem "on line" e em papel, no jornal Público: texto de Catarina Gomes e imagem e som de Ricardo Rezende
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
É verdade Tony Borié, aquilo a que aqueles guineenses e africanos em geral da ex-colónias portuguesas tiveram que suportar.
Ao contrário dos anglófonos que praticavam o apartheid, não havia esse assédio dos homem branco à bajuda preta.
Mas agora em certos países anglófonos africanos, os ingleses estão a querer impôr, contra as ideias de todos os régulos e homens grandes (e pequenos), as ideias da homosexualidade como sendo coisa boa também para os pretos.
Ai os nomes que Mugabe tem chamado aos camones!
Já era tempo de os brancos deixarem de se querer impôr aquela gente, principalmente em questões de sexo.
Cumprimentos
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