Queridos amigos,
O seu a seu dono, era uma tremenda injustiça não referir este ensaio inserido num número da revista "Ultramar" onde há outros trabalhos que merecem destaque, como é o caso do artigo de António Carreira dedicado à Guiné e às ilhas de Cabo Verde, o estudioso refere a sua unidade histórica e populacional, bem como o artigo de Rogado Quintino, sobre os temores ao Deus-Irã, entre outros. Em dezenas de páginas, o historiador Banha de Andrade circunscreveu-se à problemática do descobrimento da Guiné, ao histórico da presença portuguesa até à I Guerra Mundial e dados civilizacionais como as missões. Discreto e sóbrio, nada propagandístico, não há para ali nenhuma mentirola sobre os nossos cinco séculos na Senegâmbia.
Um abraço do
Mário
História breve da Guiné Portuguesa
Beja Santos
É do conhecimento geral que a Guiné Portuguesa não dispõe de um livro histórico minimamente atualizado. Houve tentativas, no todo ou na parte, deixaram o seu rasto, e a sua leitura é recomendada. Logo João Barreto com a sua “História da Guiné (1418-1918) ”, de 1938; a “Guiné Portuguesa” de Avelino Teixeira da Mota, 1954; Mário Matos e Lemos publicou “Os portugueses na Guiné – apontamentos para uma síntese”, em 1917; e possuímos uma vasta bibliografia parcelar com autores como António Carreira, José da Silva Horta e Eduardo Costa Dias, Carlos Lopes, Peter Karibe Mendy, René Pélissier, Armando Tavares da Silva, Julião Soares Sousa, Francisco Travassos Valdez, Philip Havik, António Duarte Silva, Francisco Henriques da Silva e este autor. Mas havia um esquecimento imerecido, na revista “Ultramar” N.º 32, 1968, dedicado à Guiné tem destaque a história breve da Guiné Portuguesa, de António Alberto Banha de Andrade, historiador e professor universitário.
O seu ensaio é organizado em torno dos problemas da descoberta da Guiné, da soberania portuguesa e da civilização, com destaque para os problemas de missionação. Pode trazer muitos dados consabidos, outros entretanto aclarados, mas o historiador consulta fontes probas, fez uma súmula de acontecimentos que ajudarão o investigador e o curioso. E como? Falando da origem do termo ‘Guiné’, das viagens em torno da Costa de África e quando se dobrou o Cabo Bojador, a ignorância dos nautas portugueses e dos árabes era profunda quanto a geografia e as populações residentes. Recorda o autor as viagens feitas no interior do continente para contatar o chefe dos Mandingas no alto Níger, Diogo Gomes subiu pelo Gâmbia até Cantor. “Duarte Pacheco Pereira, em 1505, informa que os portugueses denominam Guiné a Etiópia que se estende do rio Senegal até ao cabo da África”. Sonhava-se em chegar a Tombuctu, era a miragem das relações comerciais. E mais adiante, já precisando a descoberta da Guiné: “Atribui-se essa glória a Nuno Tristão, morto pelos nativos do rio Grande, o atual Geba. Duarte Leite, porém, secundado por Damião Peres, acreditam nas narrativas de Diogo Gomes e Cadamosto e optam pelo descobrimento por um destes, em 1456. Avelino Teixeira da Mota ainda deixa a Nuno Tristão a glória de haver sido o primeiro português a entrar em contato com os Mandingas. Nuno Tristão não teria chegado ao atual território da Guiné Portuguesa, porque fora trucidado na região do Niumi, entre o Gâmbia e o Jumbas, a região dos Barbacins dos nossos cronistas”. Pondo ainda outros nomes em cima da mesa, conclui o autor: “Assentamos que, sendo natural ter-se efetuado o descobrimento da Guiné Portuguesa em 1446 ou perto deste ano, e nunca em 1456, as honras dessa proeza se devem continuar a atribuir a Nuno Tristão, à falta do nome do navegador que se seguiu à sua viagem e à de Álvaro Fernandes”.
