terça-feira, 30 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25793: Blogoterapia (314): Conversas improváveis sobre a guerra (Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil Op Especiais)


Guiné > Região de Bafatá > Bambadinca > Destacamento do Mato Cão > 1973 > O Alf Mil Op Especiais, Joaquim Mexia Alves, posando com um babuíno (macaco-cão) mais o Braima Candé (em primeiro plano), tendo na segunda fila, de pé, o seu impedido, o Mamadu, ladeado pelo Manga Turé.
Foto (e legenda): © Joaquim Mexia Alves (2006). Todos os direitos reservados.



CONVERSAS IMPROVÁVEIS SOBRE A GUERRA

Tens saudades da guerra???
Não, claro que não!

Então?
Não, não tenho saudades da guerra, mas de quando em vez instala-se uma espécie de nostalgia, uma qualquer coisa inexplicável, que me leva até àquele tempo, àqueles lugares, sobretudo àqueles que comigo estavam e sentiam a mesma tensão, o mesmo perigo e, por vezes até, o mesmo alheamento.

Mas o que significa isso?
Não sei, não consigo explicar. É como se por momentos ali quisesse estar outra vez, não debaixo de fogo, claro, mas vivendo aquele constante sentimento de insegurança que nos tornava mais perto uns dos outros.

Então não são realmente saudades da guerra?
Não claro que não! Como poderia ter saudades de algo que é destrutivo, que mata, que nos torna por vezes quase indiferentes.

É estranho isso.
Sim, eu sei que é estranho, que é inexplicável, mas a verdade é que o sinto por vezes, e isso torna-me nostálgico, uma tristeza quase calorosa, que me transporta para aquele calor, aqueles cheiros, aquela terra vermelha, aquele pulsar de vida que se via na natureza, constantemente.

São então recordações boas?
Não direi que são boas recordações, embora algumas delas o sejam, mas um misto de verdade, de realidade, de sentimento onde não há fingimento.

Não há fingimento?
Sim, pelo menos eu nunca me coibi de chorar quando sentia vontade de chorar, nem de rir quando tinha vontade de rir. Era apenas eu, talvez um pouco imberbe a ser curtido pela vida, mas a descobrir em cada momento um novo alento, um novo querer viver, um novo respirar.

E de tudo isso o que mais te impressionava?
Sei lá eu bem! Ver gente diferente de mim, mas que eu sentia e vivia como meus irmãos de armas. Costumes diferentes, falas diferentes, sentires diferentes, mas que se extinguiam quando chegava o momento de todos sermos um. Sentir que podia contar com eles e que eles podiam contar comigo.

E a guerra? O mato, os tiros, os ataques?
Graças a Deus foram relativamente poucos. No início vivia-os como momentos de incredulidade, ou seja, pensava como era possível alguém querer matar-me ou eu poder matar alguém. Depois eu, que sou um nervoso constante, ficava numa calma que não sei explicar e fazia o que tinha a fazer. Finalmente vinha o alívio quando tudo acabava.

Então é disso que tens saudades?
Não, nem pensar! Tenho saudades, se assim lhes posso chamar, do depois e dos momentos em que nos juntávamos para conversar, para dizer coisas, por vezes sem sentido, para nos rirmos, para criticarmos, enfim, para nos unirmos em torno da situação que vivíamos.

Voltavas para a guerra?
Com a minha idade, com certeza que não sou preciso. De qualquer modo, se o país mo pedisse, não teria dúvidas em fazê-lo. Mas, melhor do que isso, haveria de lutar primeiro para que nunca se chegasse a uma situação de guerra, porque a guerra nunca resolve nada. Apenas faz vítimas e alimenta ódios.

Estás em paz?
Sim, em relação à guerra estou em paz, embora de vez em quando os “fantasmas” desse passado me visitem e incomodem, mas acabo sempre por encontrar o bem maior que é a fé cristã que me alimenta e faz viver no dia a dia.

Marinha Grande, 30 de Julho de 2024
Joaquim Mexia Alves

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Nota do editor

Último post da série de 23 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25103: Blogoterapia (313): Irmãos de armas (Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil Op Especiais)

4 comentários:

Victor Costa disse...

Parabéns ao autor,
Aqui está uma mensagem  simples, mas pertinente, para refletirmos sobre os  valores que defendiamos então, para podermos comparar com os valores  da nossa sociedade atual. Parece que estou a regressar ao PREC. A liberdade que conquistámos está a transformar-se em Anarquia, onde cada um pensa que pode fazer tudo o que quer e sem regras. Claro que o meu comentário  poderá ser considerado reacionário e ser criticado pela Esquerda Caviar, mas nada que me preocupe, porque já estou habituado a ser criticado pelos "democratas" e "herois", que nasceram com o 25 de Abril de 1974.
Um abraço,
Victor Costa

António Graça de Abreu disse...

Saudades da Guiné, não tenho. Depois veio mais mundo e nunca mais parei. Restos de uma certa nostalgia pelos dois anos,1972/74, vividos em Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar. Nostalgia será a palavra certa. Aberta,desenvolvida dava para mais um livro. Mas hoje quem lê? Obrigado, Joaquim Mexia Alves pelo teu exaltante texto.

Abraço,

António Graça de Abreu

Valdemar Silva disse...

Com certeza que estas CONVERSAS IMPROVÁVEIS SOBRE A GUERRA, de Mexia Alves, são em momentos, talvez, de uma recordação na visita a blogs da guerra na Guiné.
Mexia Alves escreve muito bem, e assim conversaria sobre os tempos passados na guerra na Guiné que nos ficou na memória
E como muito bem escreve:
"Mas, melhor do que isso, haveria de lutar primeiro para que nunca se chegasse a uma situação de guerra, porque a guerra nunca resolve nada. Apenas faz vítimas e alimenta ódios"

Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Pôs está na altura de ouvir ou voltar a ouvir o "Fado da Guiné", na voz do nosso Joaquim...

Fado da Guiné > Vídeo: 2 m e 19 s > Alojado no You Tube > Nhabijoes > Letra do Joaquim Mexias Alves. Música: Pedro Rodrigues (Fado Primavera) (com a devida vénia).


É só clicar aqui:


15 de outubro de 2007> Guiné 63/74 - P2179: Fado da Guiné (letra original de Joaquim Mexia Alves)