sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22609: "Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar" (texto cedido pelo escritor ao José Martins para publicação no blogue) - Parte I: Mafra, janeiro de 1964


Mafra > EPI > Março de 1967 > "Fotografia do meu pelotão (1.º Pelotão da 1.ª Companhia de Instrução) do COM de janeiro de 1967, desfilando de regresso à parada da EPI, depois do juramento de bandeira. Nesta foto, do meu álbum de guerra, estou em 3.º lugar na 1.ª fila. O sargento, que empunha uma FBP, não conta.

"A foto foi tirada por um familiar de um camarada soldado-cadete. A foto é de março de 1967. Ainda fiquei mais cerca de 3 meses em Mafra para a especialidade de atirador de infantaria." 
 

Foto (e legenda): © Eduardo Moutinho Santos (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Publicámos, no devido tempo, em 2009, há cerca de 12 anos, o "Diário de Guerra", do nosso camarada e escritor Cristóvão de Aguiar (1940-2021) (*)
, que nos chegou às mãos,  por intermédio do José Martins (ex-fur mil trms, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70). 

A grande maioria dos nossos leitores não teve oportunidade de conhecer este notável texto, de que se publicaram 11 postes (, muito espaçados, entre janeiro e setembro de 2009).

O "Diário de Guerra" abarca um período de tempo de seis anos, desde a entrada do autor em Mafra, em 26 de janeiro de 1964, para fazer a recruta e dar início ao Curso de Oficiais Milicianos (**) até ao fim da comisão na Guiné (onde foi alf mil, CCAÇ 800, Contuboel e Dunane, 1965/67) e o "difícil regresso à vida civil", entre 1967 e 1970. (***)

Estes textos fazem parte do seu livro "Relação de Bordo (1964-1988)" (Porto, Campo das Letras, 1999, 425 pp).

Na altura a revisão e fixação do texto, para efeitos de publicação neste blogue,  foi da responsabilidade do nosso coeditor (hoje, jubilado( Virgínio Briote. Agradecemos ao José Martins a sua sensibilidade e a sua generosidade ao servir de intermediário entre o nosso blogue e o escritor, e ao aceitar organizar o texto para publicação no blogue, com a devida autorização do autor. 

Está é também uma forma de homenagearmos a memória do nosso camarada açoriano Cristóvão de Aguiar que,como escritor,é dono de uma vasta obra (publicada na totalidade pelas Edições Afrontamento).



Cristóvão de Aguiar. 
Foto: Wook (com a devida vénia...)


Diário de Guerra

por Cristóvão de Aguiar

1964

Janeiro, 26 – Acabei de chegar.


O casarão do convento é tão frio e tão feio, que tenho o coração a doer e vontade de chorar. Quem me dera agora na Ilha, o ventre materno para onde volto sempre que me sinto aban­donado.

Durante a viagem de boleia de Coimbra para Lisboa, bem se esforçou o Carlos Can­dal, meu amigo e companheiro de República, por me animar. Está na tropa, na capital, e só amanhã vou principiar o Curso de Oficiais Milicianos. Fi­quei na ca­serna número quinze, no ter­ceiro piso, a maior de todas, de tecto abaulado e baixo.

Acabei de fazer a cama, como soube e pude. Segui atentamen­te a demons­tração de um habilidoso fur­riel que exibiu as suas capacidades domésticas com mãos rápidas e tarimbeiras para um grupo de novos cadetes que entraram na caserna, de­bai­xo de forma, para tomar posse do cacifo e do beliche. Também nos deu sá­bias instruções sobre disci­plina, la­trocínio de quartel e obediência.

Fiquei soldado-cadete número mil cento e catorze, barra ses­senta e quatro. De­pois de ar­ru­mar as minhas coisas e de mu­dar de roupa, fui até o Bar do Cadete, no piso do rés-do-chão, e lá encontrei o Ca­margo, que chegara na véspera. Já envergava o seu fato-macaco militar cor de azei­tona.

