segunda-feira, 11 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18733: Notas de leitura (1074): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (4) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Julho de 2016:

Queridos amigos,
O apanhado de notas que se segue tem a ver com um período de definhamento da missionação na costa da Guiné. No essencial, nos reinados de D. João V e de D. José I a história missionário-portuguesa teve o seu ponto alto não em África mas no Brasil. As obras aqui citadas dão conta, e sem nenhum sofisma, que os missionários eram de muito má qualidade e tentados pelo comércio. Como se pagava mal aos militares, ninguém queria ir para estas praças, fora buscar cadastrados. Quando lemos o documento extraordinário de Honório Pereira Barreto com a sua memória da Senegâmbia, num outro período atribulado do século XIX, compreendemos o seu pesar quando refere a péssima qualidade da gente que arriba à costa da Guiné para administrar, praticar justiça, comandar tropas e até falar das coisas de Deus.

Um abraço do
Mário


História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema (4)

Beja Santos

Na sequência de recensões que se tem vindo a apresentar sobre uma obra incontornável da missionação na Guiné, História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema, Editorial Franciscana, Braga, 1982, procura-se uma síntese do período que compreende o absolutismo até ao liberalismo.

Recorde-se que no reinado de D. João V e depois da figura determinante de D. Frei Vitoriano Portuense foi nomeado bispo de Cabo Verde D. Frei José de Santa Maria de Jesus, sagrado bispo de Cabo Verde em 1721. Veio acompanhado de dois clérigos, o Dr. Manuel Leitão e António Henriques Leitão, ambos estiveram na Guiné como “visitadores”. O bispo foi à Guiné em 1732, em Farim sobreveio-lhe grave enfermidade nos olhos que o deixou cego.

O autor descreve o martirológico dos franciscanos na Guiné, do século XVII para o século XVIII bem como enumera as baixas devidas ao clima pestífero. Em comentário à ação dos missionários franciscanos desta época, o historiador José Christiano de Senna Barcelos, em Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné, Volume I, escreve: “Estabelecidas as sedes das missões em Cacheu e em Bissau, delas (os prelados de Cabo Verde) destacavam arrojados padres missionários para o Norte e para o Sul, penetrando pelo sertão até às tribos mais indomáveis; com a cruz ao peito, esse símbolo da paz, avançavam tranquilos”. E escreve mais adiante: “Foi com a cruz que conquistámos toda a Guiné, e fio à sombra dela que edificámos igrejas em Ziguinchor, Farim, Geba, Rio Nuno, Pongo, Gâmbia e Serra Leoa; que se construíram fortalezas e que se permitiu a navegação fluvial. Com a cruz edificámos e avançámos a passos gigantes para o sertão; Com a espada temos demolido e retirado, com os mesmos passos, para a beira-mar. É a diferença”.

Quanto à decadência da missão franciscana, escreveu Francisco Roque Sotomaior, em 1753, um documento endereçado ao governo de Lisboa:
“Ultimamente, não posso deixar em silêncio ser também causa de muitas perturbações nesta ilha a licenciosa vida de alguns padres missionários, que, fiados no hábito de S. Francisco, fazem dele escudo para continuar o exercício de mercadores tratantes, sem cuidar na sua obrigação, além de buscar motivos para amotinar o gentio”.

António Vaz de Araújo assina em 2 de Novembro de 1778 na “Relação das Praças que Sua Majestade tem na Costa da Guiné” as de Cacheu, Farim, Ziguinchor, Bissau e Geba, não há qualquer referência à Serra Leoa e à Gâmbia. É que se a Senegâmbia Portuguesa avançasse para as fronteiras que foram negociadas com os franceses. A fiarmo-nos nos dados, em 1819, povoavam os estabelecimentos portugueses da costa da Guiné um total de 4419 pessoas, e entre elas havia três eclesiásticos em Cacheu e um em Ziguinchor.

Dir-se-á que houve uma tentativa de ressurgimentos das missões na Guiné no final da década de 1820, mas sem sequência. As Ordens Religiosas em Portugal estavam moribundas. Aguardavam o golpe de misericórdia que lhes deu o liberalismo em 1834.

Apreciando a decadência das missões no final do século XVIII, o franciscano padre António Joaquim Dinis escreve: “As ordens religiosas em Portugal que, durante séculos deram provas de grande fervor, de trabalho heroico na construção do nosso Império, de dedicação a Deus e à pátria, cansaram, entraram em decadência franca nos finais do século XVIII. Primeiro, reduzidos, depois totalmente suspendidos, foi golpe mortal, vibrado na assistência religiosa e na missionação das nossas possessões ultramarinas. Direi mais: fizeram falta à manutenção da vida social e política do Ultramar".

Estamos agora no liberalismo e escreve Henrique Pinto Rema:
“Enquanto na metrópole os conventos regurgitavam de pessoal, as desmanteladas casas que os franciscanos mantinha, por exemplo, na diocese de Cabo Verde, eram ocupadas por uns tantos, poucos, indesejáveis e aventureiros, propensos à bebedeira e à violência, mais dedicados ao comércio do que ao doutrinamento do povo. Mutatis mutandis, idêntico fenómeno se passava com os civis europeus chegados a essas bandas: ou eram negreiros, com o seu vil e lucrativo comércio, ou eram cadastrados, como aqueles que em 1805 o comandante da capitania de Bissau, Manuel Pinto de Gouveia, trouxe do limoeiro e das cadeias de Cabo Verde com o fim de guarnecer a praça. O pernicioso clima e o pagamento atrasado dos soldos, que sempre foram mais baixos que em outras províncias, não convidam homens honestos e trabalhadores”.

Por esta altura, a ação missionária na Guiné estava reduzida a três freguesias: Bissau, Cacheu e o presídio de Farim. Confiados a três sacerdotes de cor. Na terra firme da Costa da Guiné possuíamos as praças de Bissau e Cacheu, sedes de conselho, compreendendo o primeiro o presídio de Geba, o Ponto de Fá e a Ilha de Bolama; O de Cacheu estendia a sua influência pelos presídios de Farim, Ziguinchor e Bolor. Pertenciam ainda à Coroa Portuguesa comprados por Honório Pereira Barreto o Ilhéu do Rei, chamado Nova Peniche, mesmo em frente de Bissau, e o porto de Gonzo, no interior do rio Casamansa. Estas praças, presídios, pontas e ilhas teriam de três a quatro mil habitantes entre brancos, pretos livres e escravos, segundo Christiano Senna Barcelos.

Com a Convenção Luso-francesa de 15 de Maio de 1886 perdemos Ziguinchor mas a província da Guiné terá crescido de 11 mil para 36 mil quilómetros quadrados. Estava lançado o desafio da ocupação do território, como prescrevia a Conferência de Berlim. Em 1891, só tínhamos seis pontos definitivamente ocupados: a Ilha de Bolama, as praças de Bissau, Cacheu e Buba e os presídios de Farim e de Geba. Tudo vai mudar radicalmente no final do século, mas será necessário esperar que o Capitão Teixeira Pinto para que se registe formalmente a aceitação da soberania portuguesa. É neste contexto que a missionação vai conhecer avanços e recuos e que o seu estatuto ficará mais aclarado com o Estado Novo.

(Continua)
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Notas do editor

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