quarta-feira, 18 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20745: Ser solidário (229): Projecto Kassumai e homenagem ao cap Luís Rei Vilar (1941-1970), em Susana, 50 anos depois da sua morte (Duarte, Manuel e Miguel Rei Vilar)






Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Susana > 18 de fevereiro de 2020 > Os irmãos  Rei Vilar, com a população local, em dia de homenagem ao  cap cav Luís Rei Vilar (1941-1970), ex-comandante da CCAV 2538 (Susana, 1969/71), morto em combate em 18/2/1970, no decurso da Op Selva Viva-

Fotos (e legenda): © Duarte Vilar (2020). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Mensagem que nos chega, do Duarte Vilar, amigo e condiscípulo do nosso editor Luís Graça, irmão do saudoso cap cav Luís Rei Vilar (


Data: 17 mar 2020 11h45

Assunto: Viagem a Suzana, fevereiro de 2020

Meu caro Luís

A teu pedido e com muito prazer envio texto e algumas fotos para o blogue.

A nossa viagem foi muito boa e a tempo de nos safarmos dos últimos e nefastos acontecimentos na Guiné-Bissau. Eu saí a 26 e os meus irmão a 28 de Fevereiro.

Um abraço grande e com muita amizade

Duarte Vilar



2. FAZER A MEMÓRIA ÚTIL  > Homenagem ao nosso irmão, Capitão Luis Filipe Rei Vilar 


por Duarte, Manuel e Miguel Rei Vilar

Há cerca de 3 anos e meio, um de nós recebeu um email. Um email de um enfermeiro que andava em terras felupes – em Suzana na Guiné Bissau - fazendo um estudo sobre questões de saúde.

Não nos conhecia nem nunca tinha ouvido falar de nós ou do nosso irmão Luís. Mas ao entrevistar os “homens grandes” de Suzana ouviu várias referências sobre um tal “capitão Vilar” de quem os felupes falavam, com uma boa recordação.

O enfermeiro Luís Costa teve curiosidade em conhecer o personagem referido, ”googlou” e através deste blogue,  “Luís Graça & Camaradas da Guiné”, chegou até nós, dizendo que tínhamos um património em comum com os felupes de Suzana: as memórias boas de um homem bom – o capitão Vilar – caído no contexto de uma operação militar perto de Suzana.

De facto, já conhecíamos os felupes há 47 anos porque o nosso irmão Luís nos tinha falado deles com entusiasmo, quando passou uns dias de férias antes de partir de vez.

Falou da sua famosa saudação kassumai e da resposta kassumai keb. Falou das tradições guerreiras dos felupes e da luta felupe. Trouxe consigo para nossa casa e para a nossa mesa um felupe – António Blata – um dos guias da companhia de cavalaria que comandava. Mostrou-nos as fotos de Suzana e dos felupes de Suzana que, quando o nosso irmão morreu, mesmo sem os conhecer, ficaram, para sempre, nas nossas memórias.

Por isso, depois do email, em Janeiro de 2017 fizemos as malas e fomos, os 3 irmãos, visitar os felupes de Suzana e as memórias que guardavam do capitão Vilar.

À chegada, fomos recebidos pelas crianças e pelos professores das escolas de Suzana. Abraçámos os filhos do Blata e reunimos com os homens grandes. E ouvimos então muitas histórias da boca dos felupes confirmando que, para além das preocupações militares, o nosso irmão se preocupava genuinamente com a vida dos felupes de Suzana. Soubemos que as crianças eram todos os dias recolhidas e levadas de volta às tabancas para ir à escola, que comiam sopa no aquartelamento e, por isso, eram chamados de “sopitos”.

Vimos também que a escola que tinha sido construída durante o tempo de comando do nosso irmão, apesar de estar em mau estado, continuava a funcionar como jardim de infância.

Decidimos então iniciar um projeto de apadrinhamento das crianças de Suzana, até porque os felupes de Suzana não se fizeram rogados e nos pediram apoio porque, como todos sabemos, não faltam problemas nem necessidades na Guiné Bissau. E assim nasceu o Projeto Kassumai, uma associação que reúne amigos e familiares nossos que contribuem mensalmente para a escolinha de Suzana.