Os meus passos naqueles tú­neis perdiam-se de perdidos que estavam. E logo amaldiçoei o empreiteiro de tal enormidade arquitectónica e as ordens religiosas que ali se encafuavam praticando as piores patifarias em nome de uma fé codificada. Tanto eu como o Camargo parecía­mos dois fan­tasmas navegando por den­tro das bo­tas e do fato zuarte. Não ficámos na mesma ca­serna. Ele ficou na um, a an­tiga capela, junta­mente com o Nogueira e Silva. Ao Vítor Branco, ilhéu da Madeira, coube a dois, a mais pequena e a mais acon­che­gada das três. Foi-me apre­sentado pelo Ca­margo. Fazemos um molhi­nho de soli­darie­dade.


Janeiro, 27 – Esta noite não preguei olho.

Acolhido na caserna com uma caterva de jovens como eu, senti, ao deitar-me, uma tristeza encharcando-me os ossos e um desânimo só semelhante ao da criança perdida dos pais por entre uma multidão de desconhecidos, numa feira ou num arraial de festa de padroeira. Mas, ali, na caserna, não havia altifalantes como nos re­cintos das festas para anunciar a criança perdida.

Ali, naquele enorme dormitório, com um nauseabundo odor a pés, a ventosidades sonoras e a outras sorrateiras mas enjoosas, estava mesmo perdido para sempre. Mesmo que de mim próprio fizesse um grito de terror. Um toque, ainda madrugada escura, estranho, fez-me levantar do leito da insónia. Era o toque da alvorada. Depois de far­dado, olhei-me de alto a baixo, e achei-me ridículo. Só não chorei por vergonha. Fiz a cama como quem escreve o a, e, i, o, u pela pri­meira vez. Estava ainda na pri­meira classe atrasada...


Mafra, Janeiro, 28 – Fiquei a pertencer ao quarto pelotão da terceira com­panhia de in­s­tru­ção.

O comandante da companhia, um tenente goês, é muito apa­ratoso nas con­ti­nên­cias. Parece um sinaleiro a apascentar o trânsito. Que mundo este!

O coman­dante do meu pelotão, o quarto da companhia, é um açoriano da Ilha Ter­ceira. Mas ainda não me dei a conhecer, nem deve ser preciso, que ele deve-me topar pela pro­núncia. Pelo que lhe já ouvi, deve ser um grande maluco e vai-nos decerto pôr a to­dos no mesmo estado. Já esteve em An­gola cum­prindo uma comissão e segundo consta fez lá das suas.

Hoje passámos o dia a aprender a fazer continência e a dis­tin­guir os postos. As aulas são na parada, com o pelotão formado em U. Aos supe­ri­o­res trata-se por meu. Meu isto, meu aquilo. Aos infe­riores, por nosso. O cade­te Carva­lhosa, que tira aponta­mentos do que ouve ao al­feres e está sempre muito atento à li­ção, como se estivesse nos bancos da Uni­versidade, passou a tratar o cabo lateiro da arre­cadação do material por meu cabo. O alferes foi aos arames com a atoarda. Nin­guém pode sair do quartel para a Vila, após a instrução - ainda não sabemos com­por­tar-nos militarmente. E não se sabe se vamos a fim-de-semana.

Janeiro, 29 – O comandante de pelotão mandou-nos formar.

E explicou-nos que a formatura era sagrada. Não se podia falar, mexer, rir ou sequer pensar. Creio, no entanto, que alguns pensaram. Depois afivelou uma cara de mau e afirmou que era proibido haver doentes. Só o médico poderia comprovar, porque as­sim determinava o Regulamento... Não está no Regulamento - era quanto bastava para se dar uma resposta menos regulamentar.

Janeiro, 30 – Escrevi-lhe para Coimbra uma longa carta.

An­tes de para aqui vir, estive com ela e outras colegas no bar da Faculdade de Medi­cina, mas não tive coragem de me declarar. Fi-lo há pouco numa longa carta que por acaso prin­cipiei a escrever ainda na República, a semana passada.

Se for a fim-de-semana, vou tentar encontrar-me com ela e hei-de obter uma res­posta. Mora num lar de freiras, ao lado da República. Não há-de ser difícil che­gar-lhe à fala. Ainda não cicatrizei a ferida da outra, a da Ilha, e já estou a meter-me noutra...

Hoje, na segunda hora de instrução, com o pelotão formado em U, a aula versou sobre o conceito de pátria, como vem nas fichas da instrução, que esclarecem que se deve apresentar aos instruendos significati­vos exemplos da nossa História para lhes incutir os verdadeiros valores.

