quarta-feira, 5 de julho de 2023

Guiné 61/74 - P24452: Historiografia da presença portuguesa em África (375): O General Craveiro Lopes na Guiné, maio de 1955 (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Dezembro de 2022:

Queridos amigos,
Craveiro Lopes foi o primeiro Presidente da República a visitar a Guiné, percorrerá nesse ano e no ano seguinte as parcelas africanas do nosso Império. Estamos no ano em que António Júlio Castro Fernandes, antigo ministro da Economia, administrador do BNU e figura grada do regime produzirá um documento que é uma radiografia do Estado da Guiné, advertindo nas entrelinhas os riscos e ameaças que andam no ar, e que ganharão corpo 3 anos depois, com a independência da Guiné-Conacri. Se me decidi a fazer o relatório desta viagem é porque ele permite ver com nitidez a obra do Comandante Sarmento Rodrigues, a Guiné ainda é um fim do mundo mas ganhou corpo administrativo, assomou uma componente cultural. O jornalista que acompanhou a viagem do General Craveiro Lopes dirá que naquele Porto de Honra oferecido pelas atividades económicas, a mesa primava por cristais e pratas e cravos vermelhos. Enquanto isto é dito, Castro Fernandes no seu documento deixa escrito preto no branco que toda aquela classe de gentes dos negócios primava pela mediocridade, havia que gerar um impulso regenerativo, antes que fosse tarde.

Um abraço do
Mário


O General Craveiro Lopes na Guiné, maio de 1955 (1)

Mário Beja Santos

Salazar não viajava, mas pôs os seus presidentes da República a visitar parcelas do império. Eleito em 1951, o general, a sua mulher, o ministro do Ultramar e a sua mulher, partem do aeroporto da Portela em 2 de maio de 1955, pelas 7h30 e aterram em Bissalanca pelas 15h locais. É governador da Guiné Diogo de Melo e Alvim. O jornalista de serviço tece laudas à comitiva e ao séquito político que se vai despedir do Presidente da República para esta viagem que não será curta. Fizeram-se obras em Bissalanca para haver uma pista capaz de receber uma aeronave daquele tamanho. Seja como for, quando começar a guerra, a Força Aérea Portuguesa irá investir mundos e fundos para tornar aquele aeroporto digno desse nome.

De Bissalanca até à Sé foi o carro presidencial escoltado por 40 cavaleiros Fulas e Mandingas. Haverá uma cerimónia no Alto do Crim, o presidente da edilidade entrega-lhe a chave da cidade, entre muitas ovações. A comitiva chega à Sé, são todos recebidos pelo Prefeito-Apostólico, D. Martinho da Silva Carvalhosa, haverá Te Deum. Segue-se uma sessão de boas-vindas nos Paços dos Concelho, que culmina com o discurso do Governador Melo e Alvim. Terminada a cerimónia, o Chefe de Estado segue para o Palácio acompanhado por uma multidão. Ali há um jantar oficial e depois vão para a varanda ver estralejar foguetes, vão aparecendo pela Praça do Império cavaleiros, gente curiosa.

Estamos já a 3 de maio, Craveiro Lopes vai prestar homenagem a Nuno Tristão, uma escultura de bronze da autoria de António Duarte, vai descerrar uma placa de bronze, é a primeira de uma longa série, discursa, fala da História da Guiné, da sua descoberta, muitas palmas. E daqui segue para a fortaleza de S. José de Bissau, no tempo do Governador Sarmento Rodrigues houve aqui muitas obras, reconstruiu-se o baluarte de Puana, repararam-se as muralhas e os parapeitos. Faz uma visita ciceronada pelo Comandante-Militar, Coronel Neves e Castro. Descerra-se nova lápide comemorativa. Na parada, ergue-se o monumento aos Heróis da Ocupação, realizado sobre projeto do topógrafo Raúl Lomelino. E a ilustre comitiva parte para nova inauguração, a nova Escola Paroquial das Missões Católicas D. Berta Craveiro Lopes, esta descerra uma placa de mármore e procede-se a uma visita às quatro salas de aula da escola, prontas para acolherem 400 alunos.