Quanto ao problema da soberania, o historiador recorda a gestão do comércio cedida pela Coroa aos habitantes de Cabo Verde, o arrendamento a Fernão Gomes, a concorrência de espanhóis, ingleses e holandeses no então vasto litoral da Senegâmbia. O período filipino foi nefasto para os interesses portugueses na região, o comércio transitara para as mãos dos espanhóis, franceses, ingleses e holandeses, recuou a presença portuguesa para limites geográficos bastante próximos àqueles que irão ser definidos na Convenção Luso-Francesa de 1886. O autor refere que após a Restauração, se fundou capitanias, companhias de comércio, se mantém o tráfico de escravos, predominantemente na região de Cacheu, surge a primeira fortificação de Bissau, a ameaça da presença inglesa e o progressivo alargamento de feitorias francesas no Casamansa. Na primeira metade do século XIX, distingue-se Honório Pereira Barreto que redigiu a cáustica e exemplar “Memória sobre o estado atual da Senegâmbia Portuguesa, causas da sua decadência, e meios de a fazer prosperar”, com data de 1843. Em 1879, a Guiné passa a ser província independente de Cabo Verde, reorganizam-se os serviços e a pressão francesa é sufocante. “A França exigiu que, em troca do apoio ao plano de ligar Angola e Moçambique, o governo português lhe reconhecesse a posse da rica bacia do rio Casamansa. Barbosa du Bocage, ministro dos Negócios Estrangeiros, aceitou a condição. Entretanto, novo Governo subiu ao poder, e o progressista Henrique de Barros Gomes, que sobraçou aquela pasta, não aprovou, de entrada, a renúncia do seu antecessor. Porém, era tarde de mais e as negociações foram fechadas”. O autor explana sobre a organização administrativa da colónia e releva a Carta Orgânica de 31 de maio de 1917.
A última parte do trabalho de Banha de Andrade prende-se com a questão da civilização, é uma presença praticamente reduzida ao litoral durante séculos, o contributo cabo-verdiano é determinante, a presença tem destaque no Casamansa, em Cacheu, em Bolola, na região de Buba, em Bolama e outros locais dos Bijagós. O autor socorre-se de documentos como o de Francisco Lemos Coelho, do século XVII, que dá um retrato da presença portuguesa na região. A história missionária que Banha de Andrade aqui descreve tem afinidades com o trabalho incontornável do padre Henrique Pinto Rema sobre as missões católicas na Guiné, digamos que as missões foram mal sucedidas menos por encontrar populações evangelizadas, mais pelos problemas do clima e a hostilidade dos comerciantes e traficantes. Tal como estudou Teixeira da Mota, Banha de Andrade faz menção a uma visita pastoral do Bispo de Cabo Verde à Guiné, ilha de Bissau, onde chegou D. Vitoriano do Porto, em 27 de março de 1694. O régulo recebeu-o ao som de música. Depois D. Vitoriano seguiu para Farim e Cacheu e daqui regressou a Santiago, Cabo Verde.
É um estudo onde está ausente o espalhafato ou a exaltação propagandística de que os portugueses estavam presentes por toda a Guiné, o que não tem ponta de verdade. Diz o que efetivamente aconteceu nas missões e recorda aquela figura invulgar do Padre Marcelino Marques de Barros, autor do livrinho “Literatura dos Negros” e o primeiro arremedo de dicionário português-crioulo. É de elementar justiça pôr o trabalho de Banha de Andrade na bibliografia geral sobre a Guiné Portuguesa.
António Alberto Banha de Andrade
Almirante Teixeira da Mota
Obra de 1973 em que Teixeira da Mota republicou o seu incontornável trabalho sobre o descobrimento da Guiné.
____________Nota do editor
Último poste da série de 1 DE OUTUBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22587: Historiografia da presença portuguesa em África (283): Texto dos acordos de Argel, Lusaka e Alvor e seus anexos
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