quarta-feira, 25 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4077: FAP (19): Efeméride: há 36 anos sob os céus de Guileje 'Batata' procura e localiza 'Kurika' (António Martins de Matos)

Guiné > Região de Tombali > Corredor de Guileje > 25 de Março de 1973 > Faz hoje 36 anos que o Fiat G-91 pilotado pelo 'Kurika' (ex-Ten Pilav Pessoa) foi abatido por um Strela. O piloto foi localizado pelo 'Batata' (ex-Ten Pilav Matos), graças ao uso de um very light. Cada piloto tinha um conjunto de very lights e respectivo equipamento de disparo, semelhantes ao das fotos acima.

Fotos: © António Martins de Matos (2009). Direitos reservados
1. Mensagem do António Martins de Matos, membro nossa Tabanca Grande, ex-Ten Pilav, BA12, Bissalanca, 1972/74 (hoje Ten Gen Pilav Res)

Caro amigo

Faz hoje 36 anos que o meu amigo “Kurica” resolveu ir passar a noite no Corredor do Guileje, sem autorização, sem passaporte nem 'Guia de marcha'.

Tal ousadia fez-nos passar mal a noite.

Felizmente que amanhã o vamos recuperar e .... finalmente vamos beber o champanhe que nos está prometido há tanto tempo.

Um abraço

António Martins de Matos



2. FAP > Alertas (*)
por António Martins de Matos

[Fixação / revisão de texto / subtítulos / bold: LG]


(i) 'Quem não tem cão, caça com gato'

Já por diversas vezes tem vindo à baila a razão pela qual em 25 de Março de 1973 só um dos aviões de alerta foi socorrer o Guileje, o que terá contribuído para uma recuperação lenta do piloto, o meu amigo Miguel Pessoa.

A reunião de Comandos de 15 de Maio de 1973 também refere o tema e, na sua douta sapiência, afirma que os aviões têm de voar “no mínimo em parelha”.

E no entanto há um ditado popular que diz “Quem não tem cão ... caça com gato”.

Passo a explicar:

A guerra colonial arrastou-se por 13 anos. Inexplicavelmente o Estado Maior da Força Aérea em Lisboa nunca produziu uma doutrina de emprego dos meios que pudesse ser usada nas três frentes.

Na ausência desta uniformização, cada província limitava-se a adaptar os seus parâmetros de voo em função do saber e da experiência local.

O avião Fiat G-91 possuía quatro “extensões” debaixo das asas, para levar armamento e/ou depósitos de combustível.

Na chamada configuração de alerta, as 2 extensões interiores estavam ocupadas com depósitos de combustível, o que permitia uma autonomia de voo de cerca de hora e meia. As extensões exteriores estavam equipadas com 2 ninhos de foguetes, cada ninho transportava 4 foguetes de 2,75 polegadas.

A somar ao equipamento transportado nas asas, o Fiat G-91 possuía 4 metralhadoras no nariz, cada uma delas municiada com 200 balas de calibre 12,7 mm.

Era esta a configuração normalmente usada nos apoios de fogo.

Já em posts anteriores referi que o armamento que equipava os aviões de alerta era totalmente inadequado, pelas seguintes razões:

- Em relação às metralhadoras e dado que as munições não eram explosivas, bastava o inimigo abrigar-se junto de uma árvore de porte “normal” para ficar a salvo.

- Os foguetes podiam derrubar uma árvore, mas também eles não eram anti-pessoal, pelo que só um impacto directo poderia ter algum sucesso.

Eram estas missões inúteis? Penso que não.

Bastava o ruído da aeronave para se obter um efeito dissuasor no PAIGC e moralizador nas nossas tropas.

O ver surgir o Fiat G-91 fazia com que o pessoal saísse das valas e abrigos e viesse para o centro do quartel, para nos acenarem, esquecidos que ainda há pouco estavam sob fogo inimigo.

À despedida, o “tonneau” executado a baixa altitude sobre o quartel era a cereja no bolo.


(ii) As três configurações do Fiat G-91

Nas configurações usadas em missões pré-planeadas, os depósitos de combustível e foguetes eram retirados, dando origem a duas novas versões, a primeira com 6 bombas de 50 kilos, a segunda com 2 bombas de 200 kilos e 4 de 50 kilos.

A autonomia da aeronave ficava reduzida a 55 minutos.

A partir do verão de 1973, passou a haver uma terceira configuração, 2 bombas de 750 libras, versão que, dado o seu poder destrutivo, só podia ser empregue a mais de 1 quilómetro das nossas forças.

Foi esta a versão mais utilizada quando se tratou de repelir os ataques a Gadamael.


(iii) Uma simples substituição do armamento: era a reivindicação maior dos pilotos

Todos os pilotos de Fiat G-91 tinham consciência das limitações do armamento e, através dos canais competentes já tinham pedido a sua melhoria.

O pedido apresentado na Reunião de Comandos do QG Bissau de 15 de Maio de 1973, onde se preconizava a substituição dos Fiat G-91 por aviões Mirage, felizmente que não foi do conhecimento dos pilotos da Esquadra.