Desde essa altura foram realizados, com o apoio do Projeto Kassumai, diversos melhoramentos. Mudou-se o telhado e o chão. Construíram-se sanitários e fossa séptica respetiva, pintou-se a escola, colocaram-se portas novas, fez-se uma vedação e telheiros, compraram-se carteiras e algum material escolar. Iremos apoiar agora, juntamente com a comunidade, o pagamento das educadoras da escola.

Em 18 de Fevereiro de 2020 passaram-se exatamente 50 anos sobre a morte do nosso irmão Luís nas areias do Cassuh e, nesse contexto, 12 padrinhos e madrinhas do Projeto Kassumai fomos a Suzana.

Fomos de novo recebidos com danças e cantares. Reencontrámo-nos com os “homens grandes “e as “mulheres grandes “de Suzana e novas ideias surgiram dando continuidade ao trabalho iniciado há 3 anos. E, em reconhecimento á memória do nosso irmão, as autoridades decidiram dar o seu nome à escola renovada – Escola Capitão Luis Filipe Rei Vilar.

Foi uma cerimónia emotiva e, antes de descerrar a placa com o novo nome da escola, as crianças felupes de Suzana cantaram uma canção de homenagem aos combatentes caídos na guerra de libertação, recordando assim os dois lados na guerra.

Da  esquerda para a direita, Manuel, Miguel
 e Duarte Rei Vilar

Tudo acontece por acaso, ou nada acontece por acaso.

O Luís Graça recordou uma vez que, para além das leituras históricas e políticas da guerra colonial, existem as inúmeras histórias pessoais de quem combateu, de quem esteve lá, de quem não esteve lá, de quem viu gente morrer de perto, e de quem perdeu familiares seus.

Esta história faz parte do segundo tipo de leituras.

O certo é que os felupes de Suzana, e a família Rei Vilar partilham mesmo a memória do nosso irmão Luís, Capitão Vilar para os felupes de Suzana.

E desta partilha nasceu um pequeno exemplo de como, a memória de alguém que partiu há 50 anos, pode ser transformada utilmente em amizade e solidariedade entre os povos.

18 de Fevereiro de 2020

Duarte Rei Vilar
Manuel Rei Vilar
Miguel Rei Vilar
_____________

Nota do editor:

Último poste da série > 10 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20719: Ser solidário (228): Consignação de 0,5% do IRS à Associação "Afectos com Letras"...levando mais esperança e educação às meninas guineenses

4 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Duarte, estas crianças felupes, guineenses, irão lembrar-se sempre, pela vida fora, do vosso irmão e nosso camarada Luís Rei Vilar. A escola que vocês e outros parceiros estão a apoiar vai ajudar a fazer delas homens e mulheres, cidadãos guineenses,com melhores oportunidades para fazer face ao presente e preparar o futuro.

Gratidão: é uma das palavras mais bonitas da nossa língua. Tal como kasumai, na língua felupe.

Parabésn, manos Rei Vilar, pelo vosso gesto de grande nobreza, de amor fraterno e de solidariedade humana. Mas também de portugalidade. Bem precisamos destes valores nestes díficeis dias que correm.

Valdemar Silva disse...

Extraordinário.
São assim os portugueses, sem caganças, sem autoelogios, com grandes obras sem cerimónias nem manias de superioridade, deixando amizades por onde passam.

Valdemar Queiroz

conceicao salgado disse...

Eis a melhor forma de homenagear o capitão Vilar. Grandes irmãos. Paulo Salgado

Tabanca Grande Luís Graça disse...

O Luís, o mais velho dos manos, foi para a Academia Militar e era o herói dos três mais novos... A sua morte, e as circunstâncias (, ainda hoje controversas,) em que morreu, foi um duríssimo golpe para toda a família. Mas a dedicação, a ternura, o culto, o amor destes três irmãos pelo mano meu velho, são tocantes e inspiradores.

Gosto da expressão: "memória útil"... Sim, de que nos serve termos "memórias inúteis" da guerra ? Neste caso, a morte não é um "jogo de soma nula": o Luís Rei Vilar não fica "inumado na vala comum do esquecimento"... A sua memória será honrada, aqui e na Guiné-Bissau, em Cascais, sua terra natal, e em Susana, onde passa a haver uma escola com o seu nome.

Kassumai!... LG