1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 26 de Maio de 2015:
Queridos amigos,
Os percursos tomarenses são infindáveis, é o preço de uma cidade que acolheu a Ordem do Templo e depois a Ordem de Cristo, que dispõe de monumentos ímpares e se espraia do castelo até ao casco histórico, atravessa-se o Nabão e tem-se a cidade moderna, ciranda-se por deslumbramentos como o Aqueduto de Pegões e a nascente do Agroal. O Mouchão reserva sempre surpresas. E há o ver e rever, caso das pinturas de Gregório Lopes, da Sinagoga que é uma preciosidade da arte pré-renascença portuguesa e até mesmo os monumentos da estrada de S. Lourenço ou do Paredão que passam despercebidos ao automobilista. Por isso vamos continuar, gota a gota. Tomar entranha-se no nosso coração.
Um abraço do
Mário
Tomar à la minuta (5)
Beja Santos
Para ser franco, o Palácio da Justiça, edificação tida como peça arquitetónica de vulto, tem uma carcaça igual a tantas outras, não desfazendo da bonita galeria de colunas virada para o Rossio. O interior é que galvaniza, com os painéis de azulejo de Jorge Barradas, cortam na severidade do imenso pátio, veja-se este pormenor.
Estas três imagens valem por três mil palavras, quem vê caras não vê corações, quem ciranda em torno do palácio nem lhe passa pela cabeça que existe este pátio, que sobre a galilé em suspensão há uma sala de audiências circular com esta bonita fonte. Como as viagens nunca terminam, em breve hei de voltar. No seu livro sobre Tomar, José Augusto França refere que há um fresco de Guilherme Camarinha que decora a sala de audiências, que se vê numa das imagens, nele se conta o conflito havido na própria Várzea entre o povo de Tomar e a Ordem de Cristo.
Por associação de ideias, o Jorge Barradas reapareceu-me há dias quando fui ver a exposição das Varinas de Lisboa no Palácio Pimenta, no final do Campo Grande, Barradas foi um artista modernista multifacetado e nada me impede de o considerar um dos grandes ceramistas do modernismo português, grande gráfico, ilustrador, desenhador, aguarelista, e muito mais. No átrio do Palácio Pimenta estão estas duas belas peças, podem ser alegorias da Primavera e do Verão, podem ser tudo o que a gente imagina, mas é de ficar de boca aberta, o vigilante do museu estava encantado com esta atenção, observou-me que os visitantes o que querem é entrar, o que por ali se espalha e exibe é manifestamente acessório. Pois desforrei-me, por cumplicidade com o Barradas que ninguém venera só para entrar no interior do museu, captei também azulejos muito bem mantidos e até uma escadaria onde pontifica o senhor D. Sebastião José de Carvalho e Melo, vulgo o Marquês de Pombal.
Pronto, já voltei a Tomar, atravessei a Ponte Velha e quedei-me nesta restinga onde se domiciliam os patos, gosto do contraste da aridez e daquelas raízes que resistem, da árvore que abateram, e do verde que ali se confina, num casamento com aquelas águas translúcidas.
Temos finalmente uma imagem do Nabão, estamos na Ponte Velha e lá vai ele a deslizar para o Zêzere, e depois esta massa de água desagua no Tejo. Marcou a indústria e hoje prossegue solitário entre essas ruínas, algumas delas bem reabilitadas e o casario, nas duas margens.
Temos aqui o Convento de Santa Iria, é uma alvenaria admirável, a beijar o Rio Nabão, desculpem-me o meu orgulho, tive a minha hora de sorte em poder apanhar o reflexo do casario nas águas tranquilas. Mas quem vê esta face não se iluda, há muitas obras para pôr este monumento a preceito, vejam agora o lado oposto, expectante e disfarçado com fotografias.
A capela de Santa Iria é mesmo ao lado, havemos de cá voltar com mais tempo, tem azulejos muito requintados e a imaginária é rica, o portal fala por si com este alegante arco de volta perfeita encimado pelo alfiz, é atraente pelas proporções e pela delicadeza do singelo trabalho na pedra.
Estamos agora na Praça da República, de costas voltadas para a fachada da igreja de S. João Batista. É preciso haver ventania ou chuva grossa para eu não me deter sempre que por aqui passo. A razão principal é porque me lembra um cenário cinematográfico, a praça é retangular, o empedrado dá-nos a ilusão de que o edifício da câmara vai a seguir, parece que disputa terreno à mata envolvente do castelo, não é nada disso, é uma praça harmoniosa e horizontal, às vezes a seguir ao jantar, acocoro-me à porta da igreja para desfrutar o jogo de luzes e captar a majestade das muralhas do castelo, de que nesta imagem nem há lembrança, mas ocasiões não faltarão para tirar novas imagens, o mais próximas possíveis desta deslumbrante realidade.
A Praça da República chamava-se na monarquia Praça D. Manoel, foi centro e nervo da vida medieval tomarense. Agora toca de subir ao castelo, reservo com carinho ao leitor estas imagens que penso serem espetaculares, o que me interessa é o génio templário, os guerreiros de Nosso Senhor sabiam da poda, muralharam a fortificação com vontade de a tornar inexpugnável, atravessem-se as gentes de Mafoma e seriam provavelmente cilindrados no reduto da barbacã, fortificação esplendorosa, bem mereceu que ali mesmo se encravasse a rotunda para, em plena humildade, os cavaleiros virtuosos pedissem a Deus coragem para a cruzada a Jerusalém, é preciso percorrer esta fortificação e entrar no convento para entender e sentir o sopro da religiosidade medieval e como esta charola deu a volta à cabeça a D. Manuel I, o Venturoso, que esbanjou fortunas até chegarmos a este caso ímpar de património mundial da humanidade. Feita a exaltação, entremos no convento.
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 17 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14758: Os nossos seres, saberes e lazeres (101): Tomar à la minuta (4) (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
Incansável, este homem!... Grande cicerone!... Não deixas, esquecido ou abandonado, um recanto de Tomar!...Que grande roteiro, para uma visita de fim de semana... Obrigado,
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