O nosso alfe­res pegou no manual e principiou a ler: 

"Temos, por exemplo, D. Duarte de Almeida, o decepado, o porta-bandeira ou alferes, que ofereceu com o seu gesto heróico um verdadeira lição de patriótico amor, abnegação e audácia.

"Outro feito que dignifica as páginas doiradas da nossa História é o praticado por D. João de Castro, Vice-Rei da Índia, que num acto valoroso, cortou, como penhor, as venerandas barbas... E a pro­pósito, nossos cadetes, quero lembrar-vos que na formatura para terceira refeição vou passar revistas às barbas e cabelos"..

Janeiro, 31 – Iniciámos de manhã o estudo da espingarda Mauser, que se di­vide em dez partes, a saber...

O alferes ia chamando os cadetes por or­dem numérica. Todos receberam a velha Mauser – "A vossa noiva, estimai-a como à vossa noiva..."

Saímos hoje para a Vila, depois da instrução da tarde na tapada. Mas não tivemos dis­pensa do recolher, nem da ter­ceira re­fei­ção. Foi pre­ciso fazer uma for­matura de saída. O oficial de dia veio-nos pas­sar mi­nu­ciosa re­vista. À barba, ao ca­belo, à graxa das botas ou dos sapa­tos da ordem, ao vinco das calças da farda número um, aos botões da camisa e da farda! Dois camaradas não fo­ram autorizados a sair. Tinham os pêlos da barba a arra­nhar.

Voltámos ao quartel an­tes da terceira refeição. Como estava a chuvis­car, fez-se a forma­tura para o jantar no corredor em frente do refeitório. Chama-se o corredor La Couture e nele andam jipes e outras viaturas mili­tares. Na forma­tura do recolher tinha tanto sono que cabeceava em pé, enquanto o sargen­to de dia lia a ordem, fazia a cha­mada e distribuía o correio.

O Magalhães rece­beu um telegrama da namorada, já aberto. O instruendo fazia anos. E o sar­gento, com ar de gozo, leu alto: Amo-te, stop, Mada­lena... Quando chegou ao meu número, pus-me em sentido e bati com os tacões das botas. Depois de ter man­dado destroçar, fui para a cama. Eram nove e pouco da noite. Nunca dormi tão bem em toda a minha vida.

(Continua)
___________

Notas dos editores VB / LG:

(*)  Vd. poste de 6 de outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22606: In Memoriam (410): Luís Cristóvão Dias de Aguiar (1940-2021), ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 800 (Contuboel e Dunane, 1965/67), falecido no dia 5 de Outubro de 2021


(**) Vd. postes de:


10 de setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4932: Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar (org. José Martins) (XI): Final (Mai68-Jan70)

9 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Estou a reler o Diário e aparentemente vejo que em 1964 ainda não se usava o topónimo depreciativo ou irónico "Máfrica" para designar a EPI em Mafra, popularizado no nosso blogue pelo saudoso Vasco Pires.


José Botelho Colaço disse...

Luís se em 1964 não havia "Máfrica" mas em 1963 já havia E.P.I. que era tradução que nós militares usáva-mos "Entrada para o Inferno" Um abraço.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Oh! Zé Colaço, essa da "Entrada para o Inferno" não conhecia!...Vou registá-la no Pequeno Dicionário da Tabaca Grande... É uma prquena pérola do bom humor de caserna(que nos salvou da loucura).

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Já está, já enriquecemos a língua portuguesa e o nosso calão de caserna...


3 de dezembro 2019 > Guiné 61/74 - P20411: Pequeno dicionário da Tabanca Grande, de A a Z (6): edição, revista e aumentada, Letras D/E

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2019/12/guine-6174-p20411-pequeno-dicionario-da.html

Fernando Ribeiro disse...

Jipes e outras viaturas a circularem no Corredor La Couture?!!! Isso eu nunca vi! Não quero dizer que o corredor não fosse suficientemente amplo para permitir um tal "trânsito", mas o fedor a gasolina que as viaturas deviam deixar por aqueles corredores devia ser de cair para o lado. Note-se que o Corredor La Couture era mesmo um corredor DENTRO do edifício, e não um qualquer pátio ou alameda! Aliás, os corredores e escadarias da E.P.I. tinham nomes de batalhas: Corredor dos Atoleiros, Escadas de Aljubarrota, Corredor La Couture, etc. Assim não nos perdíamos lá dentro.

