sábado, 9 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18727: Os nossos seres, saberes e lazeres (271): De Aix-en-Provence até Marselha (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 4 de Abril de 2018:

Queridos amigos,
O tempo não ajudou em Aix-en-Provence, mas rendeu o passeio pelo centro histórico e a visita aos prodigiosos museus, tinha-se em mente uns percursos para andar a namoriscar sítios onde Paul Cézanne produzira algumas das suas obras primas, mas logo as bátegas fortes da manhã dissuadiram tal intento, assim se calcorreou a cidade em tuk-tuk, se andou por museus, viu livrarias e se aproveitaram as abertas para ver os maciços deslumbrantes que cercam a velha capital da Provença.
No dia seguinte, haverá dia ensolarado e um completo deslumbramento espera o viandante em Arles, património da humanidade de uma das pérolas mais preciosas da arquitetura do romanesco provençal.
Depois, fica prometido, conta-se tudo.

Um abraço do
Mário


De Aix-en-Provence até Marselha (3)

Beja Santos

O viandante faz sempre o possível por se documentar sobre os sítios que visita. O guia Michelin enquadra historicamente Aix-en-Provence, recomenda sítios belíssimos, sem dúvida alguma, por duas vezes, mesmo com as ameaças das bátegas de água se procurou visitar a Catedral St. Sauveur, sem sucesso, o Museu Granet impressionou e protegia das chuvadas, ora o bilhete incluía uma visita à coleção Planque, e o viandante não hesitou, foi visitar a curta distância do Museu Granet XXE, aproveitou para ler o onde e como, até porque Jean Planque, para haver sinceridade, não lhe era nome familiar. A comunidade do país de Aix, para acolher esta fabulosíssima coleção, reabilitou uma antiga capela, um dos florões da arquitetura da região no século XVII. Trata-se da capela erigida em 1654 pelos penitentes brancos carmelitas, o edifício andou à deriva depois de ter sido como bem nacional após a revolução, foi usado como celeiro e armaria. Em 1886, a capela perdeu definitivamente a sua vocação religiosa, transformou-se em estabelecimento de ensino e mais tarde anexo do museu.
Antes de se falar de Jean Planque diga-se que a fundação por ele criada confiou ao Museu Granet a valorização desta coleção excecional. O resultado final é deslumbrante.

Exterior da antiga capela dos penitentes brancos carmelitas, do século XVII

La collection Planque va à Aix-en-Provence, desenho de Burki, 2010

Um ângulo da capela, com destaque para o rés-do-chão onde se exibem algumas das obras-primas que vão de Van Gogh a Picasso

Outro ângulo da antiga capela onde se podem ver os dois andares onde se exibem obras artísticas da contemporaneidade

L’escalier du Cannet, Pierre Bonnard

Jean Planque teve um currículo das arábias, vendeu seguros e inseticidas até que, de 1955 a 1972, se transformou em Paris no conselheiro da Galeria Beyeler, de primeiríssimo nível. Por esta forma, este homem de origem modesta foi reunindo ao acaso e de acordo com as suas oportunidades, uma coleção com mais de 100 quadros e desenhos de grandes mestres dos séculos XIX e XX. Ao princípio atraía-se mais pela pintura figurativa, depois caminhou para outros níveis. Desse período figurativo conseguiu adquirir obras de Cézanne, Van Gogh, Monet, Degas, Redon, Renoir, Gaugin, Dufy, Rouault e Bonnard, que aqui se mostra.

La Rose et le compas, Fernand Léger

O cubismo está representado no rés-do-chão, já era muito procurado e vendia-se a preços altíssimos no seu tempo. Aparece representado por Braque, Juan Gris, um Dufy muito raro e pela tela emblemática de Léger que faz alusão ao amor de Planque pela pintura, o viandante andou ali à volta, era coisa, se lhe oferecessem, que trazia para casa.

Nu et homme à la pipe (La Conversation), Picasso

Jean Planque encontrou Picasso em 1960, nasceu aí uma forte amizade. O galerista irá visitar regularmente o maior génio da pintura do século XX em Notre-Dame-de-Vie. Picasso venderá a título excecional ao galerista suíço mais de 20 quadros, facto único na história das relações do genial pintor com os seus vendedores. Assombra andar por aqui a mirar obras altamente representativas, só para regressar a este museu, confessa sem qualquer rebuço o viandante, vinha amanhã disparado até Aix-en-Provence, há aqui contemplação para uma semana e certamente que aqui voltaria nos anos seguintes…

Paysage Marine, Nicolas de Stael

Para chegar onde chegou, Planque foi um talentosíssimo caçador de grandes artistas. A partir de 1952, quando se preparava uma exposição de Manessier, Planque descobriu a importância da arte informal, lançou-se nas galerias de Paris e de outros locais de França para recomendar à Galeira Beyeler obras a preço mais acessível. Foi assim que ele descobriu Nicolas de Stael, Vieira da Silva e Roger Bissière.

Composition, bleu, blanc, rouge, Jean Planque

Jean Planque começou a pintar aos 19 anos, nunca teve ilusões quanto a ter dado aquele passo decisivo que é indispensável dar para se tornar um criador a corpo inteiro, ele tinha consciência das suas limitações e sentia-se paralisado pela admiração que dedicava aos seus mestres, e por isso se dizia que pintava «à maneira de» e não escondia que colecionava os quadros que desejava ter podido pintar.

The Man of Kalahari, Kosta Alex

Nos andares superiores encontramos sinais das amizades de Jean Planque e mais adiante aparecerá o artista, expoente da arte bruta, que ele mais admirava, Jean Dubuffet, e por aí o visitante deambula, encontrará peças do seu amigo Kosta Alex e outros.
A fundação Jean e Suzanne Planque decorre do desaparecimento do galerista em agosto de 1998, um conjunto de artistas manifestou-se a favor da criação da fundação para honrar a memória do colecionador. Para além de 30 esculturas, colagens e desenhos oferecidos por Kosta Alex, houve ofertas de Alexandre Holan e Sorel Etrog, as ofertas nunca mais pararam.
O viandante também teve oportunidade de visitar a bela coleção de livros ilustrados com estampas de Picasso, Debuffet e Miró.
Concluída a visita à exposição, percorre-se a cidade para nela simplesmente flanar. Há que deitar cedo e rumar para o comboio. Arles é a nova etapa do programa, mal sabe o viandante as gratas surpresas que o esperam…


(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18703: Os nossos seres, saberes e lazeres (270): De Aix-en-Provence até Marselha (2) (Mário Beja Santos)

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