segunda-feira, 4 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18707: Notas de leitura (1072): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (3) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Junho de 2016:

Queridos amigos,
Prossegue a súmula dos principais eventos da missionação portuguesa na Guiné, graças a essa obra ímpar que ainda se pode adquirir, está longe de esgotada.
Com a Restauração, redobraram-se os esforços no envio de missões a partir da Missão de Cabo Verde e Guiné. Recorde-se que ninguém usava uma expressão inequívoca para falar da região. Todos se procuravam entender a ela se referindo como a Costa da Guiné, território que ia desde o Sul do Senegal até à Serra Leoa. O ponto de chegada era Cacheu, mas em Guinala, no Rio Grande de Buba, já havia igreja e a expressão cristãos de Geba era bem conhecida a tal ponto que quando estes cristãos foram transferidos para Farim constituíam a maioria daquela pequena cristandade.
Quem se interessar por esta vertente da história missionária tem ao seu dispor um relato extraordinário que é o livro de Frei André de Faro, uma autêntica peregrinação com cunho acentuadamente religioso, e a edição de 1974 de Avelino Teixeira da Mota sobre as duas viagens de D. Frei Vitoriano Portuense.

Um abraço do
Mário


História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema (3)

Beja Santos

Continuamos a sintetizar os aspetos fundamentais de um livro ímpar sobre a presença missionária portuguesa num território outrora designado por Senegâmbia, Costa da Guiné, rios de Guiné de Cabo Verde, entre outros crismas: “História das Missões Católicas na Guiné”, por Henrique Pinto Rema, Editorial Franciscana, Braga, 1982.

Chegados à Restauração, o fundador da Casa de Bragança procurou estimular a presença de religiosos portugueses onde outrora se implantara uma crescente missionação espanhola. Em 1656, ano da morte de D. João IV, deliberou-se enviar para a Missão de Cabo Verde e Guiné oito franciscanos capuchos que se tinham oferecido. Os Capuchos chegam a Santiago em 1657, tendo dois deles partido para a Guiné em 1660. Escreve Frei André de Faro que eles foram os primeiros que edificaram hospícios do Orago da Piedade na povoação de Cacheu, um dos capuchos foi para o reino do Banhuns e outro para o reino dos Cassangas: “Andando sempre pregando por todas as povoações e rios da Guiné, passando a Serra Leoa e dela voltando até toda a costa da Guiné, gastando muitos anos neste ministério, vendo-se tantas vezes tão perto da morte”. Ambos deixaram memórias escritas, documentos de enorme valia para o estudo desta missionação.

Em Março de 1663 teve lugar a segunda leva missionária que seria contada ao pormenor por Frei André de Faro, um dos seus protagonistas. É consenso dos historiadores que se trata de um extraordinário relato de aventuras, ardoroso, com o sabor de uma peregrinação africana sem paralelo. Os Capuchos chegam a Cacheu em Março desse ano. Frei André parte para o Rio de Nuno, no mês seguinte, “porque quem delibera a servir a Deus salta dificuldades, atropela dúvidas e vence impossíveis. E como a covardia nunca foi vista nem ouvida, tomei alento”. Em Junho, depois de uma passagem por Bissau, encaminha-se para a Serra Leoa. Escreve em Tombá: “Quantos sacerdotes andam ociosos no reino de Portugal, onde neste largo campo puderam fazer grandes serviços a Deus e acudir a tantas almas necessitadas de remédio. Alguns sacerdotes arriscam muito a sua salvação, entregando-se no vício na preguiça”. Entusiasmado, procede a conversões, a despeito da hostilidade dos ingleses, bastante presentes na região. Os nativos, regra-geral, recusam abandonar os seus chinas (ídolos) e não aceitam a conversão. Em Maio de 1664 entra no Rio Grande de Buba. No Rio Grande, em Guinala, havia já igreja, de palha e paredes de barro. Regressa a Bissau e parte para Cacheu, onde havia um capucho no Hospício da Piedade. Pensa ir converter no reino dos “Balantes”, mas adoece, regressa a Portugal, e faleceu em Beja em 1678.

A missão franciscana começa a empurrar por volta de 1670. Em Cacheu foi onde houve praticamente a primeira cristandade. Havia aqui muita gente devota de Nossa Senhora do Vencimento. Farim, a segunda povoação portuguesa na Guiné naquele tempo, formara-se com os moradores de Geba. Os cristãos de Geba, mudados para Farim, eram às vezes em maior número que os da povoação de Cacheu. Em Farim foi construída uma igreja em honra de Nossa Senhora da Conceição, reduzida a cinzas num pavoroso incêndio, em 1701.

Bissau possuía comerciantes brancos, no princípio do século XVII, e sobre o lugar escreve Francisco Lemos Coelho, nascido em Bolola: “O porto de Bissau é o melhor para viverem os brancos de todos quanto há naquelas partes; a terra mui sadia e mui lavada dos ventos, mui abastadiça de mantimentos e carne”.

É neste contexto que surge uma outra figura ímpar da missionação, o bispo D. Frei Vitoriano Portuense. Se a fundação do hospício de Bissau data de 1683/1684, o bispo ajudou à edificação da primeira igreja de Bissau, em 1690. Henrique Pinto Rema vai registando os marcos de cristandade no Rio Grande de Buba (que chegou a ter mais importância e feitoria do que Cacheu), e a Cristandade do Rio Nuno e a da Serra Leoa. Mais à frente, passa em revista as visitas pastorais de D. Frei Vitoriano Portuense, que já era uma distintíssima personalidade na evangelização de Cabo Verde. D. Frei Vitoriano deslocou-se por duas vezes à Costa da Guiné.

Acerca de primeira visita existem dois preciosos relatos. Assina o primeiro o próprio protagonista, depois de regressar a Santiago, em Julho de 1694; o segundo é da responsabilidade de um familiar de D. Frei Vitoriano, António Rodrigues da Costa. Em 1974, Avelino Teixeira da Mota publicou as viagens deste bispo à Guiné e a cristianização dos reis de Bissau. É outro documento ímpar, o acervo informativo. É graças à documentação destas viagens que sabemos da conversão do rei Becampolo Có, assunto que levou à troca de correspondência entre este rei guineense e o rei português. O bispo visitou Geba, Cacheu, Farim e Bolor. A primeira viagem foi um êxito, a segunda um longo rol de dissabores. Sobre este prelado escreve Senna Barcelos, uma das maiores autoridades no estudo das comissões portuguesas: “Se ainda hoje contamos a Guiné nos nossos domínios de além-mar, essa glória cabe tão-somente ao bispo D. Frei Vitoriano, o qual consumiu os melhores dias da sua vida naquele mortífero clima, convertendo ao cristianismo milhares de gentios, não só com o fim de lhes purificar a alma, mas também como meio de dilatar as nossas conquistas. Esse bispo seguiu ainda as nobres tradições dos frades missionários que por lá foram desde 1604, muitos dos quais por ali faleceram, não pelas setas envenenadas dos gentios, mas por culpa do governo, que não lhes dava o necessário."

Estamos numa nova fase de refluxo e vai entrar em cena o clero regular, a segunda vaga missionária franciscana ainda está longe.

(Continua)
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Nota do editor

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