Tendo frequentado o C.O.M. em Mafra vários anos depois do Cristóvão de Aguiar (R.I.P.), já não estudei a Mauser. Logo num dos primeiros dias do meu 1.º ciclo, o meu instrutor, o alferes de Infantaria Carvalhão, que estava a fazer o tirocínio no final do seu curso da Academia Militar, anunciou-nos em tom grandiloquente:

- Hoje vamos começar a estudar a bela e gloriosa G3!

Nós reagimos logo:

- Bela?! Gloriosa?! Que beleza e que glória poderão haver num instrumento de morte?

Nunca mais me esqueci da cara de espanto do Carvalhão perante a nossa reação, porque ele não esperava nenhuma. Só esperava passividade.

Esta foi só a primeira de muitas reações que tivemos ao longo do 1.º ciclo do C.O.M. Os cadetes que mais reagiam eram os médicos, três ou quatro no pelotão. Estes, que eram vários anos mais velhos do que nós, não deixavam nunca escapar a mais pequena oportunidade de fazer ouvir as suas opiniões radicais perante o alferes. Em concreto, disse uma vez um cadete médico ao Carvalhão:

- Nós somos completamente incompatíveis. Não há qualquer possibilidade de entendimento entre nós os dois. Eu sou médico; a minha profissão é salvar vidas. O meu alferes é militar; a sua profissão é matar.

O Carvalhão, que era muito rosadinho, ficou branco como a cal da parede e balbuciou:

- A minha profissão não é matar, que eu não sou nenhum assassino. A minha profissão é defender a Pátria.

- Defender a Pátria, meu alferes? - retorquiram os médicos. - A pátria de quem? O que é que as Forças Armadas estão a fazer em África, a milhares de quilómetros daqui? Estão a defender a nossa pátria ou estão a atacar a pátria dos outros?

O alferes Carvalhão ficou sem palavras. Nunca ninguém lhe tinha falado nestes termos. Sempre lhe tinham dito que era uma grande honra seguir a nobre carreira das armas e estar disposto a defender a Pátria com sacrifício da sua própria vida, se necessário fosse. E disso ele tinha um enorme orgulho. Os médicos, por seu lado, insistiam:

- A melhor maneira de alguém poder matar sem correr o risco de apodrecer na cadeia durante muitos anos é entrar para o Exército. Assim, se matar, não só não vai preso, mas até é condecorado por isso e considerado um herói.

O alferes Carvalhão ficava aterrado perante estas palavras, mas nunca agiu contra quem as proferia.

Com o passar dos dias e das semanas, as posições dos médicos e de outros cadetes como eles, por um lado, e do alferes, por outro, sofreram um importantíssima evolução no sentido de uma aproximação. Os médicos aperceberam-se de que o alferes, afinal, era um rapazinho ingénuo, incapaz de fazer mal a uma mosca e cheio de generosidade. Era preciso ter uma grande coragem para seguir uma carreira militar na arma de Infantaria, num Exército que estava em guerra. Em tempo paz não custa ser militar. O que custa é ser militar em tempo de guerra. Assim, os cadetes médicos não só deixaram de hostilizar o alferes Carvalhão, mas também lhe começaram a manifestar um apreço e um respeito cada vez maiores.

Fernando Ribeiro disse...

Como eu disse acima, os médicos eram vários anos mais velhos do que os restantes cadetes. Quando nos impunha um exercício mais violento, o alferes Carvalhão virava-se para os médicos e dizia-lhes:

- Os senhores estão dispensados de fazer este exercício, que é muito violento, por serem mais velhos. Ou então, podem começar a fazê-lo e abandoná-lo a meio.

- Não, não, meu alferes - respondiam os médicos. - Nós somos cadetes como os outros e por isso vamos fazer os mesmos exercícios que os outros. Vamos dar o nosso melhor.

E davam. Poder-se-ia esperar que os cadetes médicos se aproveitassem da idade ou da sua condição de médicos para se pouparem a esforços, mas isso nunca aconteceu. Talvez custe a acreditar, mas a verdade é que os médicos sempre fizeram todos os exercícios até ao fim, até ao limite mais extremo da sua capacidade de sofrimento e de resistência. O alferes Carvalhão ficava impressionado com esta atitude dos seus subordinados médicos e não deixava de manifestar a sua admiração. No fim do 1.º ciclo do C.O.M., o alferes Carvalhão tinha-se reconciliado com quem tanto o hostilizara no início.

