sábado, 16 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18745: Os nossos seres, saberes e lazeres (272): De Aix-en-Provence até Marselha (4) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 10 de Abril de 2018:

Queridos amigos,
Aqui estamos em plena Gália Narbonense, especados e aturdidos com o génio arquitetónico romano, Arles conserva uma das obras-primas do românico provençal, em romano e românico os tesouros são imensos, os museus espetaculares, como adiante se verá, e importa não esquecer que em fevereiro de 1888 aqui arribou Van Gogh, pintava então como um possesso, obras-primas como Le Café d’Arles ou Le Pont de Langlois nasceram aqui, o produto final foram 200 pinturas e 100 desenhos, Van Gogh quis fundar em Arles uma associação de artistas, Gauguin respondeu ao seu apelo, mas desavençaram-se, Van Gogh teve aqui uma crise neurótica e cortou uma orelha. Não se vê mas a cidade conserva na atmosfera e no seu casco histórico a vida que o atraiu, convém não perder de vista que o majestoso Ródano passa pela berma da cidade antiga e moderna.

Um abraço do
Mário


De Aix-en-Provence até Marselha (4)

Beja Santos

O viandante organizou a sua digressão por Arles quase com estratégia militar, veio entusiasmado até ao passado, aqui foi ponto focal do maior relevo na Gália Narbonense, por vontade de Júlio César. Mas, imagine-se, também aqui se vem à procura do provençal, a cultura portuguesa e a sua história muito devem a este rincão, recorde-se que D. Sancho I se uniu a D. Dulce, filha do Conde da Provença. O próprio D. Afonso III viveu 13 anos em França, e lá foi procurar o mestre do seu filho D. Dinis, o rei poeta e lavrador, que cantou:

Quer’eu em maneira de proençal 
fazer agora um cantar d’amor.

Tudo mudou quando a França absorveu a Provença e a nossa diplomacia se virou definitivamente para Inglaterra. Um Prémio Nobel da Literatura francês foi Frederico Mistral que dedicou um cativante poema a Portugal, que assim começa: “Belo pequeno povo, que encarnaste / Numa turba de heróis e num grande poeta, / Se nas tuas recordações estás refugiado, / Como o velho marujo que sonha com o leme…
Todas as indicações das ruas estão em francês e provençal, dá para sonhar sobre essa cultura que se cruzou com a nossa e tem identidade, mais adiante falaremos da arquitetura. Encontrou-se uma fórmula económica para ir ao teatro antigo, ao anfiteatro, às Termas de Constantino, aos criptopórticos, ao claustro de São Trófimo, ao museu arqueológico e ao museu Réattu, uma empanzinadela por 12 euros, fez-se bem em apostar estar em Arles dois dias inteiros, sem parança! Começou-se pelo teatro antigo, dá para ver a sua rara elegância, foi um dos mais importantes do Império no século I a.C. Conserva duas colunas admiráveis em brecha africana e mármore italiano. No século IX este espaço foi fortificado, felizmente que intervenções posteriores o levaram a manter uma boa relação com o meio circundante.



Na cadeira de História de Arte, o viandante tinha referências a toda esta fachada e à perfeição e rasgo espiritual do pórtico. É uma das obras-primas do românico provençal do século XII, só para andar a meter o nariz em toda esta estatuária primorosa se promete voltar, há muito que o viandante aprendeu que a melhor lente é a dos nossos olhos, e por isso pede atenção a certos pormenores das imagens que se seguem, não podemos esquecer o que era a fé medieval, a glória de Deus e a punição infernal.




Há a igreja de São Trófimo propriamente dita e o claustro, aqui estão algumas das mais belas esculturas medievais. O viandante precisa de muitas horas para aqui cirandar e uma coisa é certa, do pouco que já viu precisa muito de voltar, Arles é uma enciclopédia, foi centro comercial grego, colónia romana, capital imperial, lugar relevante da cristandade, um grande centro agrícola do renascimento. É um antigo atravessado pelo moderno, arquitetos como Henri Ciriani e Frank Gehry deixaram aqui as suas marcas, Arles com o seu conjunto de monumentos romanos e românicos está na lista do Património Mundial da Humanidade. O que dizer de exaltante, em duas palavras, para não cansar o leitor? As esculturas são de qualidade excecional, felizmente têm sido alvo de restauro, está-se convicto que ninguém pode ficar insensível a estes sinais de uma fé inabalável naquele século XII.




Numa das salas do claustro, talvez tenha sido a Casa do Capítulo do mosteiro, as paredes estão forradas de muito delicadas tapeçarias de Aubusson, do mais requintado lavor. Bem enternecedora é esta imagem do nascimento de Jesus.


Nova digressão no interior de Arles, a Praça do Fórum, de linhas muito equilibradas. Não é a primeira vez que o viandante vê incrustações do mundo antigo em arquitetura mais recente, ficou especado diante deste aproveitamento e, confessa, até acha bem engenhoso.


Pois é nesta praça que se assinala um quadro célebre de Van Gogh, que por aqui andou e até tem um espaço artístico com o seu nome. A fachada do que ele pintou tem alguma maquilhagem mas lembranças do que ficou na tela ainda são detetáveis, que coisa bem bonita este encontro com Van Gogh em Arles, no espaço público.


Agora uma descida ao subsolo do Museu de Arte Cristã, aqui estão os criptopórticos, armazéns subterrâneos com cerca de 2 mil anos, deambula-se por aqui com sinais permanentes do passado, dá para meditar o génio arquitetónico romano, como toda esta estrutura permanece inabalável, a despeito da sua imensidão. Escusado dizer que ainda agora a procissão vai no adro, muitíssimo há para ver em Arles e o viandante ainda não desfiou as imagens captadas pelo telemóvel, teve que ser assim em vários museus, mas não esconde a sua satisfação pelo produto final. É o que se vai mostrar a seguir.


(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18727: Os nossos seres, saberes e lazeres (271): De Aix-en-Provence até Marselha (3) (Mário Beja Santos)

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