quarta-feira, 5 de julho de 2023

Guiné 61/74 - P24453: De volta às montanhas de Liquiçá, Timor Leste, por mor da Escola de São Francisco de Assis, em Boebau (4.ª estadia, 2023): crónicas de Rui Chamusco / ASTIL (excertos). Parte II: 23, 26 e 31 de março de 2023


Foto nº 1


Foto nº 2

Timor Leste > Fevereiro de 2018 >  Escola São Francisco de Assis (ESFA), em Boebau, Manati, Liquiçá, inaugurada em 19 de março de 2018. E os difíceis acessos a Boebau (na foto nº 2
, o Rui Chamusco teve de se apear da moto, ei-lo em segundo plano, à frente da moto e do condutor).  Sáo cerca de 50 km, de Dili até Boebau, na montanha, que podem demorar 4 a 5 horas, na época da monção.

Fotos  da página do Facebook da ASTIL - Associação dos Amigos Solidários com Timor Leste (com a devdia vénia...)


Timor Leste > 20 de março de 2023 > Alunos e pessoal da Escola São Francisco de Assis (ESFA), em Boebau, Manati, Liquiçá. Envergam as camisolas recém-chegadas de Portugal.

Foto de Rui Chamusco, publicada em "Jornal Tornado - Jornal Global para a Lusofonia" > Uma escola luso-timorense esquecida nas montanhas de Timor-Leste, por J.T. Matebian, em Timor-Leste,  21 de março de 2023 (Com a devida vénia...)


Lourinhã > Praia da Areia Branca >  2 de dezembro de 2017 >  O
 Rui Chamusco e o Gaspar Sobral. 

Foto (e legenda): © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
 

1. O nosso amigo  Rui Chamusco (que ainda não é membro da  Tabanca Grande),  professor de educação musical reformado, do Agrupamento de Escolas de Ribamar, Lourinhã, natural de Malcata, concelho de Sabugal, é cofundador e líder da ASTIL - Associação dos Amigos Solidários com Timor Leste. 

A ASTIL conseguiu concretizar um dos seus  projetos, a construção da Escola São Francisco de Assis (ESFA), em Boebau, Manati, Liquiçá, Timor Leste ou Timor Loro Sa'e, a terra do sol nascente.

Este projeto nasceu de um conversa entre dois amigos, em 2015: Gaspar Sobral (timorense residente em Portugal, topógrafo, retornado de Angola, em 1975) e o Rui Chamusco. O Gaspar "manifestou-me o seu grande desejo de construir uma escola na terra dos seus ascendentes em Boebau, pois na visita que lhes fizera em 2000 verificara que havia muitas crianças sem escolaridade. De imediato, eu como professor aposentado e livre de obrigações, anui ao seu desejo, respondendo prontamente: 'conta comigo'  "(...)

Em fevereiro de 2016, o Rui e o Gaspar foram  a Timor Leste visitar a localidade de Boebau (município de Liquiçá) e avaliar as necessidades no terreno: 

"O Chefe de Suco informou-nos, através dos cadernos de registo, do número de crianças que aí viviam. Mais ou menos 400, das quais só 111 iam às escolas mais próximas. Por consulta presencial, o povo pediu que fosse construída uma escola. E assim fizemos."

A construção Escola São Francisco de Assis – Paz e Bem foi inteiramente financiada por fundos recolhos pela ASTIL (*). A organização e o funcionamento da ESFA continuam a ser assegurados pela ASTIL. 

Foi inaugurada em 19 de março de 2018 " com a presença de gente muito importante (Embaixador de Portugal, representante do Núncio Apostólico, Director da Escola Portuguesa de Díli, coordenador da Caixa Geral de Depósitos, Directora da Fundação Oriente, Director da Educação do Município de Liquiçá, Diretor da Polícia Municipal), e muitos amigos e povo de Boebau e Manati."... 