No cumprimento das suas obrigações, Craveiro Lopes regressa ao Palácio para receber o Governador da Gâmbia. O jornalista aproveita para dizer que o Alto-Comissário da África Ocidental Francesa fora recebido na véspera, no aeroporto, tal como o enviado especial do Presidente da República do Líbano (a colónia libanesa tem peso económico e financeiro na Guiné). Ao princípio da tarde realiza-se a visita ao Hospital Central de Bissau, a comitiva oficial é recebida pelo Diretor, Dr. Rui Roncon. É aqui que o jornalista não se contém nos epitalâmios e no endeusamento presidencial: “A alegria de ver o Presidente morfiniza a tortura dos achaques”.

À noite, nos jardins do Palácio, Melo e Alvim ofereceu um “Pôr-do-Sol”, que reuniu “a melhor sociedade da província” e a totalidade das individualidades nacionais e estrangeiras presentes da capital.
“Deram a nota elegante da festa as senhoras da sociedade local, que capricharam em apresentar-se com modelos do melhor corte, alguns diretamente recebidos dos costureiros parisienses.”

Estamos chegados a 4 de maio, Craveiro Lopes vai inaugurar a estátua de Teixeira Pinto, no Alto do Crim, obra do escultor Euclides Vaz, que representou o pacificador da Guiné fardado, segurando a pistola na mão direita caída ao longo do corpo. Há discurso do Comandante Militar e Craveiro Lopes descerra lápide. E partem todos para o Bloco Industrial da Sociedade Comercial Ultramarina, Craveiro Lopes é recebido pelo principal dirigente da empresa, António Júlio de Castro Fernandes, antigo ministro, figura política grada do regime, Administrador do BNU (nesse ano, produzirá um documento de indiscutível importância cujas páginas essenciais estão transcritas no meu livro "Os Cronistas Desconhecidos do Canal de Geba: O BNU da Guiné"). Segue-se visita à fábrica de descasque de arroz, outra de óleos vegetais, segue a itinerância pela central elétrica privativa e por uma fábrica de sabões. Não há detença, daqui ruma-se para a Escola Primária Dr. Oliveira Salazar. Mais uma lápide descerrada. A seguir, teve lugar a inauguração do Lar Santa Isabel, destinado aos sem lar.

Estamos já na parte da tarde, realiza-se uma sessão cultural no Centro de Estudos da Guiné Portuguesa. O Comandante Teixeira da Mota irá proferir uma conferência de dezenas de páginas, elenca a obra feita por esta entidade, refere os trabalhos de Fausto Duarte e Alexandre Barbosa, entre outros. Não deixa de relevar a colaboração da Missão Geoidrográfica da Guiné. No final, foi oferecia a Craveiro Lopes uma medalha artística de bronze da autoria de Anjos Teixeira, mandada fazer exclusivamente para comemorar esta visita. O Presidente visita o “incipiente” Museu da Guiné. Continua a não fazer pausas, as atividades económicas da Guiné oferecem ao Presidente e comitiva um Porto de Honra e o jornalista refere a atmosfera aprimorada da mesa, “semeada de cristais, pratas e cravos vermelhos”.

Já estamos a 5 de maio, Craveiro Lopes começa o dia visitando o “Dispensário do Mal de Hansen”. Está à sua espera o Dr. Rui Roncon e o médico leprólogo Mário Veiga. Será um dia muito movimentado, como iremos ver.

General Craveiro Lopes e a Sr.ª D. Berta, 1952
Os dois volumes respeitantes à viagem de Craveiro Lopes à Guiné e Cabo Verde, Agência Geral do Ultramar, 1956
Ponte Craveiro Lopes sobre o Corubal
(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 28 DE JUNHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24436: Historiografia da presença portuguesa em África (374): Antes da literatura da guerra da Guiné, o quê? (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Manuel Luís Lomba disse...

O PR general Craveiro Lopes foi à Guiné inaugurar o aeroporto de Bissalanca (a pista anterior situava-se em Brá), a fábrica de descasque de arroz que inaugurou situava-se em Cufar, onde também inaugurou a pista de aviação - a segunda maior da Guiné.

A nossa CCav 703 passou as penas do inferno em Cufar 6 dias em Dezembro de 1965, quase 70 dias de Janeiro a Março de 1965 e 10 dias em Maio desse ano, culminados com o assalto a base do IN de Cufar Nalu.

Evoco outros camaradas de outras subunidades, nomeadamente o Santos Oliveira, o Mário Fitas e o comando João Parreira.

Na altura dessa visita presidencial, Amílcar Cabral ainda percorria a Guiné numa roullote, na sua azáfama de criar granjas, fazer o recenseamento agrícola, colher descontentamentos e aliciar régulos, chefes de tabanca e opopulares.

Abrç