Fernando de Sousa Ribeiro

Valdemar Silva disse...

O Fernando Ribeiro não se cansa de contestar a tropa, o ir pra tropa aprender a fazer guerras.
E o Fernando Ribeiro esteve na guerra em Angola, tivesse ele passado a guerra na Guiné.
Viver em abrigos e nas tabancas com a população, passar noites nas valas a ripostar morteiradas, bazucadas e metralha era assim a guerra em quase toda na Guiné.
Tivesse o Fernando Ribeiro estado na guerra na Guiné, e passado na Ponte Caium, o que ele nos teria para contar.

Abraço e saúde
Valdemar Queiroz

p.s. Já começo a pensar à velho: 'tá bem, mas calhando já não chego lá.

Fernando Ribeiro disse...

Valdemar Queiroz,

Vais obrigar-me a falar do que eu não queria. Julguei eu que tinha conseguido falar do meu 1.º ciclo do C.O.M. em Mafra sem evocar a tragédia então vivida, mas enganei-me. Vais obrigar-me a evocar a morte por afogamento de três camaradas da minha companhia de instrução (eu podia ter sido o quarto), além do ferimento de mais dois, um dos quais ficou cego de um olho. Eram todos da minha companhia (a 6.ª, comandada pelo tenente Aguda) e tudo aconteceu em escassor TRÊS MESES e durante a instrução EM MAFRA por ocasião do 1.º ciclo do Curso de Oficiais Milicianos da segunda incorporação de 1971. Não foi preciso ir para a Guiné, para Angola ou para a Cochinchina, para que eu tivesse que chorar a morte de três companheiros (um dos quais dormia no mesmo beliche que eu, ele em cima e eu em baixo), além do estúpido ferimento de mais dois camaradas, atingidos por estilhaços na cara, que cegaram um deles numa vista. Achas que isto é maneira de «aprender a fazer guerras», como tu dizes?

Recuso-me a entrar no jogo de "A minha guerra foi pior que a tua". Todos sabem, e eu também, que a pior guerra foi a da Guiné. Ponto. Seria estultícia da minha parte afirmar o contrário. No entanto, também me sinto na obrigação de afirmar com toda a clareza que não estive em Angola a descansar à sombra da bananeira. Para que saibas que tipo de guerra eu enfrentei em Angola, remeto-te para um texto publicado num blog de uma companhia que esteve no norte de Angola dois anos antes de mim. O texto é de Pedro Cabrita, que fez um estágio para capitão miliciano no Mucondo, nos Dembos, ainda com o posto de alferes miliciano. Eu mesmo fiz várias operações militares precisamente na mesma zona descrita por Pedro Cabrita no seu texto. As situações que ele narra foram vividas por mim mesmo em dezenas de operações similares, tanto no Mucondo como em Zemba. Vivi muitas outras situações além das descritas, que me abstenho de descrever para não ser chamado mentiroso, mas a verdade é que as que Pedro Cabrita descreve foram para mim banais, em operações sem história. Boa leitura.

http://ccav2692susaeles.blogspot.com/search?updated-max=2020-04-05T17:00:00%2B01:00&max-results=7

Valdemar Silva disse...

Fernando Ribeiro
Não sei, não sabemos, quem além de nós 'Camaradas da Guiné' lê este nosso blogue.
Evidentemente, os jovens têm muito mais a ler que o nosso blogue, mas nunca será demais, se o lerem, ficar a saber o que aconteceu aos seus avós quando tinham vinte e poucos anos.
Eu queria dizer, como aqui é da guerra na Guiné que escrevemos, o que não escreverias sobre o teres passado pela Ponte do Rio Cayum depois de teres levado com a "aprendizagem de fazer guerras" que te marcou indelevelmente.
Eu aponto a Ponte do Rio Cayun, por ter sido o que mais me impressionou nos vários cenários da guerra da Guiné: um quartel bidonville em cima duma ponte, com trinta homens castanhos-pálido, olhar basso, sem mínimo esmero no vestir e com uns 'tá olhar, nunca viu?'.

Abraço
Valdemar Queiroz