Mas ainda não tem um professor, português ou timorense,  destacado pelo ministério da educação:

(...) "Este ano frequentam a ESFA 88 crianças no ensino pré-escolar e primário. Com muito esforço a ASTIL de Portugal e a ASTILMB (Manati/Boebau) têm conseguido manter a escola em funcionamento, graças ao voluntariado de amigos portugueses e timorenses. 

As crianças que a frequentam são todas oriundas de famílias pobres, e por isso tudo é gratuito excepto o pagamento de ordenados aos professores. 

Ainda não temos professores portugueses ou timorenses destacados pelos ministérios de educação. Muitas promessas, muitos aplausos, mas nada de concreto que nos ajude a encontrar uma solução. Este é o nosso grande problema, que urge resolver. Disto depende a sustentabilidade da ESFA. Pedimos encarecidamente que nos ajudem. SOS! " (...)

(Declarações de Rui Chamusco ao"Jornal Tornado - Jornal Global para a Lusofonia" > Uma escola luso-timorense esquecida nas montanhas de Timor-Leste, por J.T. Matebian, em Timor-Leste 21 Março, 2023) (Com a devida vénia...)

Rui Chamusco, presidente da direção da ASTIL, voltou, depois da pandemia, a Timor Leste, agora pela 4ª vez, no passado dia 4 de março, para poder participar das cerimónias do 5.º aniversário da inauguração da escola e resolver problemas pandentes.

Do diário do Rui Chamusco, selecionámos, com a sua devida autorização, alguns excertos que nos falam não só deste projeto, tão acarinhado pela ASTIL (e a sua congénere timorense, a ASTILMB), como do quotidiano de Timor "Loro Sa'e", o país lusófono que fica mais longe de todos nós, fisicamente falando, mas não seguramente ao nível do carinho, da solidariedade e da amizade dos portugueses.


De volta às montanhas de Liquiçá, Timor Leste, por mor da Escola de São Francisco de Assis, em Boebau (4ª estadia, 2023): crónicas de Rui Chamusco / ASTIL (excertos) 

Parte II - 23, 26 e 31 de março de 2023


23.03.203, quinta feira - As receitas do Dr Eustáquio.

Já não é a primeira vez que escrevo sobre os conhecimentos que o Eustáquio (irmão

do Gaspar Sobral) revela nas mais diferentes áreas. A universidade da vida conferiu-lhe o grau de doutor, com toda a justiça. Sei que a casca do ailok, tomada em forma de chá, acalma as dores de barriga; sei que o chá de erva tira as dores de cabeça; sei que o chá feito da casca de ailok tira as dores de estômago. E eu sei lá quanta coisa mais jé aprendi com este doutor “Desenrasca”.

Desta vez, como o meu pé direito tem chamado a atenção devido às dores e ao inchaço que apresenta, o Eustáquio tentou logo aliviar-me deste fardo, e contou-me a seguinte história passada com ele.

Depois de 3 anos a viver nas montanhas devido a invasão dos indonésios, ele e a irmã Bene começaram a apresentar alguns sinais físicos preocupantes, talvez causados por carência alimentar, e que se traduzia em inchaço das pernas no seu caso, e inchaço de todo o corpo na irmã Bene. 

Da irmã tratou a mãe, conhecedora de muitos segredos da natureza, e que com plantas selecionadas tratou de aplicar inalações e plasmas de folhas, com resultados milagrosos. Quanto a ele, contou-me, em sonho lhe apareceu um velhinha que lhe disse: “vai encontrar as folhas de 'farinha borracha', 'hahy oan metan', 'trompeta'. Aquece-as no fogo e aplica-as nas pernas e pés inchados”. E assim fez. Com poucas aplicações os inchaços tinham desaparecido.

Como nestas coisas não tenho nada a perder, talvez até a ganhar, aceitei que fizesse o mesmo comigo. Depois de procurar as folhas das plantas referidas, fez a aplicação. Então não é que as dores e o inchaço estão quase desaparecidos!?

E esta, hein!...