No meu entender tal pedido só revelava a falta de sensibilidade de quem geria os destinos da FAP, pois o que os pilotos na altura necessitavam não era a substituição da aeronave, algo que levaria anos a ser efectuada, mas sim a substituição imediata do armamento, foguetes anti-pessoal e 2 canhões 20 mmm semelhantes ao usado no Heli-canhão, alterações que poderiam ser concretizadas em curto espaço de tempo.

Tais pedidos devem ter caído em saco roto pois nada foi melhorado. (1)


(iv) Dois pilotos de alerta e quatro aviões preparados para sair em 10 minutos

Com o não melhoramento do armamento e o aumento de actividade do PAIGC houve necessidade de procurar um novo modo de apoiar os quartéis.

A solução encontrada foi a dos dois pilotos de alerta passarem a dispor de quatro aviões preparados para saírem em 10 minutos, dois na versão original, foguetes e depósitos de combustível, e dois com bombas.

Desta maneira e em função da ameaça esperada e partindo do pressuposto de que o pedido era claro e preciso, os pilotos escolhiam quais os aviões a voar, com a configuração mais adequada.

Em casos omissos ou pouco claros, um dos pilotos seguia no avião com depósitos de combustível, avaliava a situação e, via rádio, dizia qual o tipo de aeronave que o segundo piloto deveria operar.

O segundo avião chegava à área cerca de 10 minutos depois e podia largar de imediato o seu armamento.

Esta “técnica” revelou-se extremamente eficaz contra as equipas que operavam os Strelas.

(v) Três voos para localizar o 'Kurika' no corredor de Guileje em 25 de Março de 1973

Não foi isso o que se passou no dia 25 de Março 1973.

O pedido não era claro, descolou um avião (o “Kurica”), o outro piloto (o “Batata”) aguardou junto das aeronaves.

O piloto contactou o quartel mas não chegou a transmitir para Bissalanca o resultado da sua avaliação, tendo sido abatido.

Face a não obter qualquer feedback o segundo piloto descolou no avião de maior autonomia em direcção ao Guileje.

Na tentativa de encontrar algo (o avião, o pára-quedas, o piloto, ...) sobrevoou toda a zona do corredor do Guileje, o Mejo, de Gandembel, à fronteira, sem nada encontrar.

O facto de não ter sentido qualquer reacção hostil vinda da mata, fez-lhe pensar que o Pessoa teria tido uma falha mecânica.

Um segundo voo revelou-se igualmente infrutífero.

O terceiro voo revelou-se mais gratificante quando um dos pilotos (Ten Cor Brito) localizou um very-light a sair da mata. (2)

Enquanto ele subiu a fim de referenciar a localização exacta na carta, eu desci e voei em círculos junto do local de onde tinha partido o very light a fim de alertar o Pessoa que tinha sido localizado.

Na manhã seguinte procedeu-se à operação de resgate.

O resto está descrito no poste do Kurica da Mata (*).
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Notas de AMM

(1) A partir de 1975 a FAP acabou por receber aviões FIAT G-91 R3, equipados com 2 canhões de 30mmm, bom jeito teriam feito, mas a guerra já tinha terminado.

(2) Cada piloto tinha um conjunto de very-lights e respectivo equipamento de disparo, semelhante ao da foto.

3. Comentário de L.G.:

O champagne é uma bebida para as grandes ocasiões. Para os dias de festa. Para celebrar a festa da vida e da amizade e da camaradagem. Esta efeméride deve ser comemorada. Antes de mais, pelos amigos, o 'Kurica' e o 'Batata'. Não sei se o conteúdo da garrafa está ainda em boas condições. É de todo improvável, admitindo-se que o dito champagne não passasse de um sofrível espumante... português. Mas era o que havia lá no cú do mundo e foi oferecido com muita gratidão ao Miguel Pessoa pelos Piratas de Guileje. E isso merece ser sublinhado.

Haveremos de nos encontrar, Miguel, António e o resto da nossa Tabanca Grande, e beber uma taça de um bom espumante português, à vossa saúde, à malta da FAP que fez a Guiné 1965/74, à malta de Guileje, a todos os camaradas da Guiné, ao nosso blogue, à nossa vontade de estarmos aqui e agora, a contar as nossas histórias e a partilhar os nossos afectos. Um Alfa Bravo, 'Kurika'. Um Oscar Bravo, 'Batata'.

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Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste da série FAP > 19 de Março de 2009 Guiné 63/74 - P4051: FAP (18): Kurika da Mata (Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74)

1 comentário:

Miguel disse...

Aguardo com expectativa a possibilidade de um encontro com o pessoal da Tabanca Grande, Talvez no IV Encontro Nacional, quem sabe?
Quanto ao espumante, terá que se arranjar outro, que aquele foi bebido na Guiné enquanto eu estava a recuperar em Lisboa...
Mas não devia ser mau, que não houve reporte de qualquer mal-estar provocado pela sua ingestão...
Abraço. Miguel Pessoa