26.03.2023, domingo  - Alif, meu amigo

Alif (Ali+f= Ali,  da parte do pai Alino, e f,  da parte da mãe Fátima) é o nome pelo qual, familiarmente, chamamos o Hermenegildo. Uma criança franzina que fraquentou a Escola São Francisco de Assis, em Boebau, e que agora está em Ailok Laran na casa da família Eustáquio (Painino). 

À Aurora (mulhar do Eustáquio) chama mãe, e a mim abô Rui. De manhã está em casa, e de tarde frequenta a escola pública São Mateus, aqui bem perto de nós. É quase sempre ele o mensageiro que me vem chamar para as refeições. Com dificuldade, vai aprendendo algumas palavras em português mas, como todas as crianças, deseja saber e falar muitas mais.

Hoje quando me veio chamar, fiquei estupefato com o seu português. “Abô Rui arroz come”. Para bom entendedor meia palavra basta. Qual gramática, qual quê?!

E eu a pensar, a língua portuguesa é a segunda língua oficial de Timor Leste. Mas quando é que estas crianças pobres terão acesso à sua aprendizagem? Escola Portuguesa de Dili, escolas Cafe nos diversos distritos (12). Tudo bem. E as outras ciranças que não têm o privilégio ou a sorte de as frequentar? Quantos Alif(s) não existem neste país?!


29.03.2023, quarta feira - Sem rede, sem comunicações

Acontece em todo o lado, mas aqui com alguma frequência. A internet deixa de funcionar, e então é uma desgraça. Parece que tudo pára, que o marasmo se instala e não se sabe o que fazer. Trabalhos online interrompidos, ligações impossíveis de fazer, músicas que se deixam de ouvir, e mais... e mais... As contingências do noso tempo, das novas tecnologias. 

Resta-nos ao menos podemos escrever e guardar o que escrevemos, o que já é muito bom. É a velha história do copo meio cheio de água. E, se a situação nos afeta individualmente, o que dizer das empresas que negoceiam online, das editoras de jornais, das escolas e universidades que dependem da informática? (...)


 (...) 
31.03.2023, sexta feira  - Contrariedades

O dia de hoje estava destinado para irmos à direção escolar de Liquiçá, e de lá seguirmos para Boebau, ao encontro solicitado pela ESFA. Azar doa azares! De Boebau informam-nos que tem chovido muito e que hoje o céu também está muito carregado. Sabendo do mau estado dos caminhos provocado pelas enchurradas, o Eustáquio achou por bem adiar a viagem. Iremos logo que houver condições. E vamos lá nós então desfazer o saco, à espera de melhores dias.

Sendo assim, vamos só até Liquiçá para serem assinados os papéis solicitados pela direção escolar, e conversarmos com o Dr. Carlos Lopes sobre a assistência à nossa escola.

31.03.2023, sexta feira  - E, de repente...

E, de repente, tudo muda. É assim a vida! O Eustáquio aparece de novo e ordena: “Tiu, prepara tudo para irmos a Boebau”. E lá fomos nós.

Em Liquiçá, houve uma paragem demorada para irmos à direção escolar entregar documentação; para ir a casa da prodessora Teresa carregar uma caixa de material escolar; para comprar três colchões destinados à casa dos professores; e para almoçar.

A seguir vem o caminho do calvário, com precalços e mais precalços, saltos e abanões que nos escangalham o corpo e afligem o olhar. Não fossem as belas paisagens e as gentes destas bandas que se desfazem em sorrisos abertos e nos cumprimentam à nossa passagem e tudo seria ainda mais difícil.

Mas pronto, depois de algumas horas para fazermos alguns quilómetros, eis-nos chegados sãos e salvos. Feitos os cumprimentos habituais e as arrumações, a Adobe preparou um bom petisco para a ceia, e toca a reunir e trabalhar. Foram tratados assuntos pendentes da ESFA e, devido ao cansaço, fomos descansar. Coube à comitiva (eu, o Eustáquio e a Adobe) estrear os colhões que, mesmo no chão, assentaram que nem uma luva. Uma noite plena de sons da natureza, de alguns receios, e de “pára-arranca” no sono. Amanhã há mais...

(Seleção / revisão e fixação de texto / negritos: